A meses das eleições presidenciais de novembro, EUA acusam a Rússia – não pela 1ª vez – de interferir na campanha eleitoral. Moscou teria inúmeras vezes tentado deslegitimar o processo democrático ao redor do globo.Na semana passada, as autoridades eleitorais americanas voltaram suas atenções para uma empresa no estado do Tennessee. A firma é acusada de receber dez milhões de dólares da emissora Russia Today (RT) para “gerar e disseminar conteúdo com mensagens ocultas do governo russo para o público americano”.

O dinheiro, mais especificamente, teria sido utilizado para produzir vídeos que promoviam principalmente narrativas de extrema direita em temas como migração, gênero e economia, tendo em vista as eleições americanas em novembro de 2024.

Esses vídeos foram distribuídos nas redes sociais através de vários influenciadores que trabalhavam para a empresa no Tennessee – supostamente, sem que eles soubessem que esse material era criado com envolvimento da Rússia quando, de fato, teria sido produzido por dois funcionários da RT.

As perspectivas expressas nos vídeos estão “com frequência, em linha com os interesses do governo russo em aprofundar as divisões dentro dos Estados Unidos”, afirmam os indiciamentos emitidos contra os funcionários da empresa. O objetivo seria “enfraquecer a resistência aos interesses centrais da Rússia, como na guerra na Ucrânia.”

Interferência global

O caso atual fornece somente uma pequena abertura sobre como a Rússia supostamente age para influenciar eleições, apesar de Moscou regularmente negar qualquer tentativa de interferência.

“Há anos a Rússia vem tentado influenciar eleições em países democráticos, como o pleito presidencial nos EUA, em 2016, ou as eleições presidenciais na França, em 2017”, afirma Julia Smirnova, do Centro para Monitoramento, Análise e Estratégia de Berlim (CeMAS), um instituto que estuda desinformação e ideologias conspiratórias na internet.

Já em outubro de 2023, os EUA enviaram um relatório de inteligência para 100 nações amigas ao redor do globo alertando que a Rússia estaria utilizando ativamente “espiões, redes sociais e a mídia estatal” para sabotar a confiança pública na integridade das eleições democráticas mundo afora.

Entre 2020 e 2022, isso teria ocorrido em ao menos nove Estados cujos nomes não foram mencionados, sendo que em outros 17 países teria havido um “nível menos pronunciado” de atividades russas nas redes sociais, no intuito de reforçar preocupações domésticas sobre a integridade do processo eleitoral. Houve também relatos de tentativas russas de influenciar as eleições europeias, em junho deste ano.

Intimidação, desinformação e manipulação

A caixa de ferramentas utilizada para esse fim é bastante grande. Em uma eleição não especificada na Europa, em 2020, participantes da campanha eleitoral teriