Nascida na rua, a Commedia dell’arte sempre foi antiacadêmica e contestatória. Nos séculos 15 e 16, as críticas que lançou contra médicos, militares, prelados, nobres e católicos, banqueiros e negociantes, hipócritas e carolas resultaram em proibições, ameaças e castigos. Muitos cômicos de rua tiveram até que emigrar.

Personagens com caracteres fixos

Um autor e ator de grande importância para este gênero teatral foi Angelo Beolco (1502–1542), conhecido como Ruzante – personagem que representava e que se caracterizava por ser um camponês guloso, grosseiro, preguiçoso, ingênuo e zombador. São dele os primeiros documentos literários em que a repetição das mesmas características em personagens de mesmo nome anima uma série de tipos fixos, considerados os precursores das máscaras da Commedia dell’arte.

O primeiro grupo formou-se em 1545, quando oito atores de Pádua, na Itália, se comprometeram a atuar juntos por um determinado período – até a quaresma de 1546. Foi o primeiro grupo de atores europeus a viver exclusivamente de sua arte. As personagens representadas eram divididas em três categorias: os enamorados, os velhos e os criados, chamados zannis, palavra que provavelmente deriva de Giovanni, nome típico do ambiente camponês italiano.

Entre as personagens que utilizavam máscaras, destacava-se Pantaleão (Pantaleone), um rico mercador veneziano, geralmente avarento e conservador. Com sua figura esguia, contrastava e se complementava no jogo cênico com a figura redonda do outro velho, o Doutor (Il Dottore), que podia aparecer como seu amigo ou rival. Este segundo personagem era pedante, normalmente advogado ou médico, falava em dialeto bolonhês intercalado por palavras ou frases em latim.

A graça de Arlequim

Os tipos mais variados e populares da Commedia dell’arte eram os zannis. Dividiam-se em duas categorias: o primeiro zanni, esperto, movimentava as ações com suas intrigas; o segundo, rude e simplório, interrompia a ação e desencadeava a comicidade com suas brincadeiras atrapalhadas.

A máscara mais popular entre os zannis era a do Arlequim (Arlecchino), proveniente de Bérgamo. Encarnava uma mistura de esperteza com ingenuidade, sempre no centro das intrigas. Supõe-se que, com o tempo, seu figurino foi ganhando remendos coloridos e dispersos, de onde provém sua atual fantasia de losangos, típica do arlequim no carnaval.

O companheiro mais frequente de Arlequim era Briguela (Brighella), um criado libidinoso, cínico e astuto. Outro zanni que já existia do carnaval de Nápoles e passou a fazer parte da Commedia dell’arte foi Polichinelo (Pulcinella). Um papel de destaque era desempenhado ainda pelo Capitão (Il Capitano) – um covarde que contava vantagens de suas proezas em batalhas e no amor, mas depois era desmentido.

Visão maniqueísta do mundo

O uso da máscara na Commedia dell’arte era tão importante que se passou a chamá-la “comédia das máscaras”. Os atores usavam meias máscaras, que deixavam a parte inferior do rosto descoberta, permitindo uma fonação perfeita e a respiração mais cômoda, adequada às necessidades do jogo cênico. A máscara proporcionava o imediato reconhecimento do personagem pelo público.

Arlequim, Briguela, Pantaleão, Balanzone, Rosaura, Colombina e o Capitão eram intérpretes de um mundo de extremos, onde sentimentos e pensamentos eram reduzidos ao estereótipo e a máscara intermediava a simplificação máxima. Não existiam nuanças na esperteza de Arlequim, na avareza de Pantaleão, na afetação doutoral de Balanzone, na faceirice de Colombina.

Tudo era imediato e em linguagem direta, facilitando a compreensão das plateias instaladas nas áreas sombreadas da praça pública. Os diálogos geralmente eram muito curtos, para provocar risos mais rapidamente, antes de os artistas serem dispersados pela polícia. Das ruas, a Commedia dell’arte passou a fazer parte das festas da corte. Pintores famosos como Tiepolo e Callot eternizaram os personagens da Commedia nas telas.

No século 17, o escultor Bustelli criou uma série de figurinos da Commedia para a Manufatura de Porcelana do Palácio de Nymphenburg, em Munique. Hoje, são artigos altamente cobiçados por colecionadores. Em meados do século 17, as obscenidades começaram a desaparecer e a Commedia dell’arte conquistou o palco teatral, através de Molière e Carlo Goldoni.

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