01/03/2009 - 0:00
Cratera com lava no Parque Nacional dos Vulcões, no Havaí.
A sociedade tem grande interesse nos progressos feitos pelos cientistas no estudo do interior da Terra. A expectativa se explica: há necessidades urgentes de fornecimento de água, recursos minerais, proteção contra desastres naturais e controle ambiental. A área teve enormes avanços nos últimos 15 anos, particularmente em termos de técnicas de visualização remota, mas ainda é preciso ir além.
De qualquer modo, o que foi obtido nos últimos anos merece destaque. Nesse período, os geólogos começaram a compreender a geosfera em termos mais mensuráveis (quantitativos). Técnicas sísmicas mais avançadas levaram a um melhor conhecimento da estrutura tridimensional do manto (camada de rochas em estado sólido ou pastoso que representa 80% do interior do planeta, entre a crosta e o núcleo da Terra) e da litosfera (a região mais exterior da Terra, composta pela crosta terrestre e pela camada de placas tectônicas do manto). Pode-se descrever, em termos numéricos, como funcionam as profundezas do sistema Terra; ao mesmo tempo, a análise quantitativa de bacias em que os sedimentos se acumulam permitiu ligar o interior do planeta ao registro das alterações gravadas nesses sedimentos ao longo do tempo.
Formas melhores de “ver” através da rocha possibilitaram aos geocientistas compreender a estrutura da litosfera e de que modo a pressão exercida pelos movimentos das placas tectônicas a leva a deformar-se. Progressos recentes na datação permitiram descobrir a velocidade desses processos, com a precisão necessária para distinguir entre as diferentes forças que moldam a paisagem.
A modelagem da forma como o relevo muda ao longo das eras atingiu um estágio em que se podem reunir, no tempo e no espaço, estudos relativos à deposição de sedimentos e à sua erosão. Numa escala muito menor, técnicas de detecção que utilizam ondas sísmicas ou eletromagnéticas possibilitam o exame de problemas de arquitetura sedimentar (a maneira como diferentes sedimentos se estruturam).
A maneira como as rochas são erodidas em certas áreas da crosta terrestre e redepositadas em outras – e, ainda, como o interior plástico da Terra reage às correspondentes mudanças de pressão – recebe o nome de transferência de massa. Esse tópico se apresenta como uma nova fronteira nas atuais Ciências da Terra – ou seja, a tentativa de compreender quantitativamente tais processos.
O passo essencial rumo a uma abordagem em quatro dimensões (envolvendo, simultaneamente, espaço e tempo) precisa da modelagem dos processos da geosfera, de forma a incorporar dados em escalas menores com as técnicas atuais, de elevada qualidade, de visualização sísmica. É preciso explorar a Terra para obter uma imagem de alta resolução da estrutura e dos processos do seu interior.
Esse estudo passará por alguns temas-chave, apresentados a seguir.
Relevo – O relevo terrestre resulta da interação entre os processos que ocorrem no interior, na superfície e na atmosfera. Ele influencia a sociedade, não apenas em termos dos processos lentos da mudança da paisagem, mas também através do clima. Sua evolução (mudanças de nível nos continentes, na água doce e no mar) pode afetar seriamente a vida humana, animal e vegetal. Quando há uma subida dos níveis de água doce ou do mar, ou quando o continente sofre subsidência (afundamento abrupto ou gradativo da superfície), aumenta o risco de cheias, afetando diretamente ecossistemas locais e aglomerados humanos. Por outro lado, a queda dos níveis de água doce e o levantamento do continente podem levar a um maior risco de erosão ou mesmo de desertificação.
Essas alterações provêm tanto de processos naturais como de atividades humanas, embora a contribuição absoluta e relativa de cada fator ainda seja mal compreendida. O estado atual e o comportamento do Sistema Terra na superfície são consequência de processos que ocorrem em escalas de tempo bem abrangentes. Eles incluem:
>>Efeitos tectônicos a longo prazo no levantamento, na subsidência e nos sistemas fluviais;
>>Efeitos residuais das épocas glaciais nos movimentos da crosta terrestre (o peso do gelo acumulado pressiona a crosta, que leva milhares de anos para recuperar-se depois do degelo);
>>Alterações climáticas e ambientais ao longo dos últimos milênios;
>>Os poderosos impactos antropogênicos do século 20.
