26/09/2022 - 4:59
Na manhã de 8 de agosto de 1969, a Abbey Road, em Londres, na altura dos estúdios da EMI, torna-se o cenário de uma rápida sessão fotográfica. Um policial parou o trânsito, e não havia muita coisa acontecendo na rua: mesmo os fãs ainda não estavam lá. Eles chegariam à tarde, quando os Beatles estariam no estúdio para gravar o álbum Abbey Road como faziam quase todos os dias.
São 11h30 da manhã, e Linda McCartney está à beira da rua tirando fotos dos quatro Beatles bem-humorados enquanto eles se preparam para atravessar a rua para a famosa foto.
De terno branco, John Lennon parece meio ausente e dá sinais de que quer acabar rapidamente com a sessão de fotos. Atrás dele, Ringo Starr e Paul McCartney fazem caras sérias. Já George Harrison parece não se importar com nada.
Os quatro finalmente andam para cá e para lá, e repetem tudo de novo. O fotógrafo Iain MacMillan pressiona o obturador apenas seis vezes – e o trabalho está terminado.
Para os quatro Beatles, foi rápido demais. Porque, apesar da simples ideia de apenas atravessar a rua a pé, foram estimadas de duas a três horas para a sessão fotográfica, e os músicos só costumam ir ao estúdio à tarde para mais gravações. A produção do álbum Abbey Road está em pleno vapor, em meio a dias e semanas exaustivos.
Após a sessão de fotos durar apenas dez minutos, os Beatles têm agora que matar seu tempo, porque parece que já não têm muito o que dizer um ao outro. O ex-roadie dos Beatles Mal Evans descreve em seu diário o que aconteceu depois da sessão fotográfica: “John e Paul viraram a esquina e foram rapidamente para a casa de Paul. Ringo foi às compras, e George visitou o zoológico.”
A última convocação
Abbey Road é o último álbum que os Beatles gravaram juntos. O disco Let it be já estava produzido, mas só seria lançado em 1970, após o fim da banda. A produção de Let it be não foi tão feliz quanto a do inspirado White album de 1968, uma vez que a banda já vinha brigando: problemas comerciais, desentendimentos sobre a gestão – e Yoko Ono, a esposa de John Lennon, que não sai do lado do marido e chateia os outros três Beatles.
Paul McCartney é o único que ainda acredita no futuro da banda e convence os outros a lançarem um novo – e derradeiro – álbum dos Beatles. É a última colaboração deles antes da separação final.
Paul chama George Martin, produtor de longa data dos Beatles, que fica bastante surpreso. Após as desastrosas gravações de Let it be, ele pensou que os Beatles já tinham, há muito tempo, chegado ao fim.
Na biografia The Beatles anthology, Martin descreve como foi abordado por Paul: “Estamos gravando um novo disco. Você quer produzi-lo?” Martin então diz: “Só se vocês me deixarem fazer do mesmo jeito que fiz no passado.” Paul confirma e dá a Martin sua palavra de honra de que John também estará a bordo.
Faixa de pedestres em vez do Himalaia
E o resultado foi, de fato, um “disco muito bom”, como Martin afirma mais tarde. “Acho que foi porque todos pensaram que seria o último.” O disco receberia o nome de Everest – simbolizando a chegada ao pico mais alto.
Para a capa do álbum, o plano original era retratar os Beatles como a “maior banda do mundo”, em frente à montanha mais alta do mundo. Mas não havia tempo suficiente para a foto antes da data de lançamento planejada. Então eles decidem por uma solução pragmática: uma cena de rua na frente do estúdio. E, assim, o disco ganha seu novo título, Abbey Road, e é lançado em 26 de setembro de 1969.
O álbum vendeu milhões de cópias, e a foto de capa tornou-se um ícone da cultura pop: a imagem foi inúmeras vezes citada, reencenada e satirizada por fãs. Os integrantes da banda de rock The Red Hot Chili Peppers, por exemplo, para o seu EP The Abbey Road, atravessaram nus uma faixa de pedestre – com meias brancas cobrindo suas partes íntimas.
Os Simpsons, Teletubbies, vários personagens da Disney, heróis do filme Guerra nas Estrelas e outros do mundo do cinema foram imortalizados sobre a faixa de pedestres. O ilustrador e blogueiro Wells Baum, por sua vez, trouxe a foto para o presente, colocando os próprios Beatles sobre Segways ou retratando-os distraídos com seus celulares.
Teoria da conspiração
A foto desencadeou até mesmo uma teoria da conspiração, segundo a qual Paul McCartney teria morrido em 1966 e, desde então, sido substituído por um sósia. Como “prova”, os teóricos da conspiração mencionam que o músico canhoto segura seu cigarro com a mão direita na foto, bem como aparece descalço – uma tradição funerária inglesa.
Além disso, há um fusca branco no fundo. Na placa do carro pode-se ler “LMW 28IF” – e isso foi interpretado como uma abreviatura de “Linda McCartney widowed” (Linda McCartney viúva) ou “Linda McCartney weeps” (Linda McCartney chora).
“28IF” serviu como indicação de que Paul faria 28 anos naquele ano, se (“if”) ele não tivesse morrido. Porém, há um erro de cálculo: Paul, nascido em junho de 1942, teria apenas 27 anos naquela época.
O fusca, que pertencia a John Lennon, está agora no Museu da Volkswagen, em Wolfsburg, na Alemanha. O ex-arquivista da Volkswagen Eckberth von Witzleben comprou o carro num leilão em 1999 por 34.160 marcos alemães (cerca de 17.000 euros) e doou o veículo histórico ao museu.
“Abbey Road” repaginado
Exatamente 50 anos depois, o Abbey Road foi relançado. O filho de George Martin, Giles, remixou e remasterizou as faixas originais e ainda incluiu som Dolby Surround. Os hits “Here comes the sun” e “Come together”, bem como uma versão completamente nova de “Oh! Darling” estão incluídos.
A edição de aniversário vem em diferentes versões: vinil, CD e até um box de luxo com DVD, Blu-ray e demos e áudios adicionais de fitas de sessão, um presente para os fãs dos Beatles.
Os fãs – pelo menos da Europa Ocidental – podem até mesmo ouvir ao vivo as músicas do álbum Abbey Road. A banda holandesa The Analogues se especializou em tocar ao vivo todos os álbuns dos Beatles lançados após 1966.
O que os “quatro garotos de Liverpool” não fizeram mais, porque os fãs se mostraram muito barulhentos, a banda The Analogues revive usando instrumentos originais. Com as reproduções dos álbuns Abbey Road e Let it be, os holandeses estão permanentemente em turnê.