Alemanha ajudou a testar ideias que hoje florescem, como projeto comunitário pioneiro de gestão florestal no Tapajós. Em visita ao Brasil, ministra Schulze condiciona investimentos ao bem-estar das populações locais.Antes de ganharem o mundo, as peças de madeira passam pelas mãos de Valéria dos Santos Cardoso, auxiliar de movelaria e moradora da Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, no Pará. Na bancada estão alguns dos 7 mil massageadores que irão para os Estados Unidos; lixados, polidos, selados por ela. São feitos de jatobá, árvore de grande porte que cresce na Amazônia e foi retirada dali mesmo.

“É um trabalho muito bem planejado, não é de devastação. A madeira é retirada de forma sustentável para beneficiar as famílias que vivem na floresta”, diz Cardoso à DW enquanto maneja as peças.

É uma tarde especial para ela e os 300 associados da Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós (Coomflora). Eles recebem a visita inédita de três ministras interessadas em ouvir a trajetória de 19 anos de manejo comunitário na Amazônia.

Svenja Schulze, ministra alemã do Desenvolvimento, elogia o trabalho dos cooperados: “Isso não é bom apenas para as pessoas que vivem aqui, que têm uma renda a partir disso e também uma perspectiva, mas para todo o mundo. Quando a floresta que funciona como um ar condicionado do planeta é protegida, todos nós ganhamos”, afirma à DW.

Acompanhada por Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Schulze caminha por entre novas árvores que poderão se regenerar pelas próximas três décadas, ali onde a madeira já foi explorada.

Os primeiros testes do tipo na Flona Tapajós saíram do papel ainda nos anos 1990, com dinheiro da cooperação alemã.

“A cooperação aqui é uma demonstração de que esta é uma ação global, mas que se realiza no local”, comenta Silva. A brasileira argumenta que o enfrentamento às mudanças climáticas se faz “com parceria, com conhecimento, com respeito às comunidades e, sobretudo, mudando o modelo de desenvolvimento da forma predatória para a forma sustentável”.

Não é um momento fácil para Silva à frente da pasta. Servidores federais estão em greve por melhores salários e condições de trabalho, o Pantanal arde em chamas e a Amazônia dá sinais de que pode enfrentar outra seca em 2024.

Cooperação alemã pioneira

A Flona do Tapajós é uma unidade de conservação federal criada em 1974 e permite uso sustentável dos recursos. Com 5.270 quilômetros quadrados, ela foi pioneira no Brasil na exploração de madeira totalmente executada pelas comunidades locais. Quando o governo decidiu conceder parte da floresta para este fim, só empresas podiam participar. Os moradores se sentiram excluídos do processo, reclamaram e inauguraram um projeto piloto de manejo comunitário em 2005.

O apoio inicial veio do Banco de Desenvolvimento Alemão (KfW) e custeou, entre outras coisas, o treinamento da mão de obra para o corte preciso das árvores mapeadas, sem que nenhuma outra ao redor fosse danificada. A abertura de estradas temporárias também deveria causar o menor impacto possível.

“O uso sustentável da floresta é uma boa estratégia de conservação. E os resultados foram mostrando também para o setor privado que é um bom negócio”, diz Hans Christian Schmidt, coordenador de projetos florestas tropicais do KfW, que vive há mais de 30 anos no Brasil.

O orçamento para 2024 do Ministério do Meio Ambiente é de R$ 14,42 bilhões em recursos públicos. Já os recursos de projetos de cooperação, entre empréstimos a juros baixos e doações, totalizam R$ 4,5 bilhões neste ano, segundo números publicados pelo órgão.

“Esse dinheiro que vem de parceiros internacionais permite que se alcance feitos que, com o orçamento público, seria impossível de se obter porque permite que outros parceiros, como pesquisadores de universidades e a sociedade civil, sejam envolvidos também”, comenta Mauro Gomes, diretor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No caso da longa cooperação com os alemães, ele adiciona, a visita da ministra ao Tapajós é importante para provar, por meio do relato dos próprios moradores da floresta, como a boa gestão é uma alternativa ao desmatamento.

