Quem nasceu depois de 1990 nos estados da antiga Alemanha Oriental não viveu um país dividido, mas tem sua vida marcada por essa divisão, aponta relatório encomendado pelo governo.A encarregada do governo federal para o Leste Alemão, Elisabeth Kaiser, de 38 anos, é natural de Gera, na Turíngia. Quando ela nasceu, em 1987, a Alemanha ainda estava dividida. O Muro de Berlim caiu dois anos depois, e, em 3 de outubro de 1990, a Alemanha Oriental foi sepultada de vez.

“Não vivi conscientemente a época da Reunificação, mas as histórias contadas pelos meus pais e avós me moldaram”, escreve Kaiser em seu relatório anual, apresentado nesta quarta-feira (1º/10) em Berlim, antevéspera do Dia da Unidade Alemã, o feriado nacional da Alemanha. Este é o primeiro relatório de Kaiser, que assumiu o cargo em maio de 2025, quando o novo governo alemão foi formado.

No balanço atual, a cientista política e social afiliada ao partido social-democrata SPD analisa como os jovens vivenciam a Alemanha, há 35 anos reunificada. E a pergunta no título já sugere que há diferenças entre os lados ocidental e oriental: “Crescemos em unidade?”

Formalmente a resposta é “sim”, pois existe apenas um Estado alemão. “Nós, as crianças do fim dos anos 1980 e 1990, somos a primeira geração socializada numa Alemanha unificada”, afirma Kaiser em seu prefácio. “No entanto, para os jovens que crescem lá, ‘o Leste’ ainda é muito mais do que um ponto cardeal. É um espaço que molda identidades e influencia trajetórias de vida”, enfatiza.

Condições muito diferentes

Kaiser, que estudou na Universidade de Potsdam, no estado oriental de Brandemburgo, vê diferenças em relação aos jovens do lado ocidental. “Para muitos jovens que são do território da antiga República Federal da Alemanha, o rótulo alemães ocidentais não diz nada – especialmente se vivem no litoral ou perto dos Alpes. Em contraste, os jovens alemães orientais se identificam muito mais frequentemente como ossis”, diz, usando a expressão em alemão que designa esse grupo.

E há boas razões para isso, afirma a encarregada. Pois, mesmo se ao longo de três décadas e meia os jovens alemães cresceram num mesmo país, as condições em que cresceram ainda diferem significativamente em pontos essenciais. “Isso vale sobretudo fora das metrópoles orientais.”

Renda menor, menos patrimônio

Kaiser aponta para o chamado Relatório de Igualdade do Governo Federal. Ele mostra que, em pequenas cidades e regiões rurais, o transporte público e o atendimento médico não estão totalmente assegurados, e as pessoas ganham salários abaixo da média e dependem mais de benefícios sociais.

“Os patrimônios também são menores no Leste do que no Oeste”, acrescenta Kaiser. E como eles não podem contar com o mesmo apoio financeiro dos pais do que os alemães do lado ocidental, isso “molda a trajetória de vida de muitos alemães orientais até a idade adulta”.

Ao apresentar seu relatório anual, Kaiser aprofundou esse aspecto: “Até hoje os jovens do Leste são desfavorecidos porque riqueza se transmite principalmente por herança.”

Os números publicados pelo Departamento Federal de Estatística para 2024 são claros: as autoridades fiscais dos estados ocidentais tributaram mais de 106 bilhões de euros em bens herdados ou doados, enquanto no Leste, incluindo Berlim, o valor foi inferior a 7 bilhões.

O valor per capita é quase quatro vezes maior no Oeste, com pouco menos de 1.600 euros, em comparação com apenas 400 euros no Leste. A encarregada considera essa diferença problemática e diz que, por isso, o atual debate na Alemanha sobre alterações no imposto sobre heranças é correto.

Nesse ponto Kaiser retoma uma proposta apresentada por especialistas do instituto econômico DIW há vários anos: o Estado deveria pagar a todos os jovens adultos uma “herança” de 20 mil euros. Assim eles poderiam financiar seus estudos, abrir um negócio ou investir numa moradia.

A fundação Uma Herança para Todos considera essa proposta realista e financiável: “Ela seria paga por um fundo alimentado por uma taxa relativamente pequena sobre grandes heranças”, afirma em seu site. Pelos cálculos da fundação, 5% do valor anual de heranças na Alemanha seriam suficientes para implementar a ideia.

Mas também a encarregada do governo federal sabe que o debate sobre a reforma do imposto sobre heranças é um tema delicado dentro da coalizão governista. Há simpatia por ela dentro de seu próprio partido, o SPD, mas é quase impossível encontrar alguém nos partidos conservadores CDU e CSU que a apoie. Assim, mesmo 35 anos após a Reunificação, as significativas disparidades financeiras entre o Leste e o Oeste dificilmente mudarão de uma hora para a outra.

População no Leste alemão está encolhendo

A avaliação geral de Kaiser é mista: a antiga Alemanha Oriental se desenvolveu bem em muitas áreas, a economia cresceu, há uma cena vibrante de startups e a região é pioneira na expansão das energias renováveis.

Mas nada disso será suficiente, no longo prazo, para eliminar a diferença em relação ao lado ocidental. E o crescente envelhecimento da população no Leste e a emigração de muitos jovens – cuja proporção está muito abaixo da média nacional – devem tornar tudo ainda mais difícil.

Se for excluída a capital alemã, Berlim, a parte oriental da Alemanha perdeu 2 milhões de habitantes devido à migração desde a Reunificação, em 1990 – um declínio de 16%.

Atualmente, os cinco estados da antiga Alemanha Oriental (Brandemburgo, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Saxônia, Saxônia-Anhalt e Turíngia) têm uma população de pouco menos de 12,5 milhões. No mesmo período, a população da antiga Alemanha Ocidental cresceu 10%, chegando a quase 68 milhões.