01/02/2009 - 0:00
A nave central da Catedral de Sal.
Embora seja um monumento dedicado à fé cristã, a Catedral de Sal de Zipaquirá, na Colômbia, é também um importante templo da engenharia e da arte. Começou a se tornar uma obra grandiosa no início do século 19, quando as técnicas de construção possibilitaram explorar o subsolo em busca do sal, seu principal produto. Hoje, é considerada a maior igreja subterrânea do mundo, com sua nave principal localizada a mais de 200 metros abaixo da superfície. Para se chegar lá, percorre-se um labirinto de centenas de metros de túneis que conduzem as pessoas a uma experiência única, surpreendente até para quem não tem na fé o motivo de sua visita.
Misteriosa, a Catedral de Sal é capaz de mexer com todos os sentidos. O cheiro de terra e o clima úmido, a penumbra e o silêncio desse mundo subterrâneo convidam à reflexão. Pouco a pouco, se perde a noção do tempo e os olhos se acostumam às luzes ínfimas, fazendo com que se percebam detalhes que antes não eram vistos.
O Museu da Salitreria, outra atração da cidade.
Tudo em seu interior é feito de pedra e sal, inclusive as cruzes, as estátuas e os outros adereços presentes no caminho. A descida é lenta e lembra uma procissão, interrompida apenas pelos guias da igreja, que vão explicando o significado de cada símbolo.
O trajeto começa com a Via-Crúcis, que está representada por 14 salões temáticos, um para cada estação do caminho percorrido por Cristo até sua morte.
Tudo em seu interior é feito de pedra e sal, inclusive as cruzes, as estátuas e os outros adereços presentes no caminho. A descida é lenta e lembra uma procissão, interrompida apenas pelos guias da igreja
A igreja , no centro histórico de Zipaquirá.
As estações são expressas de forma simbólica e permitem aos visitantes inúmeras interpretações para cada etapa do percurso. No segundo salão, por exemplo, a cruz carregada por Jesus é simbolizada pelo objeto esculpido na própria rocha, como se brotasse da terra, com todo o seu peso e sua solidez. A terceira estação, quando Jesus deixa cair a cruz pela primeira vez, é representada pela ausência física do símbolo do cristianismo,com uma parede cujo contorno foi recortado e se destaca com a luz projetada por trás. É como se simbolizasse o peso que saiu das costas do Mestre.
Seguir pela Via-Crúcis é uma preparação lenta e gradual para a chegada à Cúpula Azul, um dos pontos mais interessantes e belos do passeio. Sua abóbada arredondada, com luzes azuis em meio à escuridão, representa a comunhão entre céu e terra, em um ambiente que dá a sensação de se estar viajando por outras dimensões. Inscrito sobre a superfície da cúpula há um trecho do Gênesis, que faz referência à criação do mundo: “E Deus disse: haja luz. E houve luz. Deus viu que a luz era boa, e fez a separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz dia e às trevas noite”, diz a inscrição, que, envolta no clima etéreo e místico, leva os presentes à reflexão.
No sentido horário, a partir do alto à direita, a segunda estação da Via-Crúcis, onde a cruz que simboliza a que foi carregada por Cristo é esculpida na rocha.
Um pouco mais adiante da Cúpula Azul, chega-se a outro ponto alto da caminhada, um presépio gigante, esculpido pelo artista italiano Ludovico Consorte, em 1950. Cada figura que compõe a cena do nascimento de Jesus Cristo foi feita em tamanho natural e inserida numa gruta iluminada, com jogos de luzes que as tornam ainda mais exuberantes. Assim como a ViaCrúcis e a Cúpula Azul, o presépio faz parte de uma restauração que foi feita em toda a mina no início da década de 90.
A reforma tornou mais segura e bonita toda a estrutura da antiga igreja, que ganhou nova iluminação, novas figuras e um desenho pensado exclusivamente para colocar o visitante em contato com a fé (ver boxe na pág. 67). Tudo ali foi concebido com imagens cujo simbolismo lhes imprime um sentido de sacralidade sem cair no óbvio. Texturas, formas, dimensões e até mesmo a temperatura e o cheiro do local ajudam a construir um clima mágico, misterioso.
O ponto culminante do passeio é, sem dúvida, a chegada à nave central, a maior de todas, onde são realizadas missas e outras celebrações católicas. É ali que se encontram o altar e uma grande cruz
O presépio gigante da igreja; a Cúpula Azul existente em seu interior; e o terceiro salão da ViaCrúcis. Ele integra uma das 14 salas temáticas que representam o trajeto percorrido por Jesus até a sua morte.
A nave central foi acrescida de mais dois ambientes, menores, mas igualmente belos: a Nave do Nascimento e do Batismo e a Nave da Morte e Ressurreição. Entre as duas, a que mais chama a atenção é a primeira, com o batistério inserido num espaço circular que tem a pia batismal bem ao centro.
Está iluminada por luzes intensas que vêm do alto e mudam de cor, representando a presença do Espírito Santo. Há também uma cascata de rocha com sal cristalizado que brilha no escuro e evoca o rio Jordão, onde Cristo foi batizado. Um som constante de água dá ao visitante a sensação de tranquilidade, que remete facilmente ao nascimento de algo novo.
