09/11/2017 - 11:21
Organização Mundial do Turismo (OMT), órgão das Nações Unidas, declarou 2017 como o ano do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento. “Precisamos trabalhar juntos a fim de aproveitar a contribuição do turismo para o crescimento econômico, a inclusão social, a preservação cultural e ambiental e a compreensão mútua, particularmente quando vivemos em tempos com déficit de respeito e tolerância”, disse o secretário-geral do órgão, Taleb Rifai. Coincidentemente ou não, na recente temporada de verão no Hemisfério Norte pipocaram movimentos fortemente críticos à atividade justamente pela falta de sustentabilidade.
“Turismofobia” foi o nome dado pela imprensa europeia ao fenômeno perceptível nas principais cidades com forte tradição turística do velho continente, principalmente Barcelona. Mas Ernest Cañada, coordenador do Alba Sud, um centro de pesquisa para o turismo sustentável, contesta a alcunha. Para Cañada, que também é professor da Escola Universitária de Hotelaria e Turismo da Universidade de Barcelona, esse rótulo atrapalha a discussão de uma questão séria, que é a sustentabilidade da atividade turística, e dá a impressão de que há um sentimento de ódio para com os visitantes, o que, apesar de alguns cartazes e pichações mais agressivos, seria um exagero.
O professor explica que o fenômeno que eclode agora começou com a percepção dos moradores da cidade de que eram necessárias contrapartidas mais fortes. A população começou a identificar uma série de problemas com a atividade na cidade e a crítica passou a ser mais sobre os impactos positivos para eles. “Em uma recente pesquisa de opinião, o turismo foi a preocupação número um dos barceloneses na cidade. Não é que haja uma reação forte aos turistas ou ao turismo, mas sim uma reação aos reais benefícios”, comenta Ernest.
Disseminação
O fenômeno não é exatamente novo em Barcelona. Ele se destaca agora não só pela intensidade dos protestos, mas por ter se espalhado em outras grandes atrações turísticas, como Veneza (Itália), Ilhas Baleares (Espanha) e Amsterdã (Holanda). A capital da Catalunha já havia se posicionado sobre os prejuízos da atividade turística aos seus habitantes quando uma das principais novidades da era em rede, o AirBnb, plataforma de hospedagem por temporada, se estabeleceu entre os viajantes.
Ele passou a ser um negócio lucrativo para todos os donos de imóveis, inclusive fundos de investimento, o que afetou diretamente o mercado imobiliário local, pois provocou o aumento do valor dos aluguéis e a redução de oferta para moradores. O problema também foi intensificado com o crescimento da atividade turística pelo mundo. Além do aumento de oferta de hospedagem com novas plataformas, voos de baixo custo, incremento dos grandes cruzeiros e a ascensão da classe média global, especialmente a chinesa, democratizaram a atividade, o que é muito positivo, mas saturaram os destinos, o que não é bom nem para quem vai, nem para quem fica. Segundo a OMT, a atividade turística apresenta crescimento contínuo desde 2009. Em 2016, foram 1,235 bilhão de viagens pelo mundo, quase 4% a mais que no ano anterior.
Como resultado, a população das cidades-destino se depara com ruas e transportes públicos lotados, inflação no comércio e nos serviços, desaparecimento de negócios regionais, que dão lugar à venda de suvenires, e mão de obra desvalorizada, pois há um aumento da oferta, uma vez que muitas pessoas acabam querendo trabalhar na área. “Essa é uma reação de uma dinâmica de um aproveitamento privado da cidade, um esgotamento da exploração em benefício de alguns e deixando pouco para a população local. Colocar os sinais de alerta só pode ser benéfico, já que a atividade está gerando conflitos sociais importantes”, afirma Ernest.
Planejando viagens
Se para quem viaja planejar é importante, para quem recebe é fundamental, principalmente quando se busca a sustentabilidade da atividade. Um exemplo disso foi o turismo de natureza, ou o ecoturismo, que, apesar de ainda não estar formatado idealmente, se estruturou de maneira mais controlada, liderado por ONGs e entidades de conservação de fauna e flora. “A preocupação que se teve com as áreas naturais não chegou ao espaço urbano, maior vítima do turismo de grande volume”, diz Antonio Carlos Bonfato, professor de Tecnologia em Hotelaria, do Centro Universitário Senac – Águas de São Pedro (SP).
Bonfato chama a atenção para outra consequência do turismo em massa desenfreado: a homogeneização dos destinos, que ele chama de comoditização. “A identidade dos lugares tem sido perdida. Não há mais diferenciação entre uma balada em Ibiza ou em Cancún. O próprio agente turístico local abre mão de sua cultura, seus costumes e tradições em prol do turismo”, avalia.
De acordo com Reinaldo Dias, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Ciências Sociais, o turismo promove atualmente o maior movimento de massa da história da humanidade, o que logicamente causa uma série de problemas de infraestrutura. Por isso, Dias endossa a ideia de que o planejamento urbano e as políticas públicas são essenciais para dar sustentabilidade ao turismo de massa, já que, segundo ele, a tendência é que a atividade continue crescendo. “As autoridades não têm de combater o turismo de massa, mas dar sustentabilidade a ele. Planos diretores devem prever a ocupação ordenada do espaço, até porque o turismo, que antes era uma atividade de elite, passou a ser uma necessidade e quase um direito do cidadão”, destaca.
Para Ernest Cañada, é difícil encontrar práticas perfeitas em escala global, mas pode ser um caminho buscar iniciativas locais que, em primeiro lugar, promovam um equilíbrio econômico local e, em segundo, gerem mão de obra qualificada e, principalmente, uma distribuição de renda mais igualitária. “Colocar os sinais de alerta como estão fazendo agora só pode ser benéfico”, avalia.
Invasores bárbaros
A OMT estima que 10% do PIB no mundo está vinculado à atividade turística. Mas se o incremento na economia local é um impacto positivo, o comportamento do turista pode fazer esse fluxo de dinheiro não valer a pena. “Quando viajamos, a tendência é assumirmos um comportamento diferente e nesse momento vem à tona uma falta de civilidade em muitos visitantes”, afirma Reinaldo Dias. Por isso o sociólogo acredita que o planejamento e a promoção do turismo deve englobar a educação cultural do viajante.
Barulho excessivo e sujeira acabam sendo o legado de turistas para muitas dessas cidades. “Não é cercear a liberdade do turista. Mas certas limitações são muito importantes. Falta consciência do turista também”, diz o professor Antonio Carlos Bonfato, que reforça a falta de respeito que muitos turistas têm com o local que os abriga. “Também temos a missão de mostrar que o turismo deve ser respeitoso e que tem de se entender o lugar, saber sobre ele, o modo de vida e a cultura local. Isso é o âmago do turismo, você conhecer diferentes realidades.”