Essas enormes massas de gelo que se estendem por montanhas de todo o mundo são preciosas fontes de água doce e estão desaparecendo rapidamente com a mudança climática.Um post sobre a rápida perda de gelo glacial que se tornou viral nas redes sociais evidenciou o choque que muitas pessoas sentem com os efeitos do aquecimento global em paisagens icônicas.

A publicação no X do ambientalista David Porter, de Bristol, na Inglaterra, mostra-o com sua esposa no glaciar do Ródano, na Suíça. Fazia 15 anos que eles não eram fotografados no local. A grande perda de gelo nesse período o afetou profundamente. “Não vou mentir, isso me fez chorar”, escreveu. E ele não é o único que se entristece.

Cerimônia fúnebre para geleira perdida

As geleiras, ou glaciares, são massas de gelo formadas por camadas sucessivas de neve compactada e recristalizada e que esculpiram montanhas e vales ao longo de milênios – a mais antiga fica na África do Sul e tem 2,9 bilhões de anos.

Mas em todo o planeta, as geleiras – que contêm água doce suficiente para cerca de 2 bilhões de pessoas – estão derretendo. É provável que pelo menos metade das geleiras de montanha do mundo desapareça até 2100, à medida que o planeta se aqueça devido à mudança climática.

As sociedades nas quais o frio é um elemento cultural central estão lutando para lidar com essa perda. Em 2019 foi realizada uma cerimônia fúnebre na geleira Okjökull, na Islândia, considerada a primeira a ser perdida devido ao aquecimento global.

Os presentes desvelaram uma placa anunciando que todas as principais geleiras da Islândia deverão desaparecer nos próximos 200 anos.

Embora as montanhas e sua “infinidade de ecossistemas” também sejam elementos culturais importantes, são as geleiras que tornam essas paisagens “únicas na imaginação das pessoas”, observa o especialista em glaciologia Giovanni Baccolo, da Universidade de Milão-Bicocca, na Itália.

Baccolo também publica fotos nas mídias sociais comparando as geleiras de hoje com as de um século atrás. “As geleiras são um mundo à parte”, acrescenta. “[Elas são] ícones das montanhas.” Quando essas calotas de gelo derreterem, as gerações futuras não desenharão montanhas alpinas “com um chapéu branco”, acrescentou.

Como as geleiras se formam

O gelo de geleira é classificado como uma rocha monomineral (uma rocha feita de apenas um mineral. A maior parte do gelo de geleira se forma por meio da transformação de dezenas de milhares de flocos de neve em cristais de gelo de geleira.

O processo de glaciação começa quando a neve se acumula e se transforma em gelo, que então se expande à medida que as quedas anuais de neve superam o derretimento no verão.

As geleiras de montanhas ao redor do mundo acumularam gelo enormemente durante as eras glaciais. Elas então se deslocaram ladeira abaixo devido ao seu próprio peso e abriram cânions imponentes, como os encontrados no Vale de Yosemite, na Califórnia, ou nos Alpes do Sul, na Nova Zelândia.

Nos meses quentes do ano, quando as cerca de 200 mil geleiras de montanha do mundo descongelam parcialmente, elas liberam água doce para rios e afluentes. Essa água beneficia lavouras, comunidades e ecossistemas que abrangem 25% da população mundial.

Porém, isso só pode continuar se o gelo perdido nos meses quentes for recuperado a cada inverno com neve suficiente. E, na maioria das regiões, esse não é mais o caso.

Agora que muitas dessas gigantescas “torres de água” estão recuando devido ao aquecimento global, a seca atinge rapidamente regiões que dependem delas. Isso inclui a América do Sul, onde algumas geleiras dos Andes, na Bolívia e no Peru, perderam mais de 50% de sua massa desde a década de 1980. O resultado é a escassez permanente de água para a agricultura e vilarejos.

