21/02/2024 - 14:07
Moradores da metrópole francesa não pagam para andar de ônibus e bonde. “Tarifa zero” financiada com impostos empresariais agrada a muitos. Para outros, beneficia poucos e em detrimento de uma rede de transportes melhor.Desde 21 de dezembro de 2023, a população de Montpellier pode utilizar de graça os meios de transporte públicos locais. Assim a cidade no sul da França uniu-se a mais 50 outras pelo mundo, entre as quais Dunquerque, no norte do país, e Talinn, na Estônia. Com seus 500 mil habitantes, Montpellier é a maior metrópole europeia da lista, e muitos de seus cidadãos estão felizes com a medida. Mas não todos.
Rayene Chabbi, de 31 anos, está aliviada de não ter mais que usar o carro dos pais para cobrir os sete quilômetros até seu trabalho, mas também de economizar os 50 euros mensais que custava o vale-transporte. “Afinal, eu só ganho 1.950 euros por mês. Com a minha irmã é parecido, antes ela nunca usava os meios públicos.”
Chabbi agora chega em meia hora ao bairro de Castelnau-le-Lez: “De carro, eu teria precisado de mais dez minutos e certamente ficado presa no engarrafamento, o que sempre me estressa completamente. Além disso, é melhor para o meio ambiente.”
Mais transporte público: sinônimo de sustentabilidade?
A empresa para que ela trabalha, Simax, cofinancia a gratuidade dos transportes, juntamente com 2.500 outras de Montpellier. Através de um imposto de 2% sobre os salários, arrecadam-se cerca de 30 milhões de euros. A fundadora da firma, Miren Lafourcade, apoia a iniciativa.
“Viemos para cá cinco anos atrás, pois estamos bem do lado de um ponto de bonde. Antes era muito complicado chegar ao trabalho com o transporte público. É ótimo que os impostos que a gente paga estejam finalmente sendo empregados em algo que faz sentido.” Sua gestão da Simax enfatiza a sustentabilidade, por exemplo só utilizando em sua rede de computação servidores alimentados por fontes de energia renováveis.
Tal abordagem agrada a Julie Frêche, vice-presidente e encarregada de Transportes de Montpellier: “Queremos fazer política ambiental positiva. Graças aos meios de transporte gratuitos, os moradores dispõem de mais renda. Além disso estamos fazendo algo pela qualidade do ar.”
A cidade, cujas temperaturas chegam a 50ºC no verão, está se preparando para dias mais quentes, e planeja plantar mais 50 mil árvores até 2026 e aumentar as áreas verdes. “Além disso estamos criando 235 quilômetros adicionais de ciclovias, acrescentando cinco linhas de ônibus às 41 existentes e construindo uma quinta linha de bondes”, anuncia Frêche.
“Gratuidade é em detrimento de uma melhor rede de transportes”
Mas nem todos estão satisfeitos com o estado dos transportes em Montpellier. A nova linha de bondes ligará também a subúrbio de Saint-Jean-de-Vedas, onde no momento só há uma única parada. Hugo Daillan, que lá trabalha, queixa-se: “O bonde só vem a cada 15 minutos, também agora, no fim da jornada de trabalho. Por isso muitos andam de carro, aqui.”
“Se a gente considera que a cidade se expande cada vez mais, os transportes grátis só servem aos moradores do centro, mas não aos dos arredores. A medida 'gratuita' vem em detrimento de um melhor sistema de transportes. Eles deviam investir esse dinheiro na expansão da rede”, critica o francês de 28 anos, que mora no centro e é membro da associação local de usuários dos transportes públicos.
Alexandre Brun, docente de geografia da Universidade Paul Valéry, concorda: “Seria preciso também ligar melhor os subúrbios entre si: no momento muitas vezes é preciso fazer um desvio pelo centro.” Além disso, ele teme que o imposto adicional desencoraje empresas a se instalarem em Montpellier: “Precisamos delas para reduzir o desemprego.” A taxa em 2023 foi de 9,6%, mais de dois pontos percentuais acima da média francesa.
No entantou outros continuam entusiastas da gratuidade. É o caso do economista Fady Hamadé, o diretor do think tank Instituto de Recursos Ambientais e Desenvolvimento Durável (Ireedd), sediado na metrópole.
“Como todos os serviços públicos, também essa é uma medida de distribuição de renda. E há também efeitos externos positivos: produz-se menos dióxido de carbono e poluição atmosférica. Além disso se vê que agora mais gente vem ao centro, também dos grupos populacionais mais pobres. Muitas lojas novas já abriram na zona de pedestres.”