12/09/2023 - 5:09
Nos anos 1990, era preciso abrir caminho para o Grupo da Série Inicial ou Chichén Viejo, no complexo de Chichén Itzá (Yucatán, no México), com um facão na mão através do mato. Mas três décadas de trabalho de pesquisa, escavação e consolidação arquitetônica estão sendo coroados agora com a abertura desse setor habitacional da famosa cidade maia ao público.
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Trinta anos de trabalho permitiram a análise deste conjunto arquitetônico como um todo, em que se valoriza desde a edificação mais simples até a mais complexa, o que se traduz no registro de elementos únicos no local, como testemunhos de coberturas planas no Casa de la Luna, informam os coordenadores do projeto, os pesquisadores José Francisco Osorio León e Francisco Pérez Ruiz, do Centro INAH Yucatán.
Essa área, localizada a sudoeste do centro de Chichén Itzá, foi explorada por volta de 1895 por Edward Thompson e há um século, em 1923, despertou o interesse de pesquisadores do Instituto Carnegie de Washington (EUA). Graças à iniciativa do arqueólogo Peter J. Schmidt, na década de 1990, houve uma intervenção inédita em suas edificações.
Dessa forma, o conjunto residencial foi preservado e se conhece mais sobre os processos sociais que deram forma à metrópole, entre eles, as relações entre seu centro e os grupos construtores que o cercaram.
Contemporaneidade
Segundo Pérez Ruiz, as primeiras evidências arquitetônicas encontradas em Chichén Itzá foram obtidas no Palacio de los Estucos, composto por exuberantes estuques modelados com cores, o que demonstra a ocupação do assentamento – então de dimensões moderadas – para o período Clássico Tardio (600 d.C – 800 d.C.), sendo contemporânea de cidades como Uxmal, Dzibilchaltún, Cobá e Ek’ Balam, que disputavam o domínio da península. Isso derrubou a cronologia anterior que colocava Chichen Itzá exclusivamente entre o Clássico Tardio e o Pós-Clássico Inferior (800-1200 d.C.).
A Série Inicial é considerada um conjunto de tamanho intermediário, de aproximadamente 14.605 metros quadrados, que reúne áreas residenciais com outras voltadas para funções administrativas e religiosas. Além disso, suas praças devem ter sido palco de rituais das elites que as habitavam, caso da chamada linhagem Cupul, uma das famílias nobres de Chichén Itzá.
Uma cena de 20 metros de comprimento, localizada na fachada oeste da Casa de los Caracoles – onde está representada uma árvore genealógica, pois nela uma divindade/fundadora da linhagem emerge de um caule que por sua vez se multiplica e dá origem a outros personagens – sugere que a linhagem Cupul residia em Chichén Viejo.
Os arqueólogos não descartam que um contexto funerário, descoberto em 2007, esteja ligado ao iniciador daquela família, que instruiu a realização da maior parte dos relevos distribuídos nos edifícios da Série Inicial. Ele é identificado num desses relevos como “9 Coyote”.
Túmulo com enterro coletivo
De acordo com Osorio León, também em 2007, dentro de uma estrutura localizada na Praça Norte, foram descobertas seis lápides que cobriam uma câmara de pouco mais de dois metros de comprimento, a qual continha restos de quatro crânios, duas mandíbulas e ossos muito danificados e queimados. A posição dos esqueletos e o espaço limitado sugerem um enterro coletivo, realizado ao mesmo tempo.
Os restos do corpo, localizados ao nível do solo, foram os mais bem preservados, e sugerem tratar-se de um jovem adulto entre 25 e 35 anos, do sexo masculino, “talvez o mesmo 9 Coyote”. O indivíduo depositado sobre ele corresponderia a um adolescente entre 10 e 15 anos, mas seu sexo não pôde ser determinado; enquanto o terceiro esqueleto é de um adulto de pouco mais de 15 anos, do sexo masculino.
Os indivíduos depositados nessa tumba devem ter feito parte da elite do local, pois foram recuperadas 7.506 contas de massa que imitava turquesa, as quais devem ter feito parte de colares sofisticados. Da análise dos enterros, pode-se deduzir que correspondem ao apogeu de Chichén Itzá (900-1200 d.C.). “Isso revela um exemplo importante de cerimônias funerárias específicas do local”, concluiu Osorio Leon.