28/12/2023 - 8:41
Ex-presidente da Comissão Europeia e um dos maiores incentivadores da unificação do continente morreu na quarta-feira, em Paris. Ele moldou a UE na forma que a conhecemos hoje, com suas forças e vulnerabilidades.Jacques Delors, o francês que presidiu a Comissão Europeia de 1985 a 1994 e se tornou figura central na criação da moeda oficial da zona do euro, morreu em Paris nesta quarta-feira (27/12), aos 98 anos. “Enquanto dormia em sua casa”, afirmou sua filha Martine Aubry, prefeita da cidade de Lille.
Delors era um dos últimos dos grandes europeus de sua geração, marcada pelos horrores da Segunda Guerra Mundial e que desenvolveu um poder verdadeiramente criativo. Essa força o levou a moldar as fundações da União Europeia (UE) na forma que a conhecemos nos dias de hoje.
Pai do mercado comum
Apenas seis meses depois de assumir seu mandato, em janeiro de 1985, Delors apresentou sua obra prima, o chamado Livro Branco sobre a Conclusão do Mercado Único, tendo trabalhado arduamente por sua implementação até 1992.
As medidas descritas no documento incluem, entre outros pontos, os direitos dos cidadãos da UE de se estabelecerem livremente nos países do bloco, de procurarem trabalho ou de empregarem trabalhadores de países vizinhos, além de estarem aptos a facilmente comprar salame milanês mesmo na longínqua Finlândia.
Suas conquistas incluem a finalização do mercado comum da UE, a assinatura do Acordo de Schengen – que estabelece o livre trânsito de pessoas entre os países signatários – e o início da união econômica e monetária que resultou na criação do euro. Atualmente, a moeda comum europeia é utilizada diariamente por 343 milhões de habitantes da zona do euro.
O francês, porém, não tinha somente amigos entre os chefes de governo e de Estado do continente. A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher respondeu às propostas de Delors para reformar as instituições europeias com um sonoro “não, não, não”. Não faltaram palavras duras nas discussões entre os dois líderes.
Mesmo assim, a importância de Delors no desenvolvimento da UE foi reconhecida enquanto ele ainda estava no cargo. Os chefes de Estado e de governo do continente o encheram de elogios na última cúpula da UE da qual participou, em dezembro de 1994, e lhe deram os créditos pelos “dez anos que foram provavelmente os mais bem sucedidos da unificação europeia”.
Bancário e político
Jacques Delors nasceu em 20 de julho de 1925 em Paris. Filho único, ele cresceu em condições humildes. Em 1948 se casou com Marie Lephaille, com quem teve sua filha Martine e seu filho Jean-Paul. Martine seguiu os passos do pai e fez carreira na política, tornando-se prefeita de Lille. Jean-Paul morreu de leucemia em 1982, e sua esposa faleceu em 2020.
Formado em direito e economia, Delors iniciou sua carreira no Banco da França. Somente pouco antes de completar 50 anos, em 1974, o economista encontrou seu caminho na política. Ele se tornou membro do Partido Socialista (PS), e com relativa rapidez virou um dos executivos da legenda e membro do Parlamento Europeu em Bruxelas, em 1979.
No início de 1981, Delors voltaria a Paris para assumir o importante cargo de ministro das Finanças no governo do presidente François Mitterrand, a quem deve a indicação para a Presidência da Comissão Europeia, em 1985.
Depois de deixar o cargo em Bruxelas, Delors não quis concorrer à Presidência da França em maio de 1995, apesar de inúmeros rumores sobre uma possível candidatura. Uma aposentadoria, no entanto, ainda estava fora de questão.
Ele colaborou com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, em 1996, criou sua própria fundação, a Notre Europe (Nossa Europa), também conhecida como Instituto Jacques Delors, por meio da qual realizou diversas campanhas em prol da unificação europeia.
Depois de seu compatriota Jean Monnet e do ex-chanceler federal alemão Helmut Kohl, a Europa perde mais um de seus cidadãos honorários. Um pensador de coragem que, com seu pragmatismo, ajudou a construir e moldar a UE em seu formato atual, com suas forças e vulnerabilidades.