Apesar de verões escaldantes não serem nenhuma novidade para os indianos, os meses habitualmente de maior calor – de abril a junho – este ano foram particularmente quentes na Índia – e até mortais. Em Nova Déli e nos estados do norte do Rajastão e Uttar Pradesh, as temperaturas chegaram a ultrapassar os 50 °C.

No período, o país enfrentou a pior onda de calor em mais de uma década. As condições climáticas extremas deixaram centenas de mortos e afetaram gravemente a saúde de milhares de pessoas.

Com a chegada da estação das monções, os indianos tiveram um alívio do calor. Neste mês, porém, chuvas torrenciais provocaram enchentes e deslizamentos de terra no norte e nordeste da Índia, matando dezenas de pessoas e afetando centenas de milhares. E tanto calor quanto inundações estão agravando um problema ainda mais mortal: a propagação de doenças.

“Além da tolerância humana”

Na Índia, dizem especialistas, as mudanças climáticas estão aumentando a propagação de malária, dengue, febre amarela, cólera e chikungunya, bem como doenças crônicas, especialmente entre os milhões de pessoas que já enfrentam problemas de saneamento, poluição, desnutrição e escassez de água potável.

Nos centros urbanos, “as temperaturas estão subindo além da tolerância humana, a umidade está aumentando, assim como o calor noturno”, disse à DW Sunita Narain, chefe do Centro de Ciência e Meio Ambiente (CSE), uma organização de pesquisa e defesa de interesse público sediada em Nova Déli.

Estudos recentes mostraram que a elevação da temperatura alguns graus acima dos níveis de calor do nosso corpo tem uma série de efeitos nocivos nas capacidades físicas e mentais humanas. Mulheres que trabalham em empregos sensíveis ao calor, como agricultura ou construção, por exemplo, correm risco de complicações relacionadas à gravidez.

Narain alerta que a cólera, uma doença que se pensava estar virtualmente erradicada, agora “voltou com força total”. Ao mesmo tempo, ela diz que o problema vai muito além do aumento das temperaturas.

“Não é a mudança climática que está trazendo a cólera. O fato é que é a má gestão do meio ambiente”, destaca.

Mortes por calor “escondidas” atrás de outras causas

Especialistas alertam que ondas de calor podem ser mais mortais do que se imagina, já que muitas mortes por altas temperaturas são atribuídas a outros fatores no atestado de óbito.

“A maioria das mortes que ocorrem durante ondas de calor não são registradas como conectadas a elas. É preciso haver uma formulação adequada de planos de ação contra o calor para cidades e vilarejos”, disse Dileep Mavalankar, ex-chefe do Instituto Indiano de Saúde Pública, à DW.

“O governo precisa implementar estratégias de longo prazo para minimizar a vulnerabilidade e as desigualdades entre as comunidades, especialmente quando as ondas de calor estão se tornando mais mortais a cada ano que passa”, acrescentou.

Um aumento nas doenças

Doenças sensíveis ao clima estão aumentando na Índia, com algumas delas mostrando uma ligação clara com as chuvas da temporada de monções e o calor. O governo também está ciente da ligação entre mortalidade e calor, e listou objetivos detalhados para desenvolver suas capacidades e preparar o sistema médico da Índia para mitigar riscos.

Porém, especialistas que tentam planejar e amenizar essas questões frequentemente enfrentam um problema: a falta de dados.

“Este é o primeiro obstáculo que precisamos superar se quisermos salvar vidas”, disse à DW o cientista climático Roxy Mathew Koll, do Instituto Indiano de Meteorologia Tropical.

“A maioria dos dados não está disponível. Algumas cidades e distritos têm agregados anuais ou mensais, e por um curto período, que são insuficientes. Portanto, é possível prepararmos sistemas de alerta precoce que podem informar e salvar vidas e meios de subsistência se os dados estiverem disponíveis. Basicamente, os departamentos de saúde não compartilham os dados que têm”, acrescenta Koll.

Alas de resfriamento nos hospitais

Acredita-se que as crianças e os segmentos mais pobres da Índia estejam arcando com o peso dos riscos à saúde associados às mudanças climáticas.

Um estudo recente apresentado por autoridades indianas explorou a associação entre parâmetros climáticos e doenças infecciosas em uma pesquisa de três anos envolvendo 461 menores de 16 anos na cidade de Varanasi, no norte do país. Os pesquisadores estabeleceram que parâmetros climáticos como temperatura, umidade, precipitação, radiação solar e velocidade do vento estavam significativamente associados a doenças infecciosas como enfermidades gastrointestinais, respiratórias, transmitidas por vetores e de pele nas crianças.

Chandra Bhushan, chefe do Fórum Internacional para o Meio Ambiente, Sustentabilidade e Tecnologia, sediado na Índia, disse à DW que a construção de uma infraestrutura de saúde resiliente é crucial para lidar com extremos climáticos.

Este ano, por exemplo, o governo de Déli pediu aos hospitais que iniciassem um plano de ação para alívio do calor e garantissem a preparação para lidar com incidentes relacionados às elevadas temperaturas. Em maio, queixas relacionadas ao calor representaram um aumento entre 10% e 15% de consultas, além de cerca de 10% de atendimentos a mais no departamento de emergência.

“Em Déli, os hospitais foram solicitados a montar rapidamente novas alas de resfriamento para lidar com pacientes com doenças relacionadas ao calor. Muitas outras cidades enfrentaram desafios semelhantes”, disse Bhushan.

De acordo com o ativista, o impacto na nutrição e na saúde devido à crise climática está agora sendo estudado – e, isso deve, por sua vez, impactar a agricultura da Índia.

“Agora, portanto, há um foco maior em culturas resilientes ao clima e, no último orçamento, o governo anunciou o lançamento de mais de cem novas culturas resilientes ao clima”.

Com as mudanças climáticas cobrando um alto preço da saúde, o pesquisador diz que a Índia terá que “se adaptar e investir” para impulsionar sua infraestrutura de saúde resiliente.