15/05/2018 - 10:03
Por décadas, um físico teórico desafiou as suspeitas de seu governo e continuou a ensinar e pesquisar, sem se render ao medo da vigilância e da repressão. Educado na Europa, ele publicou extensivamente e construiu uma reputação internacional. Sofreu defendendo as liberdades políticas em seu país de origem e os direitos de alunos que tinham os mesmos valores. Por fim, ele fugiu, buscando a segurança de universidades nos Estados Unidos.
Isso não foi em 1930 nem envolveu Albert Einstein. Ocorreu em 2012, quando o Instituto de Educação Internacional do Fundo de Resgate Acadêmico (IIE-SRF, na sigla em inglês) – programa que dirijo – recebeu seu pedido de ajuda. Esse cientista renomado é um dos milhares de acadêmicos deslocados de modo forçado e permanente de seus países de origem. A história se repete. Esperamos que as lições aprendidas com o passado nos ensinem e nos protejam de futuras crises. Mas chegamos ao fim de 2017 registrando que milhares de vidas foram revogadas pela violência e instabilidade.
Considere os milhões de pessoas deslocadas no século 20 (sabemos que o termo “refugiado” não os define). São mães e pais, irmãos e irmãs, netos e sobrinhos. São vizinhos e membros de nossas comunidades. Formaram a base de nossas cidades, cruzaram fronteiras para unir culturas e economias. Várias dessas pessoas fizeram isso por meio do seu trabalho acadêmico, ensinando nas universidades locais, publicando a última descoberta científica.
Einstein teve a sorte de estar nos Estados Unidos em 1933, quando Hitler chegou ao poder. O saque à sua casa convenceu-o de que não podia mais chamar a Alemanha de lar. Depois de uma breve estada na Europa, ele voltou para os EUA, onde se juntou ao recém-criado Instituto de Estudos Avançados em Princeton. Não precisamos entender as teorias de Einstein para saber que o mundo científico se beneficiou imensamente delas.
Destaques acolhidos
Poucos de nós têm consciência de que milhares de cientistas e estudiosos refugiados da Europa do pós-guerra se destacaram em seus países de acolhimento, mesmo diante da rejeição por essas comunidades e academias nacionais. Nos EUA, nos anos 1930 e 1940, o Comitê de Emergência em Auxílio aos Acadêmicos Estrangeiros Deslocados, um consórcio de organizações de refugiados (que incluiu o IIE), ajudou cerca de 400 pessoas, incluindo 100 físicos, a encontrar cargos acadêmicos.
Segundo a economista Petra Moser, apenas nos EUA o número de patentes subiu mais de 30% em campos comumente estudados por cientistas judeus nos anos 1930. O efeito de ondulação positivo para as gerações vindouras é inestimável. A era de Einstein incluiu Erwin Schrödinger, que fugiu da Áustria para se juntar ao Instituto de Estudos Avançados de Dublin no fim dos anos 1930 – seu trabalho em física teórica ganhou o Prêmio Nobel em 1933. E o físico germano-americano Hans Bethe, vencedor do Nobel de Física em 1967, não só foi importante no desenvolvimento da bomba de hidrogênio, como fez campanha com Einstein contra a corrida nuclear.
Mais de um terço dos prêmios Nobel ganhos pelos EUA em ciência, tecnologia, engenharia e matemática foi atribuído a cientistas estrangeiros. Atualmente, continuamos a celebrar os refugiados por suas contribuições para a ciência e a sociedade., cofundador do Google, tinha apenas 6 anos quando a repressão acadêmica na União Soviética levou seu pai a fugir com a família para os EUA, em 1979.
Desde 2002, o IIE-SRF conduz o legado do Comitê de Emergência, auxiliando acadêmicos afligidos por conflitos e perseguições. A maioria dos acadêmicos com os quais trabalhamos foi deslocada ou está à beira do deslocamento em longo prazo. Eles são perseguidos por causa de seu trabalho acadêmico, religião, etnia e, cada vez mais, por apoiar colegas acadêmicos. No auge do conflito no Iraque, de 2007 a 2013, ajudamos a colocar centenas de cientistas em universidades dos países vizinhos, depois que eles receberam cartas anônimas ameaçando seus cargos e suas famílias. Após alguns anos de apoio na diáspora, a maioria voltou ao Iraque ou manteve sua produção acadêmica na região.
Abertura de portas
A cada ano, milhares de acadêmicos precisam de um lugar seguro para prosseguir em seu trabalho. Nosso programa tem fornecido apoio financeiro vital e conexões a mais de 700 acadêmicos de mais de 50 países. Mas é difícil estimar quantos cientistas deslocados perderam permanentemente seu trabalho acadêmico e nunca poderão reconstruí-lo em um ambiente seguro.
Milhares de estudiosos deslocados sofrem porque suas publicações – perdidas no pânico da fuga – podem expor registros on-line que os manteriam em segurança, ou por enfrentarem barreiras linguísticas. Sem recursos disponíveis (como bolsas de estudo) e portas abertas em universidades e instituições científicas, o cientista que não obteve o reconhecimento de um Einstein tem pouca ou nenhuma chance de reviver seu trabalho acadêmico.
O Fundo de Resgate Acadêmico surgiu dos quase cem anos de história do IIE de ajudar estudantes e acadêmicos ameaçados, e está entre as poucas iniciativas formalizadas que dão apoio essencial a pessoas desse nicho. Criado em 1933 pelos principais acadêmicos e cientistas britânicos em resposta à decisão de Hitler de expulsar centenas de estudiosos líderes de universidades alemãs por motivos raciais, o Conselho de Acadêmicos em Risco (Cara, na sigla em inglês) trabalha com a Rede de Acadêmicos em Risco (fundada em 2000) e a Iniciativa Philipp Schwartz, da Fundação Alexander von Humboldt, da Alemanha.
O programa Pause do Collège de France ajuda a receber cientistas no exílio, e a Academia Mundial de Ciências (TWAS, na sigla em inglês), programa da Unesco baseado em Trieste, na Itália, apoia cientistas refugiados, sobretudo os de países em desenvolvimento. Organizações e universidades na Bélgica, na União Europeia, no Canadá e na Jordânia também auxiliam acadêmicos refugiados. Mas há muito mais a ser feito para garantir que o capital intelectual mundial semeie inovação e descoberta para as gerações vindouras.