Compreender o atual estado do Sistema Terra, tanto para predizer o futuro quanto para programar o uso sustentável dele, implica entender melhor esse espectro de processos (operando simultaneamente, mas em diferentes escalas de tempo). O desafio para as Ciências da Terra é descrever o estado do sistema, monitorar suas alterações, prever sua evolução e, em parceria com outras ciências, avaliar diferentes modelos para seu uso sustentável por parte dos seres humanos.
A investigação deverá concentrar-se na interação entre a tectônica ativa, a evolução do relevo e as alterações do nível do mar a elas relacionadas, assim como o desenvolvimento do padrão de drenagem dos rios. Isso significa desenvolver uma estratégia integrada de observação e análise que enfatize as mudanças em grande escala em zonas vulneráveis do globo.
Atividades vulcânicas, com a emissão de gases, remodelam constantemente as características ambientais da crosta terrestre.
Atividades vulcânicas, com a emissão de lava , remodelam constantemente as características ambientais da crosta terrestre.
Geoprevisão – A crescente pressão que estamos fazendo sobre o ambiente nos torna cada vez mais vulneráveis. Temos necessidade urgente de “sistemas de geoprevisão” cientificamente avançados que possam, de forma precisa, localizar recursos no subsolo e prever a altura e a magnitude de terremotos, erupções vulcânicas e a subsidência de terrenos. A concepção desses sistemas coloca um desafio científico multidisciplinar bem grande. A previsão dos processos que ocorrem na Terra também condiciona a previsão em outras ciências, como as oceanográficas e as atmosféricas.
Prever o comportamento dos sistemas geológicos requer um amplo entendimento dos processos e dados de alta qualidade. Espera-se que ocorra progresso nas previsões quantitativas relativas à interface entre a modelagem e a observação. É aqui que as hipóteses científicas são confrontadas com a realidade observável. Na sua versão mais avançada, a sequência integrada “observação, modelagem, quantificação dos processos, otimização e previsão” é levada a cabo de forma periódica (tanto no espaço como no tempo) e os resultados obtidos são vitais para a criação de novos desenvolvimentos conceituais.
Observar o presente – A informação sobre a atual estrutura do subsolo e do interior da Terra é um aspecto fundamental da ciência relativa à geosfera. Esse aspecto diz respeito ao estudo dos processos ativos e dos que já terminaram, mas que podem ter contribuído para as estruturas atuais. O estudo dos processos ativos é importante porque as observações a eles relacionadas (que envolvem, por exemplo, a atividade sísmica, a deformação superficial e o campo gravitacional da Terra) podem ser realizadas (e utilizadas) como condicionantes da modelagem desses processos. A compreensão relativa aos processos adquirida com esses exercícios é muito valiosa, pois permite guiar a reconstrução de processos passados.
Reconstruir o passado – Embora tenha mudado continuamente ao longo do tempo, a geosfera ainda possui vestígios da sua evolução inicial. Revelar os papéis desempenhados pelos processos litosféricos internos e externos no controle das taxas de erosão e da sedimentação representa um grande desafio.
A cobertura sedimentar da litosfera fornece um registro em alta resolução das mudanças ambientais, assim como da deformação e da transferência de massa à superfície e a diferentes profundidades da crosta, da litosfera e do manto. Nas últimas décadas, a análise sedimentar de bacias tem estado na vanguarda na integração dos componentes sedimentares e litosféricos dos campos (anteriormente separados) da geologia e da geofísica.
Um grande objetivo é integrar a tectônica ativa, os processos superficiais e a dinâmica da litosfera na reconstrução do antigo relevo das bacias e de suas áreas circundantes. Uma abordagem integrada é igualmente importante, considerando-se o papel social que essas bacias desempenham na localização de recursos, como hidrocarbonetos. Além disso, uma vez que a maioria das pessoas mora atualmente dentro ou perto de bacias sedimentares (em zonas costeiras e deltas), tanto as populações como os aglomerados onde elas vivem permanecem vulneráveis a riscos geológicos colocados pela atividade do sistema Terra.
