28/02/2023 - 9:53
Escondida do campo de visão de um observador situado nos arredores da Terra pela enorme concentração de estrelas, gás e poeira que forma o bojo da Via Láctea, uma superestrutura composta por 58 galáxias desconhecidas foi identificada por uma equipe de astrofísicos da Argentina, do Brasil e do Chile. As galáxias parecem fazer parte de um bloco de matéria mais ou menos compacto, situado em uma pequena região do espaço a uma distância aproximada da Terra de 2,2 bilhões de anos-luz.
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A pista de que esse aglomerado de galáxias pudesse existir foi fornecida por dados do levantamento Vista Variables in Via Lactea (VVV), um projeto levado a cabo pelo Observatório Europeu do Sul (ESO), sediado no Chile, que mapeou em frequências do infravermelho próximo a área adjacente ao bojo da galáxia, onde ocorre intensa formação de estrelas. “Comecei a trabalhar com dados do VVV em 2017 e, desde o início, percebi que havia uma concentração de objetos em uma pequena área do céu”, conta a astrofísica argentina Daniela Galdeano, que faz doutorado na Universidade Nacional de San Juan, na Argentina, autora principal do estudo publicado em janeiro na revista científica Astronomy & Astrophysics.
Objetos escolhidos
Galdeano e seus colaboradores escolheram cinco objetos dentro dessa região para fazer estudos mais aprofundados e tentar confirmar se eram realmente galáxias, como suspeitavam. Para começar, queriam realizar medições na área de espectroscopia nesse quinteto de objetos. O método permite aos astrofísicos medir a emissão e a absorção de diferentes comprimentos de onda de radiação eletromagnética pelos corpos celestes. A partir desse tipo de dado, eles inferem suas propriedades, como temperatura, constituição química e massa.
O primeiro nome que veio à cabeça de Galdeano para fazer esse estudo complementar foi o de um colega brasileiro, o astrofísico Rogério Riffel, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do qual havia visto uma apresentação sobre espectroscopia. A parceria foi em frente e a equipe obteve tempo de observação no espectrógrafo de um dos Observatórios Gemini, o do telescópio sul, situado no Chile. Brasil e Argentina são sócios do Gemini, ao lado dos Estados Unidos, Canadá e Coreia do Sul. “Dessa forma, conseguimos confirmar que esses objetos eram realmente galáxias e faziam parte de uma estrutura maior”, conta Riffel, que também assina o artigo.
Zona de sombra
O aglomerado com 58 galáxias se situa em uma área do céu denominada zona de sombra ou exclusão. A definição dessa região se dá a partir do ponto de vista de um observador situado no Sistema Solar, mais precisamente na Terra, que olha para o centro da Via Láctea. A visão do que se encontra atrás do bojo da galáxia é bloqueada pela grande concentração de estrelas, gás e poeira dessa região. Portanto, a partir do campo de visada de um observador terrestre, tudo é obscurecido pela presença da Via Láctea, sobretudo de seu bojo, e cai dentro da zona de exclusão. Ela abrange tanto o que está do “outro lado” da galáxia, ainda dentro dos limites da Via Láctea, como objetos celestes fora dela, mas situados nessa direção do campo de visada. Entre 10% e 20% do céu visto da Terra fica dentro da zona de sombra.
A luz visível não consegue atravessar regiões ricas em gases e poeira estelar. Ela é absorvida e espalhada ao se deparar com esse tipo de matéria em seu caminho. Isso limita seu uso como ferramenta de observação nesse meio. “Por isso, o novo aglomerado de galáxias não pode ser observado na luz visível, com um telescópio óptico”, explica Riffel. Mas certas frequências do infravermelho, como as empregadas pelo levantamento VVV, são menos afetadas pelas altas concentrações de gás e poeira e podem ser úteis para garimpar objetos até então desconhecidos nas regiões de exclusão.
Essa não é a primeira vez que são localizadas galáxias ou novas estruturas na zona de sombra. Talvez a mais famosa e misteriosa delas seja o Grande Atrator, uma gigantesca concentração de massa, da ordem de dezenas de milhares de galáxias, distante cerca de 150 milhões de anos-luz da Terra. Identificado em 1986, o Grande Atrator (invisível no campo óptico) funciona como uma espécie de ímã espacial. Sua descomunal força gravitacional puxa a Via Láctea e outras galáxias em direção às constelações de Hidra e Centauro. “Embora o aglomerado com 58 galáxias não seja tão massivo como o Grande Atrator, sua descoberta na zona de sombra é importante para os estudos do universo local”, comenta o astrofísico Roberto Saito, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que participou do levantamento VVV, mas não é um dos autores do novo trabalho.
ARTIGO CIENTÍFICO
GALDEANO, D. et al. Unveiling a new extragalactic structure hidden by the Milky Way. Astronomy & Astrophysics. v. 669. jan. 2023.
* Este artigo foi republicado do site Revista Pesquisa Fapesp sob uma licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o artigo original aqui.