Regime ainda não divulgou resultados detalhados após órgão eleitoral controlado pelo chavismo declarar “vitória” de Maduro. Protestos eclodem por todo o país e forças chavistas dão início à perseguição de opositores.O departamento de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) declarou nesta terça-feira (30/07) que não tem como reconhecer o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, que na véspera declarou Nicolás Maduro como “vencedor” na eleição presidencial. Segundo a OEA, o regime chavista aplicou todo o “manual da manipulação fraudulenta” para distorcer o resultado real.

Na madrugada de segunda-feira, o presidente do CNE, Elvis Amoroso, um aliado de Maduro, anunciou que o autocrata havia vencido o pleito com 51,2% dos votos, e que o resultado era irreversível. Amoroso se limitou a ler uma folha de papel diante das câmeras. O site do CNE segue fora do ar, e o regime ainda não divulgou nenhum resultado detalhado ou disponibilizou todas as atas da eleição. Não se sabe nem mesmo se a contagem total foi de fato completada.

A oposição, que montou uma enorme operação para fotografar o máximo de boletins de urna e atas possíveis durante o pleito, afirma que tem como provar que seu candidato, Edmundo González, teve mais que o dobro de votos que Maduro.

“Mais de seis horas após o encerramento da votação, o CNE fez um anúncio […] declarando vencedor o candidato oficial, sem fornecer detalhes das tabelas processadas, sem publicar a ata e fornecendo apenas as porcentagens agregadas de votos que as principais forças políticas teriam recebido”, afirmou o órgão da OEA.

“Durante todo esse processo eleitoral, o regime venezuelano aplicou seu esquema repressivo, complementado por ações destinadas a distorcer completamente o resultado eleitoral, tornando-o vulnerável para a manipulação mais aberrante”, prossegue a OEA. “O manual completo da manipulação fraudulenta do resultado eleitoral foi aplicado na Venezuela na noite de domingo, em muitos casos de forma muito rudimentar.”

“As evidências mostram um esforço do regime para ignorar a vontade da maioria expressa nas urnas por milhões de homens e mulheres venezuelanos. O que aconteceu mostra, mais uma vez, que o CNE, as suas autoridades e o sistema eleitoral venezuelano estão a serviço do Poder Executivo e não dos cidadãos”, completou o departamento de Observação Eleitoral da OEA.

Oposição diz que tem como provar fraude

A líder oposicionista María Corina Machado garantiu na segunda-feira que a oposição tem meios para provar a “vitória esmagadora” de Edmundo González Urrutia nas eleições presidenciais.

“Temos 73,2% das atas e, com este resultado, o nosso presidente eleito é Edmundo González Urrutia […] A diferença foi tão grande, tão grande, a diferença foi esmagadora, a diferença estava em todos os estados da Venezuela”, frisou a ex-deputada, ao lado de González, líder da Plataforma Unitária Democrática (PUD), o maior bloco da oposição.

Machado indicou que, de acordo com 73,2% das atas, Maduro obteve 2.759.256 votos, enquanto González Urrutia 6.275.182. A oposicionista explicou que todas essas atas foram verificadas e digitalizadas. Elas já foram disponibilizadas num portal de internet criado pela oposição.

“Temos nas mãos os registos que demonstram a nossa vitória categórica e matematicamente irreversível”, afirmou González, agradecendo à comunidade internacional por sua solidariedade e apoio.

Perseguição a oposicionistas

Forças de segurança do regime chavista também deram início ao que parece uma onda de perseguição contra a oposição. Pelo menos quatro membros da oposição, três deles figuras de destaque e um cuja identidade não foi revelada, foram presos nas últimas horas.

Vários canais de televisão, entre eles a VPI TV, transmitiram através do YouTube os momentos das detenções, mostrando homens vestidos de preto e sem identificação visível e prendendo os oposicionistas, que depois foram levados em viaturas.

Um dos detidos é o dirigente do partido Vontade Popular (VV) – a sigla de María Corina – e coordenador do movimento oposicionista Com a Venezuela, Freddy Superlano. Também foi detido o coordenador juvenil do partido Causa Radical, Rafael Sivira, e um outro representante da oposição cuja identidade não foi revelada. Na ilha venezuelana de Margarita, foi detido o ex-presidente da Câmara Municipal de Marcano, José Ramón Díaz.

Protestos eclodem na Venezuela – estátuas de Chávez são derrubadas

Protestos se espalham por toda a Venezuela desde que o CNE declarou Maduro, há 11 anos no poder, como o vencedor do pleito. A polícia do regime vem reagindo com violência contra os manifestantes.

Um grupo de monitoramento local, o Observatório Venezuelano de Conflitos, disse ter registrado 187 protestos em 20 estados, até as 18h00 de segunda-feira, com “vários atos de repressão e violência” cometidos por grupos paramilitares ligados ao regime e forças de segurança. Balanços apresentados ONGs apontam pelo menos quatro mortos, 44 feridos, 46 detidos e 25 desaparecidos.

Muitos venezuelanos também realizaram “panelaços”. Alguns bloquearam vias, acenderam fogueiras, inclusive perto do palácio presidencial de Miraflores, em Caracas. Vídeos registraram várias estátuas que representam Hugo Chávez – o antecessor e padrinho político de Maduro – sendo derrubadas e vandalizadas pelo país.

“Estamos cansados desse governo, queremos uma mudança. Queremos ser livres na Venezuela. Queremos que nossas famílias voltem para cá”, disse um manifestante, referindo-se ao êxodo de cerca de mais de 7 milhões de venezuelanos nos últimos anos.

O país já foi palco de grandes ondas de protestos em 2013, 2014, 2017 e 2019, que tiveram como gatilho tanto a ruína econômica que aflige a Venezuela quanto acusações de manipulação de resultados eleitorais. Em todos os casos, o regime reagiu com violência, e a repressão deixou dezenas de mortes.

Maduro reage à pressão externa expulsando diplomatas

O resultado divulgado pelo CNE só foi reconhecido por países aliados de Maduro, na maioria ditaduras ou regimes que encenam eleições de fachada regularmente. Maduro recebeu felicitações da China, Rússia, Irã, Nicarágua, Cuba e Belarus.

Já o Chile, Argentina, Estados Unidos, Espanha, Uruguai, Paraguai, Costa Rica foram críticos e sinalizaram suspeitas de fraudes no processo. A União Europeia pediu “total transparência”. O regime chavista reagiu ordenando a expulsão de diplomatas de sete países latino-americanos.

O Brasil, por sua vez, após horas de silêncio, evitou felicitar Maduro, à espera de mais dados sobre a votação. Em nota, o Itamaraty disse aguardar “a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”.

jps/av (DW, AFP, Lusa, ots)