20/08/2024 - 12:08
De comentários negligentes e “stalking” ao estupro e feminicídio, 3 mil casos ocorrem diariamente, em apenas dois países britânicos. Governo considera estratégias para combater a misoginia com mais rigor.Todos os dias registram-se, apenas na Inglaterra e País de Gales, cerca de 3 mil casos de violência contra mulheres e meninas, incluindo sexual, doméstica, perseguição (stalking) e abuso infantil. O dado provém do relatório apresentado no fim de julho pelo conselho de comissários National Police Chiefs’ Council (NPCC).
Antes da pandemia de covid-19, os números eram um terço menores. A polícia britânica registra um “estado de emergência nacional”. Em reação, a nova ministra do Interior, Yvette Cooper, anunciou a intenção de combater essa forma de criminalidade com mais vigor, já eliminando o mal pela raiz.
Até outubro, o Ministério do Interior do Reino Unido pretende divulgar um estudo sobre formas de combater o extremismo crescente com mais êxito. E nele, a misoginia será abordada de forma semelhante ao extremismo de direita ou islâmico. Cooper considera estreitas demais as diretrizes adotadas até o momento. De acordo com a definição comumente aceita, misoginia é a depreciação radical da mulher, indo até à violência e o feminicídio – matar alguém só por ser do sexo feminino.
Já há bastante tempo a polícia britânica vem alertando contra uma piora dramática da situação das mulheres e meninas no país. Isso se deve também à radicalização crescente dos homens jovens, cujo modelo, explica a vice-comissária nacional Maggie Blyth, é, por exemplo, o influenciador Andrew Tate.O autointitulado misógino é notório há anos nas redes sociais por suas assertivas de ódio: para ele e seus seguidores, mulheres não passam de uma propriedade do homem, e devem estar sempre sexualmente disponíveis. Na Romênia Tate é acusado de tráfico humano e estupro.
“Incels” também na mira do governo britânico
A análise Tracing online misogyny (Rastreando a misoginia online) mostra que, nos últimos anos, a misoginia tem se tornado cada vez visível na internet, por exemplo “através de uma linguagem desenfreada, em que se deseja violência e estupro para as mulheres”. O estudo foi realizado por Das Nettz, um “ponto de conexão contra discurso de ódio nas redes”, em cooperação com a empresa de TI Textgain, da Bélgica.
“Precisamos educar uma geração que tenha uma postura saudável perante meninas e mulheres, senão mais tarde vamos nos confrontar com uma geração inteira de misóginos”, adverte a ministra britânica da Educação, Bridget Philippson. Pois a radicalização já se faz notar desde a escola.
A nova estratégia antiextremismo poderá também atingir a cultura dos “incels” (involuntary celibates). Culpando as mulheres e os “homens-alfa” por seu “celibato involuntário”, eles partilham sua visão de mundo misógina em fóruns e redes sociais.
Por vezes, os “incels” conclamam ao ódio e à violência, ou se voltam contra determinados indivíduos, denunciando-os através de “cartazes de procurado” ou fotos, como descreve a publicação da alemã Fundação Heinrich Böll intitulada Movimento antifeminista de direitos dos homens.
A secretária de Estado britânica Jess Phillips explicou à emissora LBC que não se trata de criminalizar quem exiba sinais de uma determinada ideologia, mas sim de evitar essa ideologia. Nesse contexto, o semanário alemão Die Zeit cita a estratégia antiterrorismo Prevent, já aplicada em 2007 pelo governo trabalhista, voltada sobretudo contra o extremismo de direita e islâmico.
Prevent, uma estratégia antirradicalização controvertida
A estratégia prevê, entre outros pontos, que funcionários da assistência social para jovens ou da saúde relatem sobre indivíduos em que percebam tendências iniciais de radicalização. Estes podem então ser encaminhados a um programa antirradicalização.
O website do governo para a Prevent enumera os tipos de sinal a que atentar: justificativa da violência, recusa de cooperar com determinados grupos humanos, e o uso de símbolos ou roupas reveladoras de conexões com organizações terroristas. A partir do terceiro semestre de 2024, a estratégia poderá passar a ser aplicada também a colegiais suspeitos de atitudes misóginas extremas.
A Prevent não é livre de controvérsias, sendo criticada já há anos como “programa de espionagem”. Também nas redes sociais não há apenas aplausos desde o anúncio dos novos planos do governo. Alguns usuários perguntam, por exemplo, por que o ódio contra homens não é também classificado como extremista, ou quem define o que é misoginia extrema.
Outras instâncias, como a Bold Voices, preferem sensibilizar os jovens sobre o que são comentários misóginos, antes de denunciá-los como extremistas. Para abrandar a situação, os workshops da plataforma de esclarecimento sobre discriminação de gênero visam tanto abordar o assédio e violência sexual que as jovens sofrem, quanto ajudar os rapazes a falarem sobre a pressão a que se sentem submetidos.