O caminho até a universidade não foi nada fácil para Nara Meirielly Santos Araújo, de 18 anos. Filha de mãe solo é exemplo de que o sucesso depende de esforço e oportunidades.Eu, Nara: filha de mãe solo, vivendo na insegurança financeira e emocional, fui aprovada em primeiro lugar da minha modalidade no curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos mais concorridos do país.

Sem lettering e apenas resumos de caneta azul e roxa, engana-se quem pensa que o pódio é para quem nasceu dotado. Desde cedo fui julgada como desorganizada, quando criança, quase sempre meus desenhos eram comparados com de outro aluno na frente da turma com o intuito de que todos conhecessem meu “descapricho”, e raramente entregava a tarefa de casa.

Desde cedo eu e minha irmã tivemos que conviver com conflitos familiares e problemas financeiros na cidade de Jaíba, norte de Minas Gerais, nossa cidade natal. Filhas de mãe solo que trabalhava o dia todo, morávamos de favor e não tínhamos tanta presença materna, e nenhuma paterna. Dessa forma, minha irmã fez, por muito tempo, o papel de mãe para mim. Isso se intensificou um dia após meu aniversário de 7 anos, quando minha mãe, após meses desempregada, se mudou para Belo Horizonte para melhorar de vida e nos deixou morando com nossa avó em uma casa cheia de brigas.

Um sonho distante

Apesar das pedras no caminho, comecei a me interessar mais por aprender e, com esforço, consegui boas notas na escola estadual em que estudei durante minha infância.

Em 2015, aos 10 anos, fui para Belo Horizonte e lá moramos por dois anos. Durante esse tempo, convivi com diferentes pessoas, jovens e adultos, e percebi como a vida era corrida e sofrida para minha mãe que, sempre que possível, me lembrava da importância dos estudos para quem é pobre e de como ele era a ponte que eu trilharia para uma vida melhor, confortável, com lazer e segurança financeira que sempre sonhei, diferente da que ela sempre viveu e que estávamos vivendo.

Perdi as contas das noites em que ela chegava do trabalho cansada e, com um cigarro na mão, sentada em dois tijolos no quintal que serviam de banco, me aconselhava sobre a vida. Nessa época, tive meu primeiro contato com a Universidade Federal de Minas Gerais, mesmo sem saber ao certo o que era, admirava os estudantes que eu via passando no centro com o uniforme característico, o nome do curso na frente da camisa e o logo da UFMG atrás. Através de notícias televisivas e da maneira como minha mãe gabava sempre quando passava uma reportagem envolvendo a Universidade, soube da sua reputação e, automaticamente, ela se tornou um sonho muito distante, mas não deixava de ser um sonho. E, ao observar de dentro dos ônibus moradias confortáveis e pessoas comprando e se alimentando nas ruas de BH sem preocupação financeira, minha voz interior me lembrava da importância dos estudos para um dia também desfrutar dessas coisas – simples, mas que para mim significavam muito.

Nova mudança

Dois anos depois, em 2017, por conta novamente do desemprego, tivemos que retornar para Jaíba deixando minha irmã mais velha em BH. Fomos, finalmente, direto para nossa casa própria, que nunca esteve totalmente pronta rsrs, mas já era suficiente para habitar e se tornar um lar. Nova escola – a terceira com essa, todas públicas e estaduais –, novas amizades e conhecimentos, porém, o sonho e a vontade de transformar minha vida nunca foram novidade e vieram junto comigo da capital mineira.

Não tardou em conhecer Eliek, meu melhor amigo e personagem fundamental para minha trajetória. Fiz da escola minha segunda casa, bem como de Eliek parte da minha família. Sempre busquei as melhores notas e o melhor aproveitamento de acordo às minhas condições. A preocupação e o medo do futuro sempre nos acompanharam e nos afetavam, mas, apesar disso, minha mãe não deixava de me incentivar e segurava as pontas em casa para que eu pudesse estudar sem precisar trabalhar.

A pandemia e o fechamento das escolas em 2020 coincidiram com meu ingresso no ensino médio, sem saber o que fazer pensei: “E agora, sem escolas, como vou estudar?” Logo percebi que não seria algo rápido e decidi aprender por conta própria. O primeiro ano foi o mais difícil, eu não tinha costume em montar cronograma, acompanhar aulas onlines, resolver as apostilas que o governo disponibilizava para os discentes, procurar aulas no youtube e ainda me concentrar no Enem. Eu sabia que se não começasse desde já a correr atrás, eu ficaria para trás e a universidade continuaria a ser um sonho distante. Isso tudo apenas com o apoio financeiro do salário de serviçal da minha mãe e encorajamento dela e Eliek. Apesar dos sufocos, avancei e consegui ir me acostumando com a rotina de vestibulanda.

