22/03/2023 - 11:16
Criação do campo de concentração nazista perto de Munique estabeleceu o sistema de opressão e morte do Holocausto. O memorial de Dachau serve de advertência, sobretudo em tempos de extremismo.Era o prelúdio do extermínio sistemático de pessoas durante o regime de Adolf Hitler. Há 90 anos, os nazistas montaram o primeiro campo de concentração em Dachau, a noroeste de Munique, a menos de 20 quilômetros do centro da capital da Baviera.
Em 22 de março de 1933, menos de dois meses após de Hitler assumir o poder, os primeiros presos chegaram ao campo. “Dachau − o significado deste nome não pode ser apagado da história alemã”, diria mais tarde o sobrevivente do Holocausto Eugen Kogon (1903-1987), um respeitado cientista político e jornalista. “Ele representa todos os campos de concentração que os nacional-socialistas montaram em sua esfera de influência.”
De fato: Dachau foi uma espécie de modelo. Como disse certa vez o historiador Wolfgang Benz, lá “foram criados os regulamentos para todos os campos de concentração posteriores”. E como nos futuros campos, já no portão os prisioneiros eram confrontados com a cínica inscrição “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”).
“Era a expressão concreta para zombar dos detentos, da opressão, da desumanização”. E como foi o caso mais tarde com outros grandes campos: Dachau tinha 140 subcampos. Em muitos lugares da área, fosse construindo estradas ou removendo escombros, não havia como não ver os prisioneiros, em algum momento.
Advertência para que a história não se repita
Em junho de 2022, falando a rabinos de vários países europeus, Charlotte Knobloch descreveu Dachau como um “lugar de origem do terror nazista”. E hoje em dia um lugar que, como nenhum outro da Alemanha, é uma advertência para que isso nunca se repita.
“Nunca mais exclusão, nunca mais privação de direitos, nunca mais assassinatos, nunca mais desumanização. E para o povo judeu também: nunca mais ser vítima.” A dor do lugar é talvez mais evidente do que nunca quando um rabino entoa ali o canto fúnebre.
No primeiro campo de concentração, os nazistas colocaram cidadãos que lhes eram incômodos, indesejados: opositores do regime nazista, comunistas, cristãos engajados, judeus, sintos e roms (ciganos), testemunhas de Jeová, homossexuais. Nos 12 anos até a libertação do campo pelo Exército americano, em 29 de abril de 1945, mais de 200 mil pessoas de toda a Europa estiveram presas aqui, ou, para ser mais claro: confinadas num espaço mínimo.
Ao fim da guerra, pelo menos de 32 mil haviam morrido lá, pesquisas mais recentes chegam a 41 mil mortes. Cerca de um quarto de todos os prisioneiros eram de fé judaica, no mínimo 11.250 deles não sobreviveram.
Contar às crianças como era Dachau
Uma característica especial em Dachau era o “bloco dos padres”. Em 1940, os nazistas lá reuniram cerca de 3 mil clérigos de várias confissões e de 20 países, vindos de outros campos do Reich alemão, a maioria padres católicos, muitos da Polônia. Quando o tifo irrompeu no campo, no início de 1945, os padres se ofereceram para cuidar dos doentes − e perderam suas vidas no processo.
Semanas depois de ser libertado pelos soldados americanos, o campo permaneceu fechado e sob estrita quarentena, devido à epidemia. Mais de 10 mil detentos, enfraquecidos pela privação e maus tratos dos anos de acampamento, sucumbiram à doença, incluindo várias centenas de padres católicos.
Entre os religiosos presos estavam o teólogo luterano e eminente antinazista Martin Niemöller (1892-1984) e o carmelita holandês Titus Brandsma (1881-1942), morto em consequência de experimentos médicos na enfermaria do campo e venerado pela Igreja Católica como santo desde 2022. Vários padres sobreviventes mais tarde se tornaram bispos.
O presumivelmente último deles foi o padre Hermann Scheipers (1913-2016), ordenado em 1937, enviado ao campo como “inimigo do Estado” em 1941. Ainda aos 90 anos de idade, Scheipers ia às escolas e eventos informativos para relatar sobre o campo de concentração. “Eu tinha que contar às gerações posteriores como era em Dachau”, explicava.
Perigos do extremismo de esquerda e de direita
O extenso memorial, construído em 1965, recebe cerca de 1 milhão de visitantes de todo o mundo, a cada ano. Apenas alguns prédios do período nazista continuam de pé. Durante uma visita de rabinos europeus a Dachau, em 2022, o secretário do Interior da Baviera, Joachim Herrmann, anunciou que o memorial seria ampliado.
Instalações até então usadas para outros fins, que teriam pertencido ao campo de concentração de Dachau seriam desocupadas, “porque a demanda e o número de visitantes aumentaram significativamente”. A expansão deve ser concluída até 2025, o mais tardar.
Para Charlotte Knobloch, de 90 anos, continua sendo o lugar onde começou a “barbárie em nome da Alemanha”. Ela insiste que a memória deve ser vivida, não apenas para devolver a dignidade às vítimas: Dachau também é um lembrete constante de que “o extremismo da esquerda e da direita põe em perigo a religião, a coexistência e a liberdade. Ele ameaça tudo o que construímos. Devemos parar a tempo aqueles que mais uma vez estão dando espaço à barbárie na Alemanha de hoje e que a estão promovendo pela força.”
Que esse memorial não está imune a novas violências, foi demonstrado em 2014: numa noite de novembro, desconhecidos roubaram o portão de ferro forjado do memorial com a inscrição “O trabalho liberta”. Dois anos depois, ele apareceu na Noruega e foi trazido de volta em 2017. As circunstâncias do roubo nunca foram esclarecidas.