Grande maioria dos jovens da rede pública se sente excluída da elaboração do Novo Ensino Médio. Os professores, por seu lado, ressentem não ter a preparação necessária para os itinerários e estão desmotivados.”Na minha opinião, o novo ensino médio foi mal executado. Na teoria, seria uma flexibilização das grades curriculares e afastamento das matérias engessadas do antigo modelo. Na prática, muitas escolas, principalmente as públicas, passaram a oferecer itinerários e matérias totalmente inúteis aos alunos, enquanto excluíam matérias importantes para o desenvolvimento, e principalmente para o estudo de vestibulares, fora a falta de estrutura nas escolas para implementar tal modelo”

A fala acima é a percepção do Arthur, estudante do último ano do ensino médio na rede pública alagoense. Há algumas semanas, fiz um ensaio para uma disciplina do meu mestrado em políticas públicas e colhi dados sobre percepção de 564 estudantes da rede pública acerca da implementação do Novo Ensino Médio (NEM).

Em 2023, a Folha de S.Paulo fez um levantamento com as secretarias de Educação e descobriu que foram criadas ao menos 1.526 novas disciplinas para o NEM. Os nomes, admito, são muito criativos, e as propostas bem inovadoras e progressistas. Tem aula de oratória, de sentimento do mundo, de RPG, de culinária e até mesmo de empreendedorismo. O problema está, sobretudo, na execução e na implementação.

Percepção dos estudantes: deixados de fora

Dos estudantes que entrevistei, 77% não está gostando do NEM, e 87% não acredita que suas reais necessidades estão sendo atendidas.

A grande preocupação é com os vestibulares. Estes ainda estão de acordo com a grade tradicional e cobram disciplinas como matemática, biologia, história e geografia. No entanto, no NEM, muitos alunos tiveram a carga dessas disciplinas reduzidas drasticamente ou, em alguns casos, elas até mesmo foram retiradas da grade em dado momento.

Para a Jessica, outra estudante alagoense, “particularmente o NEM favoreceu apenas as escolas particulares”. “Escolas públicas foram afetadas pela perda de carga horária de matérias que são essenciais para vestibulares, assim como o próprio Enem. Existe sim, uma deficiência no NEM.”

Além da preocupação com o déficit que terão com os vestibulares, muitos estudantes não se identificam com as disciplinas criadas. Estas, por sua vez, foram pautadas em termos como “inovação” e “coesão com a realidade do estudante”.

Mas a prática foi diferente, e o problema começou desde a elaboração da política: 83% dos estudantes sentem que não foram consultados ou que não tiveram participação alguma na elaboração da política.

Professores: meras peças no tabuleiro

É sabido que os professores não são valorizados no Brasil. Essa desvalorização assume as mais diversas formas. Começa com uma remuneração, em muitos estados, abaixo do que deveria ser. Passa pelo fato de que toda e qualquer pessoa pode dar opinião sobre a atuação deles, mesmo sem formação alguma. Atravessa a perseguição política, muitos sendo chamados de comunistas ou de manipuladores de ideologia.

Por fim, a subestimação é tamanha, que quase nunca são tidos como especialistas em educação e perdem o espaço para qualquer grande executivo de qualquer grande ONG com um prédio chique na Avenida Paulista.

A elaboração do NEM não foi diferente. Os professores, no geral, não foram valorizados como deveriam durante o desenho da política. Foram, como sempre, convocados apenas na fase da implementação e como agentes da execução da política, mesmo ela não tendo sido elaborada por eles.

Qual o resultado? Professores que estão dando aulas de trilhas totalmente alheias às suas respectivas formações. É professor de biologia dando aula de oratória, professora de história ensinando empreendedorismo, professor de matemática lecionando culinária e professora de artes ensinando inteligência artificial.

Essas disciplinas, para que sejam minimamente bem executadas, requerem profissionais qualificados. Antes que alguém puxe minha orelha, quero sinalizar que meu ponto não é que nossa rede pública não conta com professores qualificados, mas sim que eles não foram capacitados para lecionar as disciplinas dos itinerários e, falando friamente, foram basicamente obrigados para que pudessem completar a grade.

Estes, os professores, estão desmotivados com os itinerários. Os alunos sentem. Segundo eles, alguns professores tentam brilhantemente fazer um bom trabalho, mas outros já não conseguem disfarçar a desmotivação.

O problema foi a elaboração

Qual foi o erro dessa política? Por que muitos professores e estudantes, os dois maiores públicos-alvo, na maioria dos casos, simplesmente não estão engajados e se identificando?

Bom, na minha visão, o maior erro foi na própria elaboração da política. Havia na agenda dos governantes, da mídia, de grandes ONGs e instituições, e também do próprio público das escolas, uma ideia de que a escola precisava ser repensada, modernizada e atualizada. De modo geral, que ela atendesse às reais demandas dos estudantes e fizesse sentido com o mundo ao redor deles.

Até aí, tudo bem. Eu, particularmente, sou fã da premissa de que tudo sempre pode ser melhorado.

O erro foi na elaboração. Os professores, os estudantes e os agentes dos colégios não foram verdadeiramente valorizados durante a fase da elaboração e do desenho da política. Como assim? Pouquíssimos deles tiveram voz alguma e em uma quantidade pequena o bastante para não representar o grupo. Como eu posso construir algo que verdadeiramente represente as demandas de um público se ele nem participa da construção? Não posso. Ainda que minhas intenções sejam belas, haverá uma lacuna entre o que elaborei e o que eles precisam.

Por fim, na implementação, eles voltam a fazer parte, mas apenas como peças do tabuleiro e para viabilizar a política, que no caso é o NEM. Desse modo, e com razão, simplesmente não se envolvem muito e, pior ainda, não se sentem pertencentes.

Me pergunto quando os professores e os estudantes serão os reais protagonistas das políticas da educação, sobretudo aquelas com atuação nos colégios. Será que vai acontecer algum dia?

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.