Libertação de agente do FSB condenado em Berlim à pena perpétua de prisão por assassinato de checheno em 2019 foi decisiva para sucesso de acordo entre o Ocidente e o Kremlin.A cooperação do governo alemão foi crucial para o acordo entre a Rússia e países do Ocidente que resultou na libertação de 24 prisioneiros, dos quais 16 haviam sido detidos pelo Kremlin sob condições questionáveis.

A principal figura da troca, que envolveu diversos países, é Vadim Krasikov, um russo condenado pela execução, em 2019, de um ex-rebelde checheno em Berlim.

A Rússia havia abordado os Estados Unidos já em 2022 com uma oferta para libertar prisioneiros americanos em troca de Krasikov, que cumpria pena perpétua na Alemanha. Mas diplomatas americanos não achavam que a oferta era genuína, já que Krasikov não estava sob custódia deles.

O presidente russo Vladimir Putin havia sinalizado recentemente em uma entrevista ao apresentador americano Tucker Carlson que estava aberto a uma troca de prisioneiros envolvendo Krasikov.

Mas a decisão de libertá-lo era politicamente complicada para a Alemanha, já que o assassinato – praticado em plena luz do dia, em um parque a poucos metros do Parlamento e da Chancelaria – é tido pelo país como uma afronta.

Após a libertação de Krasikov, o Kremlin admitiu que ele era um agente do FSB, o serviço secreto russo – num sinal de que o assassinato em Berlim foi, de fato, uma encomenda de Moscou.

“Krasikov é funcionário do FSB”, afirmou o porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov. Segundo Peskov, o assassino “serviu com algumas outras pessoas que trabalham na segurança do presidente”.

É a primeira vez que a Rússia admite que um de seus agentes assassinou alguém no exterior. Até então, o país negava veementemente qualquer relação com a morte, como o fez em casos semelhantes, como a tentativa de envenenamento do agente duplo Sergei Skripal, em 2018, ou diversas execuções de chechenos vivendo em Istambul.

Por que a Alemanha aceitou libertar Krasikov?

“Tomar essa decisão de deportar um assassino condenado à prisão perpétua depois de poucos anos na prisão não foi fácil pra ninguém”, disse o chanceler federal Olaf Scholz.

Segundo ele, o interesse do Estado em assegurar o cumprimento da pena de um condenado por um crime grave teve que ser reavaliado diante da possibilidade de libertar inocentes e presos políticos encarcerados na Rússia.

“Temos a obrigação de proteger cidadãos alemães”, justificou Scholz, atribuindo a decisão também a um senso de “solidariedade para com os Estados Unidos”.

Nisso, Scholz teve o aval até mesmo do líder da oposição, o conservador Friederich Merz.

Scholz interrompeu suas férias de verão para receber pessoalmente os 12 libertos que chegaram à Alemanha – a maioria deles dissidentes críticos ao regime de Vladimir Putin e à guerra na Ucrânia.

Dentre os 12 libertos, cinco detém a cidadania alemã. O caso recente mais proeminente na imprensa alemã era o de Rico Krieger, 30, preso em Belarus e sentenciado à morte por “terrorismo”. Os demais são Patrick Schoebel, 38, preso no início deste ano acusado de portar cannabis, e Dieter Voronin, Herman Moyzhes e Kevin Lik – os três têm dupla cidadania russa e alemã e foram acusados de “traição”, sendo que Lik tem apenas 19 anos.

Após cumprimentar os ex-prisioneiros, Scholz reforçou que a troca era “a decisão certa”. “E se você tinha alguma dúvida, vai perdê-las após falar com os que agora estão livres”, assegurou a repórteres. “Muitos temiam por sua saúde e mesmo por suas vidas.”

O escritório alemão da Anistia Internacional comemorou a soltura de inocentes e dissidentes, mas disse que o acordo deixava um “gosto amargo” ao equiparar “um assassino e outros criminosos condenados em julgamentos justos” e “pessoas que apenas exerceram seu direito à liberdade de expressão”.

“Acordo com o diabo”

Segundo um artigo de opinião publicado no tabloide alemão Bild, a soltura de ativistas e cidadãos alemães presos injustamente pelo Kremlin era algo a ser saudado, mas “a mensagem perversa enviada ao povo russo é de que Putin é um herói” por “salvar assassinos”.

O porta-voz do governo alemão Steffen Hebestreit defendeu a soltura de Krasikov, dizendo que ela só foi possível por causa da deportação para a Rússia de agentes dos serviços de inteligência do Kremlin presos na Europa.

“Às vezes, por razões de humanidade, é preciso fazer um acordo com o diabo”, justificou o chefe do comitê do Parlamento alemão para assuntos exteriores, Michael Roth.

Biden agradece à Alemanha

O presidente americano Joe Biden reconheceu que a Alemanha teve que fazer concessões significativas para viabilizar a troca de prisioneiros. Por Scholz, “particularmente”, ele disse ter um “grande sentimento de gratidão”.

O acordo, segundo Biden, “exigiu de mim a obtenção de algumas concessões significativas da parte da Alemanha, que no início concluiu que não seria possível por causa da pessoa em questão [Krasikov]”.

As conversas entre Biden e Scholz já estariam ocorrendo há meses. Em janeiro, ao sondar seu colega alemão sobre a troca de prisioneiros, ouviu dele que “por você, farei isso”, de acordo com o assessor da Casa Branca Jake Sullivan.

A força da aliança entre EUA e Alemanha

Para Danielle Gilbert, cientista política na Universidade Northwestern, líderes nos Estados Unidos e Alemanha decidiram que valia a pena tomar a decisão “difícil e dolorosa de garantir a liberdade de prisioneiros detidos injustamente na Rússia”.

“Os líderes que estão engajados nessa diplomacia estão tentando fazer o que eles podem para obter o melhor acordo possível para trazer de volta seus cidadãos.”

Gilbert afirma que Biden mobilizou os “fortes aliados dos Estados Unidos, apelando particularmente à Alemanha e à força da aliança” entre os dois países, “assegurando-se de que prisioneiros importantes para a Alemanha seriam libertados”.

A cientista política se disse ainda impressionada com a dimensão do acordo, envolvendo diversos países.

“Ver 24 pessoas de sete países sendo libertadas como parte desse acordo – isso é um montante imenso de coordenação e demonstra que às vezes, para fazer um acordo, você tem que botar mais coisas na mesa”, afirma.

ra (AP, dpa, Reuters, ots)