A empresa Tomorrow Bio, cofundada pelo brasileiro Fernando Azevedo Pinheiro e estabelecida na Alemanha, oferece na Europa serviços de criopreservação a pacientes que desejam ter seus corpos mantidos em nitrogênio líquido a temperaturas de -198ºC após a morte para que, em um futuro com tecnologias avançadas, possam ser “revividos”.

Atualmente, os valores do serviço prestado pela Tomorrow Bio estão em 200 mil euros (cerca de R$ 1,2 milhão) para quem deseja preservar seu corpo inteiro e 75 mil euros (equivalente a R$ 450 mil) aos que querem apenas o cérebro “congelado”. Apesar do alto valor, sete pessoas já foram criopreservadas, além de cinco animais de estimação, e outras 650 estão na fila.

+ Vantagens e riscos do congelamento de embriões

+ Microrganismos revivem após passar 24 mil anos congelados na Sibéria

A criopreservação não é algo novo e o processo já é conduzido por outras empresas nos Estados Unidos. A ideia é de que o corpo de uma pessoa falecida possa ser mantido em temperaturas baixas que evitam a decomposição para que ela possa ser “revivida” em um futuro cuja tecnologia avançada permitiria tal “ressurreição”. Em 2012, um brasileiro foi submetido ao procedimento no Instituto de Criogenia de Michigan e permanece “armazenado” no local.

Fernando Azevedo Pinheiro é formado em Engenharia de Produção Civil pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e deixou a área para trabalhar em startups de tecnologia. O brasileiro chegou a trabalhar na África do Sul em 2014 antes de voltar ao País e se mudou para a Europa em 2020 para abrir a Tomorrow Bio com seu sócio, o médico alemão Emil Kendziorra.

Fernando Azevedo Pinheiro (à esquerda) e seu sócio, o médico alemão Emil Kendziorra (à direita) (Crédito: imagem cedida pela Tomorrow Bio)

De acordo com o empresário, os custos do serviço da Tomorrow Bio são altos em consequência da manutenção dos corpos dos clientes no nitrogênio líquido. “Como você consegue manter uma pessoa criopreservada de maneira indefinida? Precisa de dinheiro”, pontua o brasileiro, acrescentando que não há promessas de que o paciente de fato “ressuscitaria”, apenas uma possibilidade.

“A morte não é um momento, é um processo”

Imagem de uma ambulância utilizada pela Tomorrow Bio para conduzir o processo inicial da criopreservação (Crédito: imagem cedida pela Tomorrow Bio)

Fernando Azevedo Pinheiro explica que, após um cliente ser declarado como legalmente morto, o objetivo principal é preservar o cérebro. “Normalmente somos notificados com antecedência e a gente manda nosso time médico com uma de nossas ambulâncias que, na verdade, são salas operatórias ambulantes”, esclarece.

O brasileiro informa que se inicia um processo chamado de estabilização quando a ambulância chega ao local e recebe permissão para atuar. “A gente começa a reduzir a temperatura do corpo, adiciona alguns medicamentos e faz um processo de suporte cardiopulmonar, colocando um equipamento que continua forçando o coração a bater para manter o fluxo de oxigênio, mesmo que ele tenha parado naturalmente.”

Ainda, segundo Pinheiro, são colocados remédios que impedem a reanimação do paciente. Ao diminuir as temperaturas do corpo, o metabolismo celular é reduzido e, quando chega aos 20ºC, se inicia um procedimento cirúrgico para impedir a formação de gelo nas estruturas celulares substituindo os fluidos corporais com um produto “crioprotetor”. Posteriormente, o organismo é colocado a -80ºC ainda dentro da ambulância, evitando a decomposição.

“Isso acumula bastante tempo. Muitas vezes não é possível liberar o corpo imediatamente e precisa de uma série de documentações”, comenta o brasileiro, citando como exemplo casos de atendimentos internacionais em que a equipe precisa se deslocar para outro país. “A partir do momento em que está tudo certo, transportamos a pessoa até nossa instalação na Suíça”.

De acordo com Pinheiro, a responsabilidade da Tomorrow Bio termina quando os clientes são colocados em um contêiner de três metros de altura com nitrogênio líquido da EBF (European Basis Foundation), uma organização irmã da empresa localizada na Suíça.

Armazenamento na Suíça

Imagem do laboratório da EBF na Suíça (Crédito: imagem cedida pela Tomorrow Bio)

Ao chegarem no local em que são armazenados, um laboratório subterrâneo em uma região próxima de Zurique, na Suíça, os clientes são colocados em temperaturas criogênicas e submergidos em um contêiner com nitrogênio líquido. “Em teoria, nesse nível, você preserva uma pessoa indefinidamente”, declara Pinheiro.

O empresário esclarece que os corpos são inseridos em um equipamento semelhante a um cilindro espelhado por dentro. “É como se fosse uma grande cápsula de aço inox com três metros de altura em que você consegue colocar quatro pessoas ou oito cérebros”, afirma o brasileiro, acrescentando que o motivo de não existirem compartimentos únicos é econômico.

Conforme Pinheiro, a Tomorrow Bio está em um projeto com a Universidade de Sevilha, na Espanha, para estudar como os corpos podem ser reaquecidos depois de submetidos ao nitrogênio líquido. “Há uma série de problemas técnicos que precisam ser resolvidos”, comenta.

Até o momento, sete pacientes foram criopreservados e o primeiro cliente foi submetido no início de 2023. “A gente deve ter alguns casos ainda este ano com alguns membros que estão em uma doença terminal ou em estado avançado. Tem uma senhora da nobreza alemã (inscrita) que já está com 92 anos”, contempla Pinheiro.

Ao todo, o complexo na Suíça possui capacidade máxima para receber 250 pessoas, mas pode ser expandido. Entretanto, o brasileiro acredita que um processo para aumentar as vagas irá demorar, já que a idade média dos clientes é de 36 anos. “Estamos tranquilos quanto a isso.”

Tomorrow Bio

O complexo que armazena os corpos de pacientes fica localizado em região próxima de Zurique, na Suíça (Crédito: imagem cedida pela Tomorrow Bio)

O empresário explica que qualquer pessoa pode se inscrever no processo de criopreservação e o cliente precisa ler um documento que o informa de que não há garantias de sucesso. “A maioria dos nossos membros estão cientes disso, concordam com isso e acreditam que essa tecnologia irá funcionar um dia”, afirma.

O brasileiro complementa que indivíduos de qualquer idade podem se inscrever e até mesmo animais de estimação também podem ser submetidos ao procedimento. “Tem pessoas que colocam a família inteira”, comenta Pinheiro, explicando que os corpos dos pacientes são categorizados como “doados para a ciência”.

Ainda, Pinheiro acrescenta que parte do montante pago pelos pacientes vai para a TPF (Tomorrow Patient Foundation), uma organização sem fins lucrativos associada à Tomorrow Bio composta por um conselho voluntário de pessoas que também serão criopreservadas e investe as quantias em ativos de baixo risco, como títulos do Tesouro dos Estados Unidos, para cobrir a inflação. “O único propósito (da TPF) é garantir que as pessoas estão preservadas de maneira correta e ser o guardião legal do paciente”, explica.

Pinheiro revelou que há uma expectativa de expandir os negócios da Tomorrow Bio para os Estados Unidos e, futuramente, ao México e ao Brasil.

**Estagiário sob supervisão