Porém, também há anomalias. Na Cordilheira do Caracórum, localizada na fronteira entre o Paquistão, a China e a Índia e que se estende até o Afeganistão, algumas geleiras têm lentamente se expandido nas últimas décadas. Especialistas afirmam que isso se deve a padrões climáticos específicos da região e que o aquecimento do clima também acabará por atingir o Caracórum, que contém alguns dos picos mais altos do mundo, como o K2.

Derretimento acelerado na Europa

Nos Alpes europeus, as geleiras estão derretendo num ritmo muito maior do que o da recomposição, dizem cientistas.

Na Suíça, um paraíso para os praticantes de esqui, as geleiras perderam um recorde de 10% de seu volume em apenas dois anos, entre 2022 e 2023. Essa perda equivalente a 30 anos de recuo entre 1960 e 1990. Anteriormente, um recuo de 2% num ano era descrito como extremo.

Esse rápido declínio glacial foi atribuído ao calor extremo, à falta de neve e a um derretimento prolongado no verão, pois 2022 foi o ano mais quente já registrado na Europa. Os anos de 2023 e 2024 mantiveram a tendência, sendo que ambos provavelmente serão os mais quentes já registrados no mundo.

Estudos demonstraram que a mudança climática antropomórfica é a maior causa do recuo glacial acelerado. Nas taxas atuais, vastas geleiras nos Alpes suíços, como a Morteratsch, que remonta ao início da Pequena Era Glacial, há cerca de 750 anos, perderão mais de 70% de seu volume em 40 anos.

Ainda é possível salvá-las?

As geleiras não conseguem mais crescer quando perdem sua cobertura protetora de neve que reflete o sol. Ao contrário, o gelo derrete ainda mais rapidamente.

Alguns estão determinados a salvar o que restou. O glaciologista suíço Felix Keller e sua equipe de engenharia criaram um sistema de canos para reciclar a água do derretimento glacial e criar uma camada de neve reflexiva que possa proteger a geleira Morteratsch.

“Tentei fazer alguma coisa. Quero ser parte da solução e não do problema”, diz Keller no documentário Saving Glaciers.

Outros pesquisadores também estão pesquisando métodos para desacelerar o derretimento. Alguns resorts de esqui começaram a usar lonas reflexivas, também chamadas de geotêxteis, para proteger o gelo do derretimento no verão, com prós e contras.

O grande problema é o uso dos geotêxteis em grandes áreas. A geleira suíça Aletsch, por exemplo, cobre cerca de 78 quilômetros quadrados de território montanhoso. E o gelo da Jostedalsbreen, na Noruega, a maior geleira da Europa, está espalhado por mais de 500 quilômetros quadrados.

Colocar um cobertor que reflita a luz sobre uma área pequena funciona, mas isso protege apenas uma pequena parte de uma geleira: cobrir a superfície acidentada inteira é muito difícil e caro.

Num estudo que analisou os esforços para combater o derretimento das geleiras nos Alpes, os pesquisadores concluíram que seria muito caro proteger os mais de 250 mil quilômetros quadrados de geleiras de montanha do mundo com esse método.

Já no Himalaia indiano, as chamadas estupas de gelo – um grande cone de gelo que se parece vagamente com os túmulos cerimoniais budistas conhecidos como estupas – foram desenvolvidas redirecionando a água dos riachos de altas altitudes para vilarejos nos vales e a recongelando.

A mesma técnica já foi adotada no Quirguistão, no Chile, na Mongólia e em outros países, ajudando vilarejos a lidar com a escassez de água causada pelo recuo glacial.

No entanto, cientistas afirmam que, à medida que o mundo se aquece, essas pequenas geleiras artificiais acabarão tendo o mesmo destino das naturais: derreter.

A única solução de longo prazo é reduzir as emissões de gases de efeito estufa, que alimentam a mudança climática, insistem.

Mesmo assim, se a humanidade conseguir limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius – na melhor das hipóteses – metade das geleiras existentes deverá desaparecer até o fim do século.