13/03/2023 - 12:53
Vencedor de quatro estatuetas do Oscar, longa alemão não é apenas um drama de guerra, mas também mostra as possibilidades da arte para combater o terror. A DW conversou com a equipe do filme em Los Angeles.O filme alemão da Netflix Nada de novo no front foi um dos destaques na cerimônia do Oscar neste domingo (12/03), vencendo quatro estatuetas: melhor filme internacional, fotografia, design de produção e trilha sonora original.
O longa foi pioneiro: um filme alemão nunca havia sido nomeado para nove categorias do Oscar e, além disso, na principal delas, a de melhor filme.
Por isso, a comunidade de artistas alemães estava animada em um evento para festejá-lo na véspera da premiação, na manhã de sábado, na Villa Aurora, nas colinas próximas de Los Angeles.
Do ponto de vista do simbolismo, é difícil imaginar um lugar melhor para celebrar o filme. Ou como disse Claudia Roth, ministra da Cultura responsável pelo fomento ao cinema alemão: “É um círculo que se fecha”.
Villa Aurora: centro para exilados da Alemanha
Martha e Lion Feuchtwanger, judeus que tiveram que fugir da Alemanha nazista, compraram a propriedade de Villa Aurora em 1943 e a transformaram em um centro para exilados da Alemanha.
O poeta e dramaturgo Bertolt Brecht era hóspede frequente, assim como o vencedor do Nobel de Literatura Thomas Mann e o compositor Hanns Eisler, que, segundo dizem, teria tocado Mozart na noite de abertura.
O escritor Erich Maria Remarque (1898-1970) também era um convidado regular na propriedade. E, de alguma forma, seu espírito era palpável naquela manhã chuvosa na véspera do Oscar, quando a terceira adaptação cinematográfica de seu drama antiguerra Im Westen nichts Neues (Nada de novo no front, em português), escrito em 1929, foi celebrada.
Primeira adaptação em alemão
A adaptação cinematográfica dirigida por Edward Berger e estrelada por atores de língua alemã bem conhecidos, como Daniel Brühl e Felix Kammerer, é a primeira versão em alemão da obra literária, a língua na qual Remarque escreveu este clássico da literatura mundial.
Ficou provado, com o prêmio, que aqueles que até agora afirmavam que um filme em língua alemã teria dificuldade em alcançar fama mundial estavam errados.
Com nove indicações ao Oscar, a produção recebeu quatro estatuetas – e já havia conquistado sete prêmios no festival de cinema britânico Bafta, quebrando um recorde.
Isso se deve à qualidade da produção. Mas também se deve à terrível atualidade do tema. Ian Stokwell, o roteirista, resume da seguinte forma: “Se olharmos para as imagens da Ucrânia, parece o nosso filme, que se passa há 100 anos. Ainda estamos lutando uns contra os outros a partir de trincheiras. E nada nos deixaria mais felizes se não fosse por esta terrível realidade. Mas parece que não aprendemos nada com o passado”, destacou, fazendo um paralelo entre a invasão da Ucrânia pela Rússia e a Primeira Guerra Mundial, conflito retratado no filme.
Projeto Europeu
O que também torna a produção tão moderna não é apenas a cooperação com a Netflix, que oferece oportunidades financeiras que, de outra forma, seriam impensáveis na Alemanha, mas também o fato de ser uma produção profundamente europeia. Além de alemães, a produção conta com suíços, britânicos e austríacos – e grande parte do longa foi filmado na República Tcheca. Em outras palavras: no país que foi atacado duas vezes por soldados alemães.
O filme é uma colaboração artística que mostra como pode ser mortal quando mais e mais países derrapam para um ressentimento nacionalista e sacrificam o bem-estar comum na busca por interesses de curto prazo – um processo que ocorre também, entre outras regiões do planeta, no centro da Europa.
Construindo pontes
O diretor Edward Berger descreve uma cena que mostra como o trabalho colaborativo pode construir pontes. Durante as filmagens, Felix Kammerer, que interpreta o protagonista Paul Bäumer, está deitado na lama, arrasado, atordoado, tendo um ataque de choro.
O trabalho duro no set exige que ele repita a cena várias vezes até que o diretor fique satisfeito. Sua atuação e o poder da cena é tão intenso que o cinegrafista britânico chora junto em alguns momentos. Segundo Berger, o cinegrafista “é um britânico cujo avô lutou na Segunda Guerra Mundial e o ensinou quando criança a odiar os alemães”.
No limite do tolerável
No entanto, Nada de novo no front não tem nada de apaziguador. Não há heróis com os quais se identificar. Ao contrário de dramas antiguerra como O resgate do Soldado Ryan, de Spielberg, não há consolo, nem esperança no final. O filme empurra o espectador para a borda do suportável. Ou, como diz a ministra Claudia Roth: “É o grito mais alto contra a guerra”.
E isso num momento em que a guerra volta a ser travada no coração da Europa. E parece que essa guerra na Ucrânia também poderia se transformar em uma amarga guerra de trincheiras, na qual os belicistas estão preparados para aceitar a morte e a miséria em troca de alguns centímetros de terra. Nada de novo no Front é tão implacável quanto real.