14/03/2023 - 10:04
País europeu necessita de mão de obra qualificada do exterior para preencher lacunas em seu mercado de trabalho. No entanto, alguns empecilhos afastam interessados.A Alemanha está ficando menos atraente para conquistar talentos do exterior, afirma um novo estudo do conglomerado de mídia alemão Bertelsmann feito em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A notícia deve ser uma dor de cabeça para o governo de Olaf Scholz, que tem se esforçado em trazer mais trabalhadores qualificados estrangeiros para preencher as lacunas do mercado de trabalho do país.
Divulgados na última quinta-feira (09/03), os “Indicadores de Atratividade de Talentos” mostram que, entre os 38 países que compōem a OCDE, a Alemanha caiu da 12ª posição em 2019 para a 15ª este ano. A análise se baseou em sete “dimensões” valorizadas pelos talentos estrangeiros: qualidade das oportunidades, renda e impostos, perspectivas futuras, ambiente familiar, ambiente de competências, inclusão e qualidade de vida.
O estudo se concentrou em quatro grupos que mais interessam aos governos: especialistas altamente qualificados, empresários, fundadores de startups e estudantes internacionais. Em apenas um desses grupos – os estudantes –, a Alemanha ficou entre os dez países mais procurados. Os quatro primeiros países da lista foram Nova Zelândia, Suécia, Suíça e Austrália, com o Reino Unido e os EUA em 7º e 8º lugar, respectivamente.
Idioma é uma das barreiras na Alemanha
Mara tem autoridade para falar sobre as vantagens e desvantagens de se mudar para a Alemanha: tendo morado no Reino Unido, a romena de 30 anos ficou extasiada ao encontrar um bom emprego na área de publicidade em Berlim. Mas após um ano na Alemanha, ela já planeja sair. “Talvez eu fique mais um ou dois anos, mas não me vejo aqui nos próximos cinco ou dez anos”, contou.
Conseguir um emprego foi a parte fácil. Desde então, ela tem se debatido com a burocracia, com a procura de um apartamento no notoriamente difícil mercado imobiliário de Berlim e com o aprendizado do alemão. A solidão também pesa: inicialmente obrigada a trabalhar em casa por causa da pandemia de covid-19, ela teve dificuldades de construir laços sociais. E como seu trabalho é sobretudo em inglês, ela tampouco conseguiu melhorar seu alemão, apesar de ter feito cursos em Bucareste.
Por outro lado, a burocracia em alemão não facilitou as coisas para Mara. “Claro que não posso pedir às pessoas na Alemanha que não falem alemão. Eu jamais faria isso”, disse ela. “Mas pessoalmente, eu me senti muito estranha quando me pediram documentos diferentes, e eu não entendi nada. Um pouco mais de abertura e flexibilidade ajudaria. E quando pergunto se eles falam inglês, eles se apressam em dizer 'não' em alto e bom som.”
Mesmo assim, Mara optou por se mudar para a Alemanha porque sentiu que o país, e no caso dela especificamente Berlim, tinha muito a oferecer. “Meu primeiro contato com Berlim em 2015 foi uma experiência incrível”, disse ela. “[A cidade] traz uma boa combinação entre Oriente e Ocidente. Era uma sensação boa.”
Como persuadir os trabalhadores a ficar
A pressão para manter no país o máximo de trabalhadores estrangeiros qualificados aumentou na Alemanha. Isso se deve sobretudo a uma iminente mudança demográfica que deve deixar milhões de empregos vagos na próxima década: os últimos representantes da geração “baby boomer”, que compõem a maior parte da força de trabalho atual, deverão se aposentar até 2035.
Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa de Emprego (IAB), que integra a Agência Federal de Emprego da Alemanha (BA), o país precisa de um saldo líquido de 400 mil imigrantes entrando no país todos os anos para preencher as lacunas no mercado de trabalho alemão. Os últimos prognósticos do escritório oficial de estatísticas da Alemanha esperam uma taxa líquida anual de 290 mil imigrantes – o que potencialmente implicaria 3,6 milhões de postos vagos.
Mas convencer as pessoas a virem para a Alemanha é apenas uma parte da solução, avalia Paul Becker, sociólogo do instituto de pesquisa Minor de Berlim. “Para uma estratégia bem-sucedida de mão de obra qualificada, será crucial garantir não apenas mais imigração, mas também que menos trabalhadores qualificados emigrem novamente e, em vez disso, permaneçam na Alemanha com suas famílias”, escreveu o pesquisador num estudo divulgado em fevereiro. A pesquisa de Becker indica que a maioria dos estrangeiros que vem para o país para trabalhar permanece apenas três ou quatro anos.
Razões para deixar a Alemanha
Mudar para um novo país é sempre intimidante, e a experiência de Mara em Berlim vem ao encontro de um pré-estudo lançado em dezembro passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IAW), em Tübingen, sul da Alemanha. A pesquisa abordou questões como integração, trato com as autoridades, pagamento de impostos e seguridade social.
Com base em uma pesquisa com 1.885 estrangeiros que deixaram a Alemanha, bem como em 38 longas entrevistas, o estudo do IAW descobriu um conjunto complexo de fatores que explicam os motivos para se deixar o país, desde autorizações de residência, incapacidade de encontrar um trabalho adequado, incapacidade de trazer a família, o alto custo de vida e questões pessoais.
O motivo mais frequente era bastante simples: questões legais associadas à residência. “Suponho que, na maioria dos casos, tratam-se de autorizações de residência para treinamento ou trabalho que simplesmente expiraram e não foram estendidas”, disse Bernhard Boockmann, autor do estudo.
A discriminação também foi um fator apontado, ainda que relativamente menor. Embora pouco mais de 5% dos entrevistados tenham mencionado a discriminação como um elemento de sua decisão, dois terços dos trabalhadores altamente qualificadas oriundos de países não europeus disseram ter sofrido discriminação por parte das autoridades ou no trabalho.
“Claro que não queremos minimizar o problema da discriminação, que está presente de formas muito diversa, é extremamente problemático e precisa ser resolvido”, disse Boockmann. “Mas é apenas em raras situações que essa é a razão pela qual alguém deixa a Alemanha.”
O que o governo pode fazer?
Claramente, o governo só consegue influenciar algumas dessas questões, e provavelmente nenhuma lei ou nova medida irá persuadir milhares de trabalhadores estrangeiros a ficar no país. Mas, para Mara, Becker e Boockmann, há uma ação concreta que poderia ser tomada.
“A Agência Federal de Emprego (BA) não tem nenhuma medida concreta sobre como deve aconselhar aqueles estão pensando em emigrar novamente”, aponta Boockmann. “Por exemplo, numa situação em que alguém perde o emprego, a BA deveria fazer consultas direcionadas.”
Boockmann avalia ainda que o governo poderia fazer mais para reconquistar os trabalhadores que deixaram a Alemanha, já que muitos dos entrevistados continuam bem dispostos em relação ao país.
Para Becker, as famílias são um fator-chave. A tarefa, portanto, vai muito além da política trabalhista: “Se trabalhadores qualificados vêm para a Alemanha e trazem suas famílias, temos que nos perguntar: 'Ok, como podemos garantir que os membros da família se adaptem bem por aqui?'”, disse.
“Eles encontram uma casa facilmente? Eles conseguem uma vaga na escola ou no jardim de infância? Eles têm oportunidade de aprender o idioma? E com que rapidez eles são consultados sobre questões relacionadas ao mercado de trabalho alemão ou recebem a assistência de que precisam na busca de um emprego?”
Trata-se, segundo Becker, de uma questão que envolve “muitos pequenos parafusos” que ainda precisam ser girados para criar uma boa estrutura social.
Mara, por sua vez, disse que uma coisa a teria ajudado: uma forma de fazer amigos. “Programas específicos da indústria voltados para expatriados deveriam receber mais apoio”, opina. “Para mim, teria sido muito útil ter um lugar onde eu pudesse conhecer outros profissionais do exterior e trocar ideias. É importante criar uma conexão, um relacionamento interpessoal.”