26/07/2024 - 12:18
Atleta chinesa de apenas 11 anos vai disputar provas em Paris 2024. Como a competição de alto nível impacta, física e mentalmente, na infância e na adolescência desses esportistas?A skatista chinesa Zheng Haohao, de 11 anos, a nadadora indiana Dhinidhi Desinghu, de 14, e dois atletas dos Estados Unidos, a ginasta Hezly Rivera e o corredor de revezamento Quincy Wilson, ambos de 16, são apenas alguns dos jovens atletas que competem nos Jogos Olímpicos de Paris. Em Tóquio, em 2021, a brasileira Rayssa Leal, na época com 13 anos, foi a brasileira mais jovem a subir ao pódio em todos os tempos. Ela conquistou uma medalha de prata na categoria street do skate.
Embora isso cause empolgação em relação ao futuro dos esportes, também surgem questões sobre os efeitos que a competição de elite têm sobre crianças e adolescentes.
“A adolescência é um período altamente volátil, física, fisiológica, cognitiva e psicossocialmente. Então, você sobrepõe ainda as exigências dos esportes competitivos em nível mundial e uau, como você navega com sucesso por isso?”, questiona Michael Bergeron, que pesquisa extensivamente o desenvolvimento de jovens atletas e trabalha com o Comitê Olímpico Internacional (COI).
“Você não pode prever o que vai acontecer. E em cada criança isso não acontece da mesma maneira, ao mesmo tempo, na mesma velocidade e no mesmo grau”.
Bergeron liderou uma pesquisa recente sobre o desenvolvimento de jovens e a participação deles em esportes de elite, que será publicada ainda este ano. A revisão visa reconhecer os elementos inerentes ao desenvolvimento juvenil enquanto também tenta definir o que pode ser modificados, como a intensidade do treinamento e os sistemas de apoio.
Com a indústria global de esportes juvenis em expansão, Bergeron e sua equipe querem que essa estrutura holística defina o padrão para todos os que trabalham com jovens que praticam esportes de alto nível.
“Este consenso não é uma receita para obter medalhas olímpicas. É uma estrutura que daria a cada jovem a melhor oportunidade de ter sucesso como criança, como pessoa e como atleta”, disse à DW.
Preocupações físicas para os jovens
Ao contrário dos Jogos da Juventude, que limitam a participação àqueles com idades entre 15 e 18 anos, os Jogos Olímpicos não têm uma idade mínima. A decisão cabe ao órgão que regulamenta cada modalidade esportiva. Na ginástica, por exemplo, é 16 anos, na natação, 14.
Para os jovens que visam ou chegam ao grande palco olímpico, há uma variedade de impactos a serem considerados. Fisicamente, os surtos de crescimento dos adolescentes ocorrem em momentos diferentes. Alguns jovens param de crescer aos 16 anos, outros aos 21, mas alcançar a estatura máxima não é o mesmo que completar o desenvolvimento esquelético.
“Temos esses locais chamados de apófises articulares”, explica Sean Cumming, pesquisador sobre crescimento e maturação no esporte na Universidade de Bath, na Inglaterra. “As apófises são onde os tendões se ligam ao osso, e quando a criança está crescendo, esses locais tendem a ser um pouco mais frágeis. Se houver uma tensão excessiva sobre esse local, o tendão não vai ceder, será o osso que vai ceder, e isso pode causar dor e problemas. Esses tipos de locais não serão totalmente fundidos, mesmo em um desenvolvimento precoce, até talvez os 21, 22 anos de idade. Portanto, se você está trabalhando com jovens atletas, realmente precisa ter cuidado em termos de gerenciar a carga que é colocada sobre eles”.
Desafios mentais
Rosemary Purcell, professora da Universidade de Melbourne, na Austrália, epecialista em saúde mental em esportes de elite, acredita que o quadro psicológico destes jovens está longe de ser simples.
“Há diferenças bastante acentuadas entre o que vemos na comunidade e nesses jovens atletas de elite”, afirma Purcell. “Alguns esportes têm uma taxa mais alta de transtornos alimentares e distúrbios de imagem corporal em jovens atletas, mas, por outro lado, eles podem ter taxas mais baixas de depressão e ansiedade do que veríamos no restante da comunidade”.
Purcell, que fez parte da última revisão do COI sobre o desenvolvimento juvenil junto com Cumming e Bergeron, questiona o impacto que haveria na saúde mental desses jovens atletas se fosse dito a eles que não poderiam competir devido a um mínimo de idade.
Para ele, é necessário mudar a mentalidade da gestão de crises para proteção e prevenção. “Isso significa entender como são ambientes mentalmente saudáveis. Quais são os comportamentos lá? Como é a influência do treinador e dos pais? Precisa mudar claramente para essa lente de prevenção e promoção”, defende Purcell.
“A boa notícia é que, na minha opinião, muito disso virá de baixo para cima, porque os jovens agora estão tão conscientes, às vezes até demais, das questões de saúde mental. Eles vão mudar a conversa porque querem ser vistos de maneira mais holística”.
Mensagens e métricas erradas?
Mas a mudança também terá que vir de cima, como apontou a britânica Cath Bishop, medalha de prata em Atenas 2004 no remo.
“Isso nos leva à questão da cultura, da liderança, tudo isso é bastante fraco e, muitas vezes, não é o cerne do motivo pelo qual você é empregado em seu trabalho como treinador, diretor de desempenho ou mesmo como CEO”, disse Bishop, agora autora e consultora.
“Recompensamos treinadores ou os demitimos de acordo com se ganharam medalhas, não de acordo com o quão bem trataram as crianças. Portanto, suas métricas estão distorcendo o comportamento. Sabemos que isso é o que acontece sempre que transformamos uma medida em uma métrica, o comportamento é distorcido para alcançá-la”.
Talvez o elefante na sala aqui seja o propósito subjacente dos Jogos Olímpicos. Não há como negar que parte da decisão do COI de introduzir novos esportes é convencer uma geração mais jovem de que os Jogos Olímpicos valem seu tempo, mas com a evolução vem uma chance aumentada de dano colateral. A estrutura mencionada anteriormente, espera-se, ajudará muito a mitigar esses danos.
“Então ganhamos uma medalha, danificamos uma pessoa. Danificamos muitas outras pessoas ao longo do caminho. Qual é o valor social disso? É bastante negativo”, destaca Bishop à DW. “Com o tempo, há espaço para começarmos a desconstruir uma medalha. Bem, nós a compramos. Basicamente, pagamos milhões de libras e danificamos pessoas ao longo do caminho. Isso nos torna melhores?”.
Não há resposta simples para este problema complexo. Mas quando assistirmos às crianças competirem nos Jogos em Paris, um ambiente seguro e de apoio que lhes dê a melhor chance de florescer em todas as áreas parece ser o mínimo que devemos esperar.