13/06/2023 - 9:50
Em estudo com 60 participantes, obesos se mostraram incapazes de registrar saciedade – e permaneceram assim, mesmo após perder peso. Sinal de que não se trata a doença com “menos comida, mais exercício” e estigmatização.A obesidade pode prejudicar a capacidade do cérebro humano de reconhecer a sensação de saciedade e de satisfazer-se, após a ingestão de gorduras e açúcares, indica um artigo publicado nesta segunda-feira (12/06) pela revista científica Nature Metabolism. Há sinais de que essas alterações são irreversíveis, mesmo após a perda de 10% do peso.
Num estudo controlado, 30 indivíduos clinicamente obesos e 30 de peso normal receberam glucose, lipídeos e água (como elemento de controle), diretamente no estômago, através de um tubo. Considera-se clinicamente obeso quem apresenta um índice de massa corporal (IMC) superior a 30 – sendo a taxa normal entre 18 e 25.
“Queríamos ultrapassar a boca e nos concentrar na conexão estômago-cérebro, para ver como os nutrientes afetam o cérebro, independente de se ver, cheirar ou saborear a comida”, explicou à rede de notícias CNN a autora principal do estudo, Mireille Serlie, professora de endocrinologia da Yale School of Medicine de New Haven, Connecticut.
Reações cerebrais variam com o IMC
Na noite anterior ao teste, todos os 60 participantes jantaram a mesma refeição, em casa, não comendo mais nada até a sonda de alimentação estar colocada, na manhã seguinte.
À medida que açúcares ou gorduras penetravam no estômago, os pesquisadores empregaram técnicas de imagem por ressônancia magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) e tomografia computadorizada por emissão de fóton único (Spect) para registrar a reação cerebral ao longo de 30 minutos.
O objetivo era verificar como lipídeos e glucose acionariam individualmente diferentes áreas cerebrais relacionadas aos aspectos gratificantes da alimentação, em busca de eventuais diferenças entre os dois grupos de participantes.
“Estávamos especialmente interessados no corpo estriado, a parte do cérebro envolvida na motivação de ir procurar alimento ativamente e comê-lo”, relata Serlie. Situado nas profundezas do cérebro, o corpo estriado também tem um papel nas emoções e na formação de hábitos.
“O MRI mostra onde os neurônios estão consumindo oxigênio em reação ao nutriente: essa parte do cérebro se ilumina”, analisou para a CNN I. Sadaf Farooqi, professor de metabolismo e medicina da Universidade de Cambridge, que não integrou a pesquisa.
“O outro rastreamento mede a dopamina, um hormônio que compõe o sistema de recompensa, o sinal para se achar algo prazeroso, gratificante e motivador, e aí querer essa coisa.”
Cerébro não é tão flexível quanto se gostaria
Nos sujeitos de peso normal, os sinais elétricos do corpo estriado se desaceleraram quando açúcares ou gorduras foram introduzidos no sistema digestivo, indicando que o cérebro reconhecia que o organismo fora alimentado.
Isso faz sentido, pois “uma vez que o alimento chega ao estômago, não há por que ir buscar mais comida”, explica Serlie. Ao mesmo tempo, os níveis de dopamina subiram, sinalizando que os centros de recompensa também haviam sido ativados.
Este não foi o caso com o grupo dos clinicamente obesos, porém: sua atividade cerebral geral não ficou mais lenta, e os níveis de dopamina não baixaram.
Pediu-se em seguida aos participantes obesos que, no prazo de três meses, perdessem 10% de seu peso – uma porcentagem que comprovadamente melhora os níveis de glicose no sangue, reconfigura o metabolismo e beneficia a saúde em geral.
Quando os testes foram repetidos, a surpresa foi que a resposta cerebral desses indivíduos não havia se readaptado. “Nada mudou: seu cérebro continuou não registrando saciedade nem se sentindo satisfeito”, relata Serlie.
“Bem, pode-se argumentar que três meses não é tempo suficiente, ou que eles não perderam bastante peso. Mas esse resultado talvez também explique por que há quem consegue perder peso e depois o recupera todo, alguns anos mais tarde: o impacto sobre o cérebro talvez não seja tão reversível como gostaríamos que fosse.”
Uma meta-análise de estudos clínicos de perda de peso de longo prazo, realizada em 2018, constatou que 50% do peso fora recuperado após dois anos; até o quinto ano a taxa média era de 80%.
Por que obesidade é uma doença
Sadaf Farooqi classifica o experimento americano como “muito rigoroso e bastante abrangente”. Sua relevância é confirmada por outra entrevistada da CNN, Caroline M. Apovian, professora de medicina da Harvard Medical School.
“O estudo explica por que obesidade é uma doença: ocorrem alterações reais no cérebro. Não houve sinais de reversibilidade: nos cérebros dos indivíduos com obesidade continuaram faltando as reações químicas que dizem ao corpo: ‘Ok, você comeu bastante.'”
Em seu artigo de 2013 As consequências clínicas e econômicas da obesidade, Apovian, também codiretora do Centro para Gestão de Peso e Bem-Estar do Brigham and Women’s Hospital de Boston, alerta: “A obesidade e suas muitas sérias comorbidades exercem um ônus pesado, tanto em termos humanos quanto econômicos.”
“Mais de um terço dos adultos dos Estados Unidos são obesos e, portanto, sujeitos a taxas elevadas de diabetes, hipertensão, dislipidemia e outros fatores de risco para doenças cardiovasculares. O efeito negativo para a qualidade de vida desses indivíduos é enorme.”
Por outro lado, a própria coordenadora Mireille Serlie alerta para a necessidade de cautela ao interpretar as constatações do estudo: “Não sabemos quando essas alterações profundas ocorrem, no decorrer do ganho de peso. Quando o cérebro começa a resvalar e perder a capacidade sensória?”
“Comer menos, mais exercício” e estigma não é a resposta
A obesidade tem um componente genético e, embora os pesquisadores tenham tentado considerá-lo, excluindo participantes com obesidade desde a infância, também é possível que “os genes estejam influenciando a reação do cérebro a certos nutrientes”, ressalva Farooqi.
A seu ver, é preciso muito mais pesquisa para compreender inteiramente o que a obesidade causa no cérebro, se é desencadeada pelo próprio tecido adiposo, os tipos de comida ingeridos, ou outros fatores ambientais e genéticos.
“Ocorreram mudanças à medida que as pessoas ganharam peso? Ou houve coisas que comeram quando estavam ganhando peso, como alimentos ultraprocessados, que causaram uma alteração no cérebro? Todas essas alternativas são possíveis, e nós realmente não sabemos qual é a correta”, questiona o professor de Cambridge.
Enquanto a ciência se ocupa dessas questões, o estudo enfatiza que estigmatização não tem lugar na luta contra a obesidade: “A crença de que se possa resolver o excesso de peso simplesmente ‘comendo menos, fazendo mais exercício’, e que não fazer isso é falta de força de vontade, é tão simplista e tão equivocado”, comenta Serlie.
“Acho que é importante, para quem está se batendo com a obesidade, saber que um mau funcionamento do cérebro pode ser a razão por que eles lutam com a ingestão de alimentos. E tomara que essa informação aumente a empatia por sua luta.”
av/ek (ots)