O ponto culminante do passeio é, sem dúvida, a chegada à nave central, a maior de todas, onde são realizadas as missas e outras celebrações católicas. É ali que se encontram o altar e uma grande cruz, que impressionam ao compor um cenário grandioso com todo o salão principal, de dimensões monumentais.
No alto, a escultura que representa a
Pietá, de autoria do escultor zipaquirenho Miguel Sopó.
A cruz, talhada em baixo-relevo sobre uma rocha de sal, possui 16 metros de altura por 10 metros de largura, e 80 centímetros de espessura. É iluminada por trás, e essa luz invade todo o recinto. Foi esculpida em 1992 e sua localização, no final do trajeto, expressa simbolicamente o encontro com a Luz e a Verdade Eterna. Ao centro, a Virgem de Nossa Senhora do Rosário de Guasa, padroeira dos mineiros de Zipaquirá. Na entrada da nave central há ainda outras duas peças que chamam a atenção dos visitantes. A primeira é uma escultura que representa a Pietá, obra que mostra Cristo morto no colo de Maria. Foi talhada em 1950 pelo escultor zipaquirenho Miguel Sopó, exclusivamente para fazer parte do cenário da Catedral de Sal. O interessante é perceber que, embora represente uma cena universal, retrata rostos que lembram os traços dos nativos indígenas da região.
A chegada à luz do Sol traz os visitantes de volta à realidade, mas também faz qualquer um deles refletir sobre a a grandiosidade de tudo aquilo que acabou de ser visto no interior da Catedral de Sal.
Acima, a representação em três dimensões da imagem da Criação do Homem, feita originariamente por Michelângelo na Capela Sistina, em 1511.
A segunda obra de destaque é uma representação em três dimensões da imagem da Criação do Homem, feita originariamente por Michelângelo na Capela Sistina, em 1511. É uma peça esculpida em mármore, de 2,6 metros de diâmetro e 20 centímetros de espessura, talhada pelo artista plástico Hugo Garcia Villalobos exclusivamente para a Catedral. Com luzes azuis projetadas sobre ela, dão um clima especial ao desenho que salta da rocha. A partir daí, o passeio se encaminha para o fim. O retorno à superfície é feito lentamente por todos, mais uma vez, no ritmo de uma procissão. A chegada à luz do Sol traz os visitantes de volta à realidade, mas também faz qualquer um deles refletir sobre a grandiosidade de tudo aquilo que acabou de ser visto, tanto no sentido religioso quanto no que diz respeito ao homem, capaz de construir um templo que une religiosidade e engenhosidade. Fé e conhecimento.
ORIGENS E HISTÓRIA
Geologicamente, a origem de Zipaquirá está na formação da Cordilheira Central colombiana, há 70 milhões de anos, ocasião em que uma grande “bolsa de sal” se formou no subsolo, a maior do mundo. Na superfície, a presença de pedras com uma substância salgada chamou a atenção dos primeiros homens que viveram por ali, a tribo muisca. Com a chuva e depois com a secagem da água, perceberam que ficava depositado no solo um pó branco, que começaram a usar na alimentação, em seus rituais e a comercializar com outros povos da região – era trocado por vasilhas, tecidos e outros utensílios de uso cotidiano.Com a chegada dos espanhóis, restaram poucos nativos para contar a história. Foram quase todos expulsos ou mortos. Contudo, o comércio do sal se manteve, agora com o transporte sendo feito em grandes caravelas para outros portos do mundo. Foi somente por volta de 1800 que o naturalista e explorador alemão Alexander von Humboldt iniciou a exploração do sal de forma mais moderna. Ele visitou as salinas e aconselhou que se construíssem túneis com o propósito de conseguir o produto com maior pureza, depositado sob a terra
Nesta página, peças do Museu Arqueológico de Zipaquirá, cujo acervo é composto por objetos confeccionados pelos muiscas em cerâmica, tecido e madeira.
Em 1834, aproveitando os grandes buracos deixados pelo mineradores, a primeira Catedral de Sal começou a ser erguida. A fé dos trabalhadores já teria feito com que fossem construídos pequenos templos. A exploração seguiu por mais de um século, até que, em 1954, por questões de segurança, a grande mina de sal deixou de ser explorada. A Catedral também foi fechada. Somente em 1991 iniciou-se um processo de recuperação do local. Em 1995, a igreja foi reinaugurada e tornou-se um dos pontos turísticos mais visitados da Colômbia. Além da reformulação interna da Catedral, no lado exterior foram construídos outros atrativos: uma grande praça, estacionamentos, um bosque e um museu de arqueologia, que abriga peças dos muiscas em cerâmica, tecido e madeira. É parte imprescindível do passeio, especialmente para quem quer conhecer como era a arte dos que ali viveram antes da chegada dos espanhóis.
SERVIÇO
A Catedral de Sal de Zipaquirá fica a 48 quilômetros do centro de Bogotá, a capital da Colômbia, numa viagem tranquila, por boas rodovias. Funciona todos os dias das 9 horas às 17 horas. Nos domingos é celebrada uma missa às 13 horas. Quase todas as empresas de turismo da cidade oferecem o tour à Catedral do Sal.