27/01/2024 - 6:32
Quase 80 anos após o fim do regime, muitos veem visitas aos locais do horror nazista como parte importante da formação de jovens da Europa e mais além – sobretudo num momento em que a extrema direita ameaça se reerguer.”Eu queria fazer esta viagem de qualquer jeito”, afirma a estudante Cara, de 17 anos. Ela e seus colegas estão em Oswiecim, na Polônia, no antigo campo de concentração e extermínio Auschwitz-Birkenau. É um local do horror: “Atravessar o campo e ter a sensação de que há 80 anos, no mesmo lugar, estavam as pessoas que foram presas, que foram tratadas de forma tão horrível…”, ela comenta.
A escola dela fica em Kerpen, distante cerca de 30 quilômetros de Colônia, no oeste da Alemanha. Desde 1967, a cidade de 67 mil habitantes é parceira de Oswiecim, em cujas cercanias se manteve o memorial do pior campo de concentração da época nazista: ali, de 1940 a 1945, nazistas alemães assassinaram muito mais de 1 milhão, na grande maioria judeus e judias. Auschwitz é um símbolo do extermínio sistemático de seres humanos.
O grupo de 20 e poucos alunos permanecerá quase uma semana no Centro Internacional de Encontro de Jovens Oswiecim/Auschwitz. A professora Katrin Kuznik, que já organizou diversas dessas excursões, explica que a participação é voluntária, e que os adolescentes foram preparados antes para a experiência. Para os docentes acompanhantes é “um desafio” e “uma responsabilidade gigantesca”, frisa, “mas até agora tudo correu bem”.
Generosidade em meio à própria dor
A Alemanha não esqueceu os crimes do nacional-socialismo: o assassinato de milhões de judeus no Holocausto, a perseguição e morte de sintis e romas, homossexuais, dissidentes políticos, religiosos e civis. Contudo, passadas quase oito décadas desde o fim do regime de Adolf Hitler, o país está novamente inseguro diante das forças extremistas de direita, sobretudo diante da franca ascensão do partido Alternativa para a Alemanha (AfD).
Segundo relatório da Jewish Claims Conference, existem ainda 245 mil sobreviventes do Holocausto em todo o mundo, 14,2 mil deles vivem na Alemanha – a maioria em idade avançada e necessitando de cuidados intensos. Muitos não estão em condições de fazer aparições públicas.
Uma exceção é Margot Friedländer: apesar de seus 101 anos, ela continua ativa na vida pública. Cada palestra da sobrevivente de campo de concentração é um momento de grande comoção, por sua força vital, seu testemunho, sua advertência.
Christoph Heubner foi um dos responsáveis pela concepção e construção do Centro Internacional de Encontro de Jovens Oswiecim/Auschwitz, na década de 1980. Há anos vice-presidente do Comitê Internacional para Auschwitz (IAK), poucos conhecem tantos sobreviventes do Holocausto na Alemanha quanto ele.
Ao descrever as apresentações de testemunhas da época em escolas e eventos memoriais, ele emprega uma palavra que se tornou rara: “generosos”. “Há uma área na vida deles em que a gente não penetra, em que eles estão completamente sozinhos. A perda de toda a família, da irmãzinha, dos pais. Em partes de sua dor, eles são generosos com quem vive hoje.”
“Se aconteceu, pode acontecer de novo”
Heubner admite estar “triste por perder tanta gente agora”. Ele diz que justamente nos últimos anos foi visível como, para muitos na Alemanha, especialmente os jovens, foi importante conversar com os sobreviventes – também como advertência e “linha-mestra para proteger e preservar a democracia”.
Mas ele não se mostra pessimista e “não se preocupa muito com a sustentabilidade de todo esse trabalho”. Pois, na realidade, cada geração e cada grupo etário se ocupa do tema por si, e se horroriza “num sentido totalmente positivo, como uma reação emocional e intelectual”. Pode ser uma elaboração artística, um filme, a leitura de um livro, a visita a um memorial: cada nova geração encontrará seu meio de se aprofundar nessas histórias de seres humanos e da humanidade, afirma o vice-presidente do IAK .
Um dos interlocutores dos jovens visitantes de Auschwitz é o padre católico Manfred Deselaers. Natural de Aachen, na Renânia do Norte-Vestfália, ele vive há mais de 30 anos em Oswiecim, e seu trabalho é conceituado tanto na Polônia quanto na Alemanha. Visitar hoje o memorial é, para ele, uma questão “não só de conhecimento, mas da nossa vocação: como vivermos, para podermos olhar os sobreviventes nos olhos, com a consciência limpa?”
Todos os jovens que vêm ao antigo campo de extermínio, sejam da Alemanha, da Polônia ou de origem estrangeira, sentem “que não se trata apenas de luto por dores passadas e de honrar os mortos, mas de um chamado à responsabilidade por nosso mundo comum”. Para Deselaers, memória significa também: “Isso aconteceu, portanto foi possível, portanto é possível, portanto pode acontecer novamente: Auschwitz descreve a dimensão da nossa responsabilidade.”
Encontro enriquecedor com o horror
E é assim, como diz Deselaers, que os secundaristas de Kerpen veem o opressivo memorial na Polônia. Ali, há alojamentos com montes de cabelo humano e armações de óculos, da altura de uma pessoa – testemunhas mudas do horror. Argutamente, Elias, de 18 anos, observa que isso não é um museu, pois um museu é “antes um lugar para os olhos”, “a gente perambula, vê, percebe fisicamente”.
Mas Auschwitz-Birkenau se percebe num nível totalmente diferente. Ali, continua Elies, “se desenvolve uma compreensão muito mais profunda”. A preparação e a realização da visita “contribuíram para que a gente possa lidar com essa matéria, naturalmente grave, para que a gente tenha se enriquecido, de algum modo”. Sua colega Tamara concorda: visitar lugares assim é “definitivamente importante” e “completamente diferente” de só aprender sobre o tema em uma aula de história.
Os estudantes retornarão a Kerpen marcados por suas impressões de Auschwitz. Para a professora Kuznik, tem grande peso o fato de que ” exatamente como os alunos, os pais estejam vendo como essa excursão é importante”. Talvez, diante da situação política, eles tenham notado que “uma visita ao memorial tem muito mais importância agora do que há alguns anos atrás”.