Seleção da nação mais jovem do mundo, independente há apenas 13 anos, compete pela primeira vez nos Jogos Olímpicos. Um raio de esperança no contexto de pobreza e guerra civil, também para o restante do continente.Se alguém dissesse ao jogador de basquete sul-sudanês Nuni Omot que um dia ele estaria frente a frente com os astros LeBron James e Steph Curry nos Jogos Olímpicos de Paris, ele não teria acreditado. Nascido num campo de refugiados, percorreu uma carreira nômade, participando de times de países tão distantes como China e Porto Rico. Porém, jamais atuara num palco esportivo desse porte.

“É uma experiência louca poder estar nesta posição”, comentou Omot após a derrota de sua seleção para os Estados Unidos por 103 a 86, na quarta-feira (31/07). “Enfrentar alguns dos maiores de todos os tempos no palco internacional, com o mundo todo assistindo, é algo que nunca pensei que fosse acontecer. Só de poder competir com esses caras, já é uma honra.”

Dias antes dos Jogos Olímpicos, em um amistoso, a equipe do Sudão do Sul havia perdido por apenas um ponto para os EUA, que tem um time que conta com alguns dos melhores jogadores da NBA, a elite do basquete mundial.

A biografia de Omot é típica da natureza de “últimos da fila” da equipe do Sudão do Sul, conhecida como Bright Stars: um talento originalmente cru, não cultivado, que começou tarde no esporte e foi então incluído num grupo díspar de jogadores residentes em todas as partes do mundo.

É apenas a terceira vez que o Sudão do Sul está presente nos Jogos Olímpicos e a primeira que o time de basquete masculino participa. Independente desde 2011 após décadas de conflito, a nação é mais nova do mundo e sempre figura no ranking das mais pobres.

O país é marcado por guerras civis e fragilidade política, econômica e militar. A luta pela independência gerou marcas nas forças armadas do país, divididas segundo linhas étnicas em grupos aliados a políticos. De acordo com a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o Sudão do Sul tinha, dez anos depois da sua independência, a maior crise de deslocados da África: 2,2 milhões de pessoas fugiram para países vizinhos, como Etiópia, Sudão e Uganda.

O time de basquete se qualificou para os Jogos Olímpicos contrariando todas as expectativas, tendo jogado sua primeira partida internacional oficial apenas sete anos atrás. Como ainda não há instalações de treinamento adequadas no Sudão do Sul, a equipe teve que se preparar em Ruanda.

Resumindo: ninguém esperava que eles estivessem lá, e agora estão ombro a ombro com os melhores do mundo. “Somos um país de que as pessoas não tinham ideia”, comenta Omot. “E agora, claro, depois dos Jogos Olímpicos, elas vão saber sobre a gente. Vai só abrir portas para a próxima geração.”

“Agora temos esperança”

Na arena em Lille, os jogadores sul-sudaneses foram acolhidos por uma torcida barulhenta de compatriotas – menos numerosa, é claro, do que sua contraparte americana, mas não menos intensa. Muitos torcedores vinham da Austrália, que abriga uma das maiores comunidades da diáspora sul-sudanesa.

“É um momento muito histórico para o país e para o povo do Sudão do Sul por todo o mundo”, comentou Sima Manyiel, enrolado numa bandeira nacional. “A gente vem de um país separado pela guerra: ter alguma paz, algo positivo, significa muito.” Para o torcedor Dom Abiem, o basquete uniu a nação: “Tem muita coisa nos deixando infelizes, não indo bem no país. Isso nos deu esperança.”

Outros acharam que a oportunidade de testemunhar a ocasião era boa demais para se perder, mesmo se não puderam assistir à partida pessoalmente. “Não temos ingressos, já estavam esgotados”, conta Susan Wuro, vinda da Bélgica com o marido e quatro filhos. “Nós queríamos vivenciar isso. Não é só para o Sudão do Sul, é para toda a África. É uma coisa grande para nós.”

No entanto, na estreia da seleção em Paris 2024, um incidente desagradável para o jovem país: no momento da execução do hino dos países competidores, os organizadores colocaram o hino do Sudão. O erro provocou desconforto e vaias na plateia que estava no Estádio Pierre Mauroy, em Villeneuve-d’Ascq, para assistir a equipe jogar contra Porto Rico. Os atletas permaneceram com a mão no peito, enquanto o som era trocado para o hino correto, que tocou em seguida.

Sudão do Sul agora está no mapa

“Estamos colocando um monte de sorrisos num monte de rostos”, resume o jogador de basquete Carlik Jones, americano naturalizado sul-sudanês. “Estamos dando esperança para um monte de crianças e famílias. O mais importante para mim é simplesmente tentar fazer todo mundo saber que tudo é possível.”

A ascensão da seleção do Sudão do Sul se deve em grande parte a Luol Deng. Nascido no país mas tendo passado a maior parte da vida no Reino Unido, ele recebeu a distinção de ser duas vezes selecionado para o All-Star Game da NBA.

Deng investiu capital próprio no desenvolvimento do time e, atualmente, atua como treinador assistente, além de ser o presidente da federação sul-sudanesa do esporte. Suas academias e campos de treino revelaram prodígios da diáspora ao logo dos anos, entre os quais o atual astro Khamam Maluach, cogitado para participar do evento NBA Draft em 2025 (evento anual no qual os trinta times da NBA podem recrutar jogadores que são elegíveis para ingressar na liga).

Para o jogador Marial Shayok, Luol Deng é “o nosso líder”, enquanto o colega Jones considera sua influência “inacreditável”. “Acho que ele merece todo o crédito. Só os sacrifícios que faz, as coisas que faz nos bastidores, que ninguém vê nem sabe. Eu elogio e agradeço muito a Deng.”

Como formula Nuni Omot, o Sudão do Sul agora está no mapa: “Vamos ser uma locomotiva. Não se pode ensinar tamanho, velocidade ou atletismo. Para alguns que aprendem depressa, acho que o futuro será muito luminoso.”