Chaminés vulcânicas no fundo do oceano criam ecossistemas únicos, repletos de formas de vida que não existem em nenhum outro lugar, como essas estrelas-do-mar
Deformação da litosfera – A forma como as rochas do manto terrestre “fluem” exerce controle sobre a espessura e a resistência das placas litosféricas, a extensão do acoplamento entre os movimentos das placas e o fluxo no interior da Terra e o padrão e a taxa de convecção na astenosfera (região de 700 quilômetros de profundidade que fica abaixo da litosfera), assim como sobre processos mais localizados. A fim de compreender o comportamento dinâmico da parte exterior da geosfera, é essencial um conhecimento detalhado da forma como “fluem” diferentes zonas do manto.
Modelagem e validação de processos – A modelagem dos processos da geosfera é um estágio transitório entre a modelagem cinemática (relativa aos movimentos mecânicos no interior do planeta) e a dinâmica. Esse desenvolvimento não pode ocorrer sem a interação com subdisciplinas relativas à estrutura e à cinemática da Terra ou à reconstrução de processos geológicos. A informação estrutural é um pré-requisito para a modelagem dos processos da geosfera. De modo semelhante, a informação sobre movimentos horizontais e verticais, tanto atuais como passados, é utilizada para formular e verificar hipóteses relativas a processos dinâmicos. Inversamente, os resultados obtidos a partir da modelagem motivam e conduzem a pesquisa na observação do presente e na reconstrução do passado.
As movimentações originárias do fundo da Terra trazem à tona substâncias que podem ser fonte de saúde, como a lama desse vulcão colombiano extinto.
Desafios e desenvolvimentos – Apesar do grande sucesso da teoria da tectônica de placas nas Ciências da Terra, ainda existem problemas fundamentais no que diz respeito à evolução dos continentes e a seu papel na dinâmica da litosfera e do manto. O processo de crescimento dos continentes, sua espessura e a associação dinâmica com o manto são tópicos a que uma série de subdisciplinas precisa prestar atenção.
Questões igualmente importantes ainda por resolver se referem ao mecanismo de controle da tectônica continental e a seus efeitos nos movimentos verticais, na dinâmica topográfica e na formação de bacias sedimentares. Nesse aspecto, é vital a dinâmica da separação dos continentes, de que forma as placas mergulham por baixo de outras, como as montanhas se erguem e são desgastadas pela erosão e seus efeitos na evolução da plataforma continental e nos processos de fronteira entre oceanos e continentes. Igualmente importantes são as taxas e as escalas em que esses processos operam.
Para quantificar os processos essenciais envolvidos no estudo da geosfera, é essencial associar forças internas e externas. O trabalho feito sobre as estruturas e os processos da crosta, a dinâmica da topografia e as bacias sedimentares registra progressos em escalas cada vez mais reduzidas.
Um Ano Internacional dedicado ao planeta
A União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS), que representa cerca de 250 mil geocientistas de 117 países, proclamou um Ano Internacional do Planeta Terra 2007-2009 com o subtítulo “Ciências da Terra para a Sociedade”. Os propósitos salientam a relação entre a humanidade e o planeta, e demonstram quanto os geocientistas são importantes na criação de um futuro equilibrado e sustentável.
Proclamado através da ONU, o Ano Internacional foi considerado atividade central pela Divisão das Ciências da Terra da Unesco. Ele também é apoiado por organizações congêneres da IUGS, como a União Internacional de Geodesia e Geofísica (IUGG) e a União Geográfica Internacional (IGU), além do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU).
Pelas diretrizes da ONU para a proclamação de anos internacionais, os assuntos elegíveis devem corresponder a uma “preocupação prioritária de direitos políticos, sociais, econômicos, culturais, humanitários ou humanos”, envolvendo “todos os países (ou a maioria deles), independentemente do sistema econômico e social”, e deve “contribuir para o desenvolvimento da cooperação internacional na resolução de problemas globais”, dando especial atenção aos temas que afetam os países em desenvolvimento.
Autores: Sierd Cloetingh (ISES, Holanda), com Rolf Emmermann (GFZ, Alemanha), John Ludden (CNRS, França), Hans Thybo (Copenhague, Dinamarca), Mark Zoback (Stanford, EUA) e Frank Horvath (ELTE, Hungria).