04/01/2018 - 8:50
Além de ser uma atividade econômica com muitos benefícios ambientais, a reciclagem de materiais e resíduos – entre eles plásticos, papel, metal e madeira – pode contribuir para elevar os ganhos de famílias de baixa renda. Há no Brasil exemplos de empresários com iniciativas que unem essas duas vantagens.
Fundada em 2015 pela publicitária e cientista social Cláudia Pires e pelo economista Clóvis Santana, a SO+MA (www.somosasoma.com.br) é uma empresa que atua na periferia de São Paulo cujo principal objetivo é gerar renda, estimular novos hábitos e criar oportunidades de negócios, produtos e serviços para comunidades vulneráveis. Nesse caso, a entrega de resíduos pelos moradores é utilizada como moeda de troca em bens e serviços.
A SO+MA instituiu um programa de fidelidade que contabiliza pontos e recompensas. O indivíduo pode acumular pontos ao entregar resíduos para ser reciclados. Esses pontos, por sua vez, podem ser trocados por bens de consumo e cursos de capacitação. As recompensas incluem alimentos básicos, produtos de higiene e serviços como consulta oftalmológica, além de descontos no comércio local (restaurante, mecânica e farmácia). Há também cursos de capacitação (cabeleireiro, manicure, informática e idiomas). A SO+MA procura ampliar constantemente o número de recompensas.
Há dois anos, os empreendedores lançaram um projeto piloto no Capão Redondo, na periferia de São Paulo, que até agosto de 2017 contava com 266 famílias cadastradas e já recebeu 50 toneladas de resíduos. As famílias chegam a economizar, em média, R$ 250,00 com as trocas. O negócio também inaugurou, recentemente, uma estrutura no Grajaú, na zona sul paulistana. Lá, já são 370 famílias cadastradas e 11 toneladas de resíduos coletados para a reciclagem. O local de recebimento dos resíduos é a Casa SO+MA, operada por uma cooperativa de catadores.
“Nosso grande sonho é ser o maior programa de fidelidade para a baixa renda do Brasil e impactar muitos outros municípios. Queremos que as pessoas tenham uma nova relação e mudem o comportamento com os resíduos. Vamos instalar em breve uma estrutura em Curitiba e também estamos em negociação com outras localidades”, informa Cláudia Pires.
Assim como as empresas de tecnologia de inclusão Livox, Hand Talk, Playmove e Cycor (abordadas na matéria “Criatividade para a inclusão”, publicada em PLANETA 534, de setembro de 2017), a SO+MA foi apoiada pela Artemisia (www.artemisia.org.br), organização sem fins lucrativos que é pioneira na disseminação e no fomento de negócios de impacto social no Brasil.
Destinação correta
Um grande problema para o meio ambiente são os resíduos têxteis. Após o uso, esse material é destinado à incineração ou aos aterros sanitários, o que gera um grande ônus ambiental e fere as normas da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Em 2014, os amigos de infância Jonas Lessa e Lucas Corvacho tiveram a ideia de montar o negócio social Retalhar (www.retalhar.com.br), que oferece o serviço de descarte correto desses resíduos. A empresa recolhe uniformes velhos e os encaminha ao desfibramento, processo que permite a reutilização dos fios em novos produtos. Um deles são os cobertores entregues aos moradores de rua. A iniciativa de fazer as mantas é resultado de uma parceria com a ONG Entrega por SP.
Além da diminuição da pegada de carbono dos clientes (grandes empresas, em sua maior parte), o negócio social contribui para dar oportunidade de trabalho a cooperativas de costureiras da periferia de São Paulo. O Brasil produziu 256 milhões de peças de uniformes em 2012, segundo estudo do Sindtêxtil. Numa projeção da Retalhar, isso totaliza 76 mil toneladas de tecidos por ano, aproximadamente. O cliente (usuário de uniforme e gerador desse tipo de resíduo) paga à Retalhar uma taxa por quilo de material e, em contrapartida, a empresa garante a segurança ao descaracterizar os uniformes e se adequar à lei ao dar a posterior destinação ambientalmente adequada.
A Retalhar já processou 27 toneladas desse material descartado em dois anos, o que representa uma economia de 395 toneladas de carbono equivalente ao emitido na incineração ou em novos ciclos de produção de tecidos; são mais de 200 metros cúbicos de volume do aterro poupado e renda gerada para os parceiros (indústrias de desfibramento e oito cooperativas de costureiras). Em três anos, cerca de R$ 100 mil foram gerados como renda para as costureiras das cooperativas que prestam serviços à Retalhar. Com as cooperativas, a empresa desenvolveu ainda outras linhas de produtos a partir dos uniformes descartados, como lixeiras de automóvel, sacolas, capas para notebook, pufes e almofadas.
Menos lixo
A compostagem doméstica é uma alternativa para diminuir o volume de resíduos orgânicos que chegam aos lixões. A cidade de São Paulo produz 20 mil toneladas diárias de resíduos, das quais 12,5 mil toneladas provêm de coleta familiar. Desde 2009 a Morada da Floresta (www.moradadafloresta.eco.br) desenvolve soluções para ampliar a prática de compostagem de resíduos orgânicos ao trabalhar com composteiras domésticas. O projeto piloto com a prefeitura de São Paulo resultou no tratamento de 3,5 mil toneladas de dejetos orgânicos, envolvendo residências, condomínios, empresas e escolas. Cláudio Spínola, um dos fundadores da Morada da Floresta, desenvolveu um sistema de compostagem com minhocas em caixas de plástico, em tamanhos que variam de acordo com o porte da família. Em paralelo, o empreendedor também inovou no desenvolvimento de um produto com patente verde para fraldas ecológicas.
A análise do impacto da empresa aponta a estimativa de 3.153 toneladas de resíduos compostados desde 2013 com o uso de produtos da Morada da Floresta. A atuação da empresa em vários programas, como Composta São Paulo (em parceria com a Secretaria de Serviços da Prefeitura e a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana, a Amlurb) e Escolas Mais Orgânicas, beneficiou famílias e alunos de diversos perfis socioeconômicos, inclusive de baixa renda. Segundo Claudio Spinola, pequenos agricultores também podem gerar renda extra com a produção de compostagem orgânica em maior escala, para a venda, além de minhocas.
Garrafas viram vassouras
A prefeitura de João Pessoa (PB) utiliza vassouras feitas com garrafas pet na limpeza da cidade. A produção de 250 vassouras por mês, feitas com cerca de 3 mil garrafas pet, acontece na Oficina de Vassoura Ecológica da Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana (Emlur), no bairro do Roger. Esse tipo de vassoura, cujas cerdas são produzidas a partir de fios provenientes do plástico das garrafas pet, dura em média quatro meses, enquanto as de piaçava duram um mês.
Os equipamentos da oficina têm capacidade de produzir em torno de 20 peças por dia e em cada vassoura são empregadas 12 garrafas pet. Na produção, somente a parte do meio da garrafa pet é utilizada. As extremidades, por sua vez, são repassadas para a Oficina de Arte da Emlur ou para os catadores das associações de material reciclado. A implantação da Oficina de Vassoura Ecológica tem um apelo ambiental e de responsabilidade social, visto que o projeto de reciclagem de garrafas pet dá um novo uso a um produto que iria para o Aterro Sanitário Metropolitano ou pararia em pontos de lixo ou nos córregos e rios da cidade. Além disso, os catadores também são beneficiados.