23/12/2015 - 22:29
Dentro dos 3,6 milhões de km² que formam nosso território marinho, há uma verdadeira “floresta” com várias espécies e 3 mil km de recifes de coral. Nem 2% dessa riqueza está protegida por unidades de conservação. Em 2014, no Congresso Mundial de Parques, em Sydney (Austrália), o governo brasileiro se comprometeu a aumentar o percentual de áreas protegidas no mar para 5% até 2020. Mas o processo parece não caminhar, por pressões econômicas.
Além disso, por três anos o país permitiu métodos de pesca predatórios e não monitorou estoques pesqueiros. “Isso mostra que as decisões em relação ao manejo e à gestão dos oceanos no Brasil não são baseadas no conhecimento científico nem tradicional. São decisões única e exclusivamente políticas”, avalia Leandra Gonçalves, bióloga e consultora para área de mar da Fundação SOS Mata Atlântica.
O monitoramento dos estoques só foi retomado este ano, quando uma equipe capacitada e comprometida com o tema foi montada no Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). Mas as incertezas voltaram quando, na reforma ministerial de outubro, o MPA foi incorporado ao Ministério da Agricultura. No mesmo mês a pesca foi liberada durante o defeso (período de proibição da atividade para favorecer a procriação das espécies), enquanto o Seguro-Desemprego do Pescador Artesanal era suspenso por 120 dias.
O risco é que essa equipe seja diluída ou não encontre o mesmo apoio político que lhe permitiu avançar em questões importantes. “Hoje, 80% dos recursos marinhos estão sobre-explorados, não temos saneamento básico decente na zona costeira, o nível de poluição e contaminantes é elevado e o número de unidades de conservação é baixíssimo”, resume Leandra.
A base da proposta está na criação do bioma marinho (os mares até hoje são considerados no Brasil como um ecossistema, parte de um bioma maior, como a Amazônia ou a Mata Atlântica). Com isso feito, seria possível aplicar o planejamento espacial marinho – já usado em vários países – para compatibilizar as atividades no mar, segundo atribuições biológicas, políticas e sociais. Mas a proposta vem encontrando resistência da Comissão de Agricultura do Congresso Nacional.
Idas e vindas legais
Enquanto a lei não deslancha, outra iniciativa busca preservar a fauna marinha. Fruto de levantamento feito durante cinco anos pelo Ministério do Meio Ambiente, a Portaria 445 MMA, de dezembro de 2014, definiu proibições de pesca e regras para manejo e consumo de 475 espécies aquáticas ameaçadas de extinção. Mas, como 31 delas – entre as quais estão garoupas, badejos, tubarões e raias – têm valor comercial, a portaria foi derrubada. Atualmente, várias negociações procuram rever e reconsiderar algumas proibições.
Para Mônica Peres, ex-integrante do MPA e hoje diretora geral da ONG Oceana, a solução desses e de outros impasses pela sustentabilidade depende de o Brasil incorporar o conceito que já mudou o ordenamento de pesca em outras partes do mundo: passar de um modelo de livre acesso e espécies aos mares para a adoção de unidades de gestão e cotas de pesca. “Os próprios donos das licenças de propriedade e das cotas acabam cuidando melhor do que têm, porque se acabar o peixe, não poderão avançar sobre o espaço ou a cota do outro.”
Mônica acrescenta que quando se olha para a pesca como atividade econômica, a biodiversidade está salva. Se usar os indicadores econômicos em vez dos biológicos (estados dos estoques), o meio ambiente é beneficiado. Isso porque os cálculos baseados no estado do estoque, também chamado “ecológico”, levam em conta o limite mínimo de uma população que deve ser mantido para a espécie se repor. “Já o ponto de equilíbrio econômico favorece a conservação da espécie, porque é mais barato ter muito peixe do que sair peneirando o mar para achá-lo.”
“No fundo, estamos falando de segurança alimentar. Não dá para continuar explorando tudo a qualquer custo”, afirma Anna Carolina Lobo, coordenadora do Programa Marinho e Mata Atlântica do WWF. “Falta o governo, empresas e sociedade civil entenderem que o meio ambiente impacta positivamente na economia do Brasil. Mas ainda se insiste em uma linha desenvolvimentista muito retrógrada.”