O retorno do Fundo Amazônia

É sobre este pensamento que o Fundo Amazônia, criado em 2008, se apoia. Ele é um outro “bolso” de dinheiro, abastecido por doações internacionais principalmente da Noruega e Alemanha. O Brasil só recebe quando consegue reduzir a taxa de desmatamento anual, e o recurso apoia projetos na Amazônia focados na prevenção, monitoramento e combate à destruição da floresta que impulsionam a preservação e uso sustentável.

O galpão onde hoje os trabalhadores da Coomflona produzem os móveis de madeira retirada da Flona do Tapajós foi construído com recursos do fundo. Ali são feitos armários, bancos, portas e janelas de origem certificada. Mas existem preocupações.

“Há uma pressão externa muito grande. Existem muitos interesses, empresas e pessoas que assediam as comunidades para ofertarem matéria-prima de forma irregular, predatória. E a madeira do entorno ainda é extraída, majoritariamente, de forma ilegal”, diz José Risonei Assis da Silva, gestor da unidade de conservação do ICMBio.

A ministra norueguesa de Desenvolvimento Internacional, Anne Tvinnereim, conhece o cenário. Em 2019, o país suspendeu a doação diante da alta do desmatamento na Amazônia. Na sequência, todo o fundo foi paralizado quando o então presidente Jair Bolsonaro tentou alterar a sua estrutura de governança.

“Esta visita é uma celebração do retorno do Fundo Amazônia e, sobretudo, dos resultados. Agora vemos que, com paciência, obtemos resultados muito importantes para o povo que vive aqui e para o mundo inteiro”, afirma Tvinnereim à DW, ao lado de Marina da Silva.

O fundo recebeu concretamente R$ 3,8 bilhões até agora, dos quais R$ 1,5 bilhão foram desembolsados.

Com cortes previstos para o Orçamento alemão de 2025 na área de cooperação internacional, Svenja Schulze admite que o cenário é amargo, mas diz que sua pasta vai focar na cooperação com o Brasil. “É uma dessas prioridades. Por isso, continuaremos a cofinanciar, por exemplo, o Fundo Amazônia e a colaborar com o governo aqui no futuro”, assegura.

As vozes da floresta

Durante os dois dias de visita na região do Tapajós, antes das reuniões do G20 que seguem até quarta-feira (24/07) no Rio de Janeiro, Schulze esteve com grupos de mulheres da Floresta Amazônica. Ela ouviu sobre a vida em comunidade, o combate a invasores e ao desmatamento, as ameaças enfrentadas.

Maria Ivete Bastos dos Santos, agricultora e sindicalista, contou que está jurada de morte há mais de uma década. Ela vive num assentamento agroextrativista com mais de 140 famílias de comunidades tradicionais como ribeirinhos, quilombolas e indígenas. Sem posse formal da terra, ela é ameaçada por grileiros e fazendeiros exportadores de commodities como soja, e já viu muitas lideranças na região serem assassinadas.

Com parcerias e financiamento de iniciativas sustentáveis no Brasil, a Alemanha também precisa dos recursos naturais do país para movimentar sua economia. A expectativa é que o território brasileiro seja um grande fornecedor de hidrogênio verde, uma das apostas alemãs para fazer a transição energética.

Questionada pela DW sobre o risco de a Alemanha financiar projetos que tragam impactos negativos para a população local, Schulze afastou essa possibilidade.

“Queremos realizar nossos projetos em parceria com o governo brasileiro para que todos se beneficiem. Isso significa que muitas energias renováveis que estão sendo desenvolvidas aqui no Brasil devem ser utilizadas aqui e, quando houver excesso para comercialização, como na produção de hidrogênio verde, queremos comprar no futuro. Mas queremos fazer isso de modo que gere valor agregado nos países e não seja prejudicial à população”, assegurou.