Ao não aceitar seguir leis do Brasil e por isso preferir fechar escritório do X, multimilionário age como “dono da bola”. Infelizmente, nesse caso, não se trata de brincadeira de playground, mas de assuntos muito sérios.”Meninos mimados não podem reger a nação.” A frase, do rapper Criolo, traz uma verdade: é realmente perigoso quando alguém com comportamento de criança mimada resolve ser, por exemplo, presidente de um país. Mas ainda pode ser pior: o menino mimado pode querer reger o mundo.

Esse parece ser o caso do multimilionário Elon Musk, o homem mais rico do mundo, que entra em polêmica dia sim e dia não e, como proprietário das gigantes Tesla e do Twitter (que ao comprar ele nomeou de X), atua como uma espécie de dono do mundo, fazendo o que bem quer e sem noção de limite.

No último sábado, ele levou isso ao extremo e anunciou que fecharia o escritório do X no Brasil. A notícia causou alarme, pois a primeira impressão que dá é que o Brasil ficaria sem Twitter (ou sem X). Não é verdade. Ele mesmo explicou que os brasileiros continuariam tendo acesso à rede social. O que ele fechou teria sido uma “firma” onde trabalhavam cerca de 40 pessoas, já que a maioria dos empregados do Twitter foi demitida em 2022, quando Elon comprou a empresa.

O motivo da saída é um show de menino mimado: basicamente, Musk se recusa a cumprir as leis e regras do Brasil. E, contrariado, respondeu: “não quero mais brincar”. Explicando: o milionário anunciou o fechamento do X no país dizendo que estava sendo perseguido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

“A decisão de fechar o escritório X no Brasil foi difícil, mas, se tivéssemos concordado com as exigências de censura secreta (ilegal) e entrega de informações privadas de @alexandre, não haveria como explicar nossas ações sem ficarmos envergonhados”, alegou Musk.

Junto com a nota, ele anexou o suposto despacho recebido por seus advogados, que teria sido enviado pelo ministro Alexandre de Moraes. O documento postado por ele parece um ofício padrão, onde os advogados da empresa são intimados para que tomem providências necessárias e cumpram, no prazo de 24 horas uma decisão anterior para bloquear contas de usuários da rede. Caso não cumprissem, diz o documento, a administradora da empresa poderia ser presa e a direção deveria pagar uma multa de R$ 20 mil por dia. No ofício, é explicado que eles não haviam respondido a vários contatos da justiça.

Não há nada de escandaloso nisso. Afinal, o X, sendo uma empresa que atua no Brasil, está sujeita, como todas e todos, às autoridades brasileiras e às leis do país. E, pelo menos no caso atual, quando a justiça pede o bloqueio de um perfil, é porque ele está agindo contra a lei, seja publicando conteúdo de ódio, fake news e por aí vai. Mentira não é liberdade de expressão. E também não existe o direito à ofensa.

Além disso, como todo mundo devia saber, o Brasil tem muitos problemas, mas não é uma ditadura e não vive sob regime de censura no momento. Existem leis, assim como em todos os países, e elas devem ser cumpridas. Simples assim.

Quando fala que não aceita seguir as leis do Brasil e por isso prefere fechar o escritório, o multimilionário age como um “dono da bola”, aquele personagem da infância que achava que podia inventar e mudar as regras do jogo. Infelizmente, no caso de Elon Musk, não se trata de uma brincadeira de playground, mas de assuntos muito sérios, como propagação de discurso de ódio e fake news.

F… a União Europeia

Não é só o Brasil que Elon trata como seu playground. No momento, ele briga também com a União Europeia.

No dia 12 de agosto, o comissário da UE Thierry Breton publicou no X uma carta onde alertava que a empresa tinha que seguir as regras previstas pelo novo regulamento digital do bloco europeu. A reação de Musk foi citar uma piada do filme satírico americano Trovão Tropical: “Eu realmente queria responder com esse meme, mas eu nunca seria tão rude e irresponsável”, escreveu em seu perfil. Logo abaixo, ele postou postou um meme onde está escrito: “literalmente, f.. sua própria cara”. Maturidade: cinco anos.

O caso Tesla em Brandemburgo

A lógica “o mundo é o meu playground” é usada pelo milionário também na Tesla. Nós, que moramos na Alemanha, sabemos disso, já que Elon Musk é uma espécie de vizinho problemático de todos nós. Isso porque, em 2020, ele começou a construir em Grünheide, em Brandemburgo, nos arredores de Berlim.. Desde então, tudo tem sido caótico e leis não são cumpridas.

Para dar uma ideia da loucura: a construção da mega fábrica, feita em tempo recorde, começou antes mesmo que a empresa tivesse todas as licenças formais para começar a levantar a obra.

Eles simplesmente fizeram, desobedecendo várias regras, principalmente ambientais. A empresa já foi multada pelo menos seis vezes pela Secretária de Meio Ambiente de Brandemburgo e há denúncias sérias de acidentes durante a obra e de infrações que poderiam gerar multas de 500 mil euros.

No momento, eles fazem uma expansão da fábrica, novamente sem licença definitiva de aprovação da obra. O governo de Brandemburgo deu para eles uma “licença provisória”. Os moderadores da área são contra a expansão, assim como ambientalistas. Mas Musk não está nem aí. E segue ganhando aplausos e seguidores fanáticos por causa desse seu “jeitão”. Quinta série. Sim, ele faz tudo isso e, para muitos, é um herói. Complicado.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.