15/06/2024 - 18:48
Declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, há muito a antiga cidade maia de Chichén Itzá, na Península de Yucatán, no México, é associada a sacrifícios humanos. Centenas de ossos foram escavados de templos, de uma fossa subterrânea sagrada denominada chultún, e de cavernas.
Uma crença persistente é que as vítimas costumavam ser adolescentes do sexo feminino – por extensão, virgens. Essa impressão equivocada se fixou na imaginação moderna, mesmo após pesquisas recentes provarem que tanto homens quanto mulheres estavam entre as vítimas, assim como crianças. Um estudo publicado na quarta-feira (12/06) na revista Nature acrescenta agora um detalhe inesperado a esse quadro mais complexo.
O ponto de partida foi a análise do DNA dos restos mortais de 64 indivíduos que arqueólogos acreditam terem sido sacrificados e depositados numa câmara subterrânea: todos eram garotos entre três e seis anos de idade, em parte parentes de primeiro e segundo grau.
“Há dois grandes momentos de surpresa aqui”, comenta o principal autor do estudo, imunogeneticista Rodrigo Barquera. “Influenciados pela arqueologia tradicional, nós pensávamos que íamos encontrar ou sacrifícios sem especificidade de gênero, ou principalmente meninas. E o segundo foi quando descobrimos que alguns eram aparentados, e que havia dois pares de gêmeos idênticos.”
Sacrifícios inusuais
Na cultura maia, os gêmeos eram figuras especiais. O livro sagrado Popol Vuh conta a história dos Gêmeos Hunapu, sacrificados pelos deuses por terem sido derrotados num jogo de bola.
“Os meninos enterrados no chultún podem ter sido sacrificados em homenagem a essas divindades e à dualidade dos Gêmeos Guerreiros”, explica o imunogeneticista do Instituto Max Planck. Porque para os maias “ser escolhido para esses sacrifícios era uma das honras máximas a que se podia aspirar”.
O fato de as vítimas serem sobretudo parentes e terem sido alimentadas com dietas semelhantes sugere que foram criadas no mesmo local e que haviam sido selecionados para um ritual concreto.
Embora não seja possível determinar como morreram, segundo Barquera “sabemos como não foram sacrificados, porque não tinham fraturas nem marcas de cortes nos ossos”, como os indivíduos sacrificados como oferendas em troca de favores das divindades, ou como os guerreiros, que tinham seus corações arrancados ou eram decapitados.
Encontro com europeus alterou a genética dos povos indígenas
As descobertas de Chichén Itzá fora possíveis graças à colaboração entre cientistas dos Institutos Max Planck de Antropologia Evolutiva e Geoantropologia, ambos no Leste da Alemanha, da Escola e do Instituto Nacional de Antropologia e História do México, e das universidades de Yucatán e Harvard.
A análise genética também permitiu à equipe analisar o impacto das epidemias que os espanhóis e os escravos negros trazidos da África transmitiram às populações indígenas na época colonial.
No México do século 15, guerras, fome e epidemias reduziram a população local em até 90%, sobretudo em episódios pontuais como a epidemia de 1545 de cocoliztli, uma febre hemorrágica causada pela salmonela.
Além de adaptações importantes relacionadas à dieta e ao estilo devido, a análise revelou outras, referentes a doenças infecciosas, sobretudo a Salmonella enterica. Essa variedade da bactéria, que não existia na América antes da chegada dos europeus, aumentou a frequência de variantes de DNA resistentes, no genoma das populações locais, as quais se conservaram até os dias atuais.
(EFE,ots)