18/07/2024 - 9:35
O passo entre criticar a guerra na Ucrânia e ser tachado de “agente estrangeiro” pode ser bem curto. Milhares de acadêmicos russos já deixaram o país, nas universidades reina nostalgia dos velhos tempos soviéticos.Em abril de 2022, durante a “hora da bondade” prevista no currículo escolar russo, a professora Natalia Taranushenko discute com seus alunos sobre a guerra na Ucrânia. Ela mostra um vídeo da cidade de Bucha, criticando como lá a Rússia “violou todas as normas possíveis do direito internacional”, enquanto “20% da própria população sequer dispõe de um sanitário decente”.
Ao fim da aula, ela se desculpa pela emocionalidade da comparação, frisando tratar-se de sua visão pessoal. Uma das crianças pergunta se tem medo de perder o emprego por expressar esse tipo de opinião: “Por isso que eu estou lhes dizendo hoje, não”, responde, segura de si. Entretanto um dos alunos relata aos pais sobre a “hora da bondade”. Indignados, eles denunciam Taranushenko.
Quando a situação se agrava, a pedagoga de 65 anos decide fugir para a vizinha Armênia, onde a polícia a prende. Sob a condição de não deixar o país, mais tarde é liberada. No momento as autoridades armênias estão decidindo se atendem ao pedido de repatriação por parte de seus colegas russos.
Professores dissidentes se abrigam em “bolhas”
O caso é um entre muitos documentados pela mídia independente da Rússia. Logo quando iniciou a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, numerosos docentes se manifestaram contra a política de Moscou. Grande parte perdeu o emprego: alguns se demitiram em protesto, outros foram forçados.
Segundo análise do Davis Centre for Advanced Russian Studies da Universidade de Harvard, cerca de 6 mil cidadãs e cidadãos russos com título acadêmico emigraram para países europeus. Outros 10 mil funcionários do sistema educacional foram para Israel, registra o projeto de pesquisa Outrush.
O historiador e sociólogo russo Dmitry Dubrovsky apresentou os resultados de ambos os estudos num fórum online da Sociedade Sakharov Alemã (Deutsche Sacharow Gesellschaft): uma conclusão é que a censura estatal na Rússia vem se tornando mais severa a cada ano.
Os processos contra professores dissidentes, como no caso de Taranushenko, aumentaram de frequência; temendo ser denunciados, muitos evitam temas políticos em classe – sobretudo desde que o presidente Vladimir Putin introduziu nos currículos a disciplina “patriotismo”.
Sob condição de anonimato, uma especialista russa em pedagogia relata que quem é claramente contra a guerra usa determinados grupos para o intercâmbio de métodos com o fim de desenvolver o pensamento crítico entre os alunos.
“Infelizmente observamos um certo encapsulamento dos docentes. Eles só se movem dentro da própria bolha, onde se sentem relativamente seguros. Desse modo, porém, não podem trocar ideias com os colegas de outras escolas”, explica a pesquisadora, que também teme represálias.
Da resistência sutil ao fechamento de faculdades
Os atuais poderosos da Rússia procuram fortalecer o sistema de vigilância e controle dentro das instituições de ensino superior, achando que delas emana uma ameaça, critica Dubrovsky. “Existe até uma nova profissão nas universidades: o vice-reitor de política educacional, encarregado de monitorar o comportamento ideologicamente correto dos discentes.”
No combate aos docentes com pontos de vista de oposição, o sistema os estigmatiza ativamente, difamando-os como “agentes estrangeiros”. O próprio sociólogo da Sociedade Sakharov foi rotulado assim pelas autoridades judiciárias em abril de 2022, devido a seu posicionamento contra a guerra na Ucrânia.
A etiqueta – que, aliás, já foi também aplicada a meios de comunicação como a DW – tem um efeito psicológico sobre os demais docentes, afirma um estudante russo. Também preferindo se manter anônimo, ele descreve o clima entre os professores de sua universidade como “nostálgico da velha época soviética”.
“Eles estão convencidos de que a Rússia restabelece o seu velho direito histórico, que foi pisoteado. Eles qualificam como ‘traidores’ os colegas que têm status de ‘agentes estrangeiros'”: seu próprio orientador o proibiu de citar literatura de “agentes estrangeiros” num trabalho científico.
A vigilância do comportamento “ideologicamente correto” de professores e estudantes das principais universidades russas também se baseia nas redes sociais, explica Dmitry Dubrovsky. Paralelamente, há cursos complementares em que a história é reescrita e a visão de mundo dos universitários é colocada de cabeça para baixo. No entanto, “alguns docentes resistem à coisa toda de um jeito sutil: eles leem o conteúdo do curso palavra por palavra, mas em tom de escárnio”.
Por vezes as autoridades chegaram ao ponto de fechar faculdades inteiras onde uma parte considerável do corpo docente não demonstrava lealdade para com os detentores do poder. O caso mais recente é o da Universidade Europeia de São Petersburgo, em que todo o departamento de Ciências Políticas foi dissolvido.