Volta às aulas presenciais

Contudo, em 2021, quase iniciando o segundo ano, eu conheci o Salvaguarda. Duvidei da gratuidade dos serviços ofertados, mas, mesmo assim, fiz minha inscrição e logo vi que era tudo verdade e tive todo o apoio dos voluntários – independente do recurso que eu precisasse, era bem atendida. Por isso, meu segundo ano do Ensino Médio foi bem mais tranquilo e proveitoso, principalmente porque, naquele momento, havia também o apoio do Salva, o único recurso que utilizei durante aquele ano para estudar.

Passei 2020 e 2021 resolvendo apostilas para outros alunos em troca de dinheiro, renda que, todos os meses, eu economizava a maior parte e guardava para conseguir pagar um cursinho online em 2022, pois sabia que minha mãe não poderia arcar com os custos. Então, em janeiro de 2022, no meu último ano escolar, finalmente assinei uma plataforma de estudos com direito a 12 meses de acesso, continuei no Salva utilizando os recursos de tutoria e correção de redação, que foram, como sempre, imprescindíveis para mim.

Minha nota do Enem no primeiro ano não foi tão boa e, apesar da melhora considerável em 2021, não era suficiente para Direito em nenhuma universidade pública, que eram as únicas viáveis, por conta da gratuidade e principalmente dos auxílios estudantis, importantes para minha permanência. Dessa maneira, adaptei minha rotina mais ainda, conciliando estudos com o retorno das aulas presenciais, as quais posso dizer com toda certeza, não agregaram quase em nada na minha jornada como vestibulanda – inclusive precisei construir as bases aos poucos, como matemática básica, imprescindível no Enem, a qual só aprendi assistindo playlist no youtube e baixando pdf ‘s de questões no Google para fixar o conteúdo. Também participava de eventos online grátis, que as plataformas frequentemente disponibilizavam, para ter contato com renomados professores de vestibular.

Sucesso depois de muito esforço

Digo frequentemente para quem me pergunta a fórmula para passar: “peguei um copo d'água, sentei numa mesa no meu quarto e estudei”, mas não foi fácil, perdi as contas de quantas vezes precisei chorar para depois iniciar uma redação, deitar para descansar após longas aulas, sair para estudar em outro ambiente porque no meu quarto estava quente demais, afinal, o sol bate diretamente na parede todas as tardes, colocar tampões de ouvido para abafar ruídos externos, ignorar as preocupações com contas e despesas, ou estudar na cama quando chegava visita, pois lá em casa só tinham duas cadeiras. Minha cadela, Lilica, que faleceu em janeiro, tornou cada processo menos doloroso, e enxugou cada lágrima do meu coração com seu amor, sou eternamente grata por ela.

Importante salientar a importância de manter a mente saudável, pratiquei atividade física e me dava uma folga aos finais de semana, seja para sair com os amigos, companhias que nunca foram muitas, mas que sempre me levantaram o astral e respeitavam minha ausência, porque, afinal, eu passava a maior parte do tempo estudando ou aproveitando minha folga sozinha; é o famoso “diga-me com quem andas que direi quem tu és”. Me tornei minha prioridade e não me arrependo, isso é fundamental para alcançar o sucesso.

No dia da realização dos exames eu estava muito apreensiva, mas, em ambos os domingos, minha mãe me abraçou e, com amor, me desejou sorte, isso me acalmou e foquei em entregar meu melhor, foi o que fiz. A carga emocional pós-exame é maçante e pouco abordada, sofri crise de ansiedade nos dias posteriores aos exames e não tive coragem de corrigir minha prova até sair os resultados, que, finalmente, após muito esforço, foram suficientes para que eu conseguisse a aprovação. Morando no interior de Minas Gerais, dentro do meu amado quartinho calorento, uma mesa, uma cadeira de bar e um copo d´água, filha de mãe solo, aquela mesma menina que tinha a UFMG como um sonho muito distante, a mesma criança “desorganizada”, anos depois é aprovada com honras.

Sou a prova viva de que o sucesso não é para quem nasce dotado, mas para quem se esforça e tem a oportunidade de receber ajuda no caminho.

____________________________

Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Nara Meirielly Santos Araújo, de Jaíba, MG, e reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.