Diretor de “Baby”, Marcelo Caetano vê uma boa onda no cinema nacional e diz que objetivo de sua geração é levar seus temas e linguagens ao máximo de pessoas.Filme brasileiro selecionado para a 63ª Semana da Crítica do badalado Festival de Cannes, Baby conta a história de um ex-detento que vive um romance com um garoto de programa no centro de São Paulo, em uma relação de paixão, ciúme e cumplicidade. É o segundo longa-metragem do cineasta brasileiro Marcelo Caetano.

“Gosto de pensar nos personagens de Baby como parte de uma resistência. Eles não são vítimas e não aceitam ser colocados nessa posição. É um filme sobre as lutas que nos comprometemos em nossas vidas e as cicatrizes que essas lutas deixam”, afirma Caetano.

Baby estreia em Cannes na próxima terça-feira (21/05). É o décimo filme brasileiro na história a ser selecionado para a Semana da Crítica. Organizada pelo Sindicato Francês de Críticos de Cinema, a mostra paralela é competitiva e reúne sete filmes de diretores que lançaram seu primeiro ou segundo longa, selecionados a partir de mais de mil inscritos.

O Festival de Cannes deste ano ainda terá outros dois longas brasileiros: Motel Destino, de Karim Aïnouz, na mostra principal; e A Queda do Céu, de Eryk Rocha, na Quinzena dos Cineastas. “Parece uma boa onda vindo e que seja permanente”, diz Caetano.

Em entrevista à DW, o diretor de Corpo Elétrico fala sobre seu segundo longa e sobre sua participação em Cannes.

DW: Em Baby, o romance é vivido por um ex-detento e um garoto de programa. Ao trazer personagens marginalizados para o centro da tela, que tipo de provocação você pretende?

Marcelo Caetano: Os personagens de Baby são fruto de uma pesquisa que realizo há anos no centro de São Paulo. Foram dois longas, três curtas e uma série filmados aqui. Os personagens de todos esses filmes revelam a diversidade local e a enorme mistura de classes, regiões de origem e profissões. E o que une todos esses personagens é a oferta de trabalho formal e informal do centro.

Nossos protagonistas Baby e Ronaldo são, antes de tudo, pessoas que tentam se integrar na metrópole pelo trabalho, ainda que seu ofício não seja visto com bons olhos pela sociedade. Mas é, antes de tudo, trabalho, sobrevivência, se virar como se pode num sistema produtor de desigualdades.

O que os une é o preconceito, a discriminação? Porque todas as características convergem para isso: o ex-detento, o garoto de programa e, claro, a homossexualidade de ambos…

Gosto de pensar nos personagens de Baby como parte de uma resistência. Eles não são vítimas e não aceitam ser colocados nessa posição. É um filme sobre as lutas que nos comprometemos em nossas vidas e as cicatrizes que essas lutas deixam.

Qual sua expectativa quanto à reação do público ao filme?

Espero que o público mergulhe na história desses personagens e os receba com um olhar generoso.

Depois da ascensão de discursos extremistas nos últimos anos, que de certa forma naturalizaram um pouco comportamentos homofóbicos, ficou mais complicado trazer esse tipo de temática?

Toda a minha geração de cineastas, não só eu, temos lutado há décadas pelo reconhecimento do nosso cinema e das temáticas que trabalhamos. Ali no fim dos anos 2000, quando começamos a fazer curtas, tínhamos um compromisso de fazer filmes com personagens LGBTs, mas que nossos filmes deveriam ser vistos não só em festivais de cinema queer, mas em festivais gerais e também nas salas de cinema comerciais. A comunidade LGBT nos alimenta de ideias e nos dá união política, mas nosso objetivo sempre foi romper bolhas e levar nossas temáticas e linguagem para o máximo de pessoas.

O texto de Cannes para a apresentação do filme diz que se trata de “um melodrama queer, duro e suave ao mesmo tempo, que ilustra, através de um romance atual, a difícil realidade social do país”. Qual é a essa realidade social que você mostra, considerando as possibilidades de enquadramento da expressão “difícil realidade social”?

Esse texto, que gosto muito, é uma citação dos críticos que fazem parte da seleção da Semana da Crítica [do Festival de Cannes], então fica complicado eu tentar explicar o que eles queriam dizer ao escolher essas palavras.

O que posso dizer, da minha parte, é que não tento apenas representar a realidade no filme. Eu tenho uma visão sobre o real que fricciona com a de todos os artistas envolvidos no filme, tanto elenco quanto equipe. Então são visões que se cruzam, que se somam ou que batem de frente e isso tudo gera o filme, como obra coletiva. Fora que eu também acho que não é só do real que estamos falando. Baby é fruto de um olhar artístico que parte da realidade, mas que é influenciado por diversas outras esferas da sensibilidade como a imaginação, o sonho, os desejos.

Quão é importante estar em Cannes, para sua carreira?

A Semana da Crítica tem por vocação revelar diretores em primeiro ou segundo longa. Então é um espaço para descoberta de novas autorias e olhares. Eu me sinto bastante honrado de estar nessa seleção, foram mais de mil inscritos para apenas sete longas selecionados.

E existe todo um histórico da Semana que é bastante interessante pelos nomes que ali foram revelados. Diretores brasileiros como Paulo César Saraceni, Jorge Bodanzky, Cacá Diegues, entre outros. E se formos ver os nomes estrangeiros temos Wong Kar Wai, Alejandro Iñarritu, Ken Loach, Julia Ducournau… Dá um frio na barriga só de imaginar a responsabilidade que é estar nessa mostra.

E para o cinema brasileiro, o que significa estar em Cannes?

Este ano o Brasil tem três longas-metragens em diferentes mostras do festival. Isso mostra o vigor do nosso cinema e sua diversidade. Mesmo após os anos de pandemia e de quatro anos de um governo que tratava a cultura com descaso, estamos lá marcando presença e com força. Baby é apenas o décimo longa brasileiro exibido nos 62 anos da Semana da Crítica, o que mostra como é difícil nossa excelente produção chegar num festival como Cannes. Mas dá um alento pensar que ano passado tivemos Levante, da Lillah Halla, na Semana, e esse ano está o Baby. Parece uma boa onda vindo e que seja permanente!

Você costuma dizer que o caos do centro de São Paulo é personagem de seus filmes. A escolha por esse cenário tão cosmopolita e, ao mesmo tempo, tão brasileiro, é uma maneira de mostrar nossas feridas ou de exaltar a nossa diversidade?

O que sempre me encantou nessa parte da cidade é que as pessoas podem ser mais livres dentro do anonimato que o grande centro proporciona. É também um lugar de passagem: muita gente passa, mas não enraíza, não estabelece vínculos duradouros. Então o centro tem uma dinâmica muito específica e os fluxos são mais difíceis de mapear, de controlar.

Baby é um filme sobre o movimento. Trabalhamos com uma regra simples em que ou a câmera, ou os corpos dos atores, ou o fundo da cena, a evanescência, deveriam estar em movimento em todos os planos. Dessa forma a linguagem do filme se adequaria à dinâmica dos espaços que estávamos filmando.