29/04/2024 - 16:36
Profissionais do sexo eram consideradas “elementos antissociais” pelos nazistas. Muitas foram alvo de esterilizações forçadas e presas. Agora, comunidade loacal se mobiliza para “dignificar a memória” das vítimas.Profissionais do sexo que foram perseguidas durante o regime nazista (1933-1945) em Hamburgo serão homenageadas com um memorial, que será instalado em uma rua dedicada exclusivamente ao trabalho sexual.
O Conselho Distrital do bairro de St. Pauli atendeu a um pedido de ativistas comunitários, profissionais do sexo e representantes da Igreja Luterana local, para que as homenagens às vítimas do nazismo fossem estendidas também para mulheres que trabalharam na Herbertstraße – a rua que que foi isolada pelos nazistas no intuito de constranger as profissionais e, ao mesmo tempo, suas atividades em pleno funcionamento.
O memorial, que deve ser inaugurado em novembro, será nos moldes das Stolpersteine (“pedras de tropeço”), os paralelepípedos que trazem os nomes de vítimas do regime nazista existentes em várias cidades do país e da Europa.
As placas de bronze trarão códigos QR através dos quais será possível conhecer as histórias dessas mulheres. Elas serão colocadas no calçamento da entrada do local, que ainda abriga uma concentração de bordéis, bares e sex shops.
A cidade de Hamburgo dedicou uma verba de 5.000 euros (R$ 27.000) para o memorial e para a cerimônia de inauguração. A Igreja Luterana planeja arrecadar em torno de 15 mil euros para o projeto, que inclui também o aprofundamento da pesquisa histórica.
Escondida dos olhos dos curiosos
A Herbertstraße possui apenas 60 metros de extensão e está localizada próximo a Reeperbahn, famoso centro da vida noturna de Hamburgo. No século 19, a rua passou a abrigar locais voltados para os homens locais e marinheiros que passavam pela cidade portuária. Ainda hoje a rua atrai um grande público, especialmente nos finais de semana.
Os portões de metal na entrada da rua foram colocados em 1933 por ordem no líder nazista da cidade, para controlar a movimentação no local, que o regime considerava “uma desgraça a para a comunidade”. Apesar de a prostituição e os shows de strip-tease serem oficialmente proibidos, os nazistas acabaram percebendo que seria impossível pôr fim aos negócios na Herbertstraße e optaram por bloquear a visão dos transeuntes.
Entre março e maio de 1933, os nazistas prenderam 3.201 mulheres na cidade, das quais 814 foram mantidas sob custódia, segundo reportagem da revista alemã Der Spiegel.
Criminalizadas entre as décadas de 1930 e 1940, as profissionais do sexo eram consideradas pelos nazistas como “elementos femininos antissociais”. Muitas delas foram submetidas a esterilizações forçadas ou presas e deportadas para campos de concentração. Várias dessas mulheres foram levadas a cometer suicídio.
Desde os anos 1970, os portões da Herbertstraße possuem placas em alemão e inglês alertando para a proibição da entrada de mulheres e menores de 18 anos. Hoje em dia, em torno de 250 profissionais do sexo trabalham no local.
A prostituição é legal na Alemanha. Os críticos afirmam que, desde a liberalização da prática, em 2002, os preços reduzidos e a alta no turismo sexual resultaram em um aumento do tráfico de pessoas.
Perseguição e aprisionamento
A historiadora Frauke Steinhäuser falou em entrevista à Spiegel das dificuldades de se rastrear as histórias individuais das mulheres da Herbertstraße devido ao tabus em torno da profissão, tanto no passado quanto nos dias de hoje.
Uma das histórias que ela conseguiu contar é a de Sophie Gotthardt, que foi presa pelos nazistas acusada de “perversão” e conseguiu a duras penas sobreviver ao campo de concentração de Auschwitz.
Gotthardt nasceu em 1912 em uma família pobre e começou a trabalhar como profissional do sexo ainda na adolescência.
Durante a repressão nazista, a Gestapo (polícia do regime) a deteve por não cumprir com a obrigatoriedade dos exames de saúde para detectar doenças sexualmente transmissíveis. Ela então partiu para a clandestinidade, mas acabou sendo capturada e levada para Ravensbrück e, posteriormente, Auschwitz.
Ela foi forçada a trabalhar no campo de concentração e teria tentado o suicídio diversas vezes. Alguns detentos judeus a acusaram de maus tratos, o que fez com que fosse levada a julgamento e condenada na Polônia após a guerra.
Ao ser libertada, sua amante Johanna “Otto” Kohlmann, com quem se relacionava desde os tempo da Herbertstraße, já havia morrido.
Dignificar a memória das mulheres
O pastor da Igreja Luterana de St. Pauli, Sieghard Wilm, contou ao jornal britânico The Guardian sobre o trabalho em conjunto com moradores e profissionais do sexo para “dignificar a memória” das mulheres vitimadas pelo nazismo na Herbertstraße.
“Milhões de pessoas visitam St. Pauli; todos os dias muitos turistas tiram fotos em frente a Herbertstraße. Sempre acho isso uma atitude cínica, porque sei que foram os nazistas que colocaram os portões”, disse.
O clérigo considera uma contradição grosseira o fato o bairro conhecido pelo caráter liberal não tivesse até agora, reconhecido as profissionais do sexo como vítimas do nazismo. Ele diz que o objetivo é acabar com o estigma em torno dessas mulheres há muito esquecidas e torná-las visíveis a todos.
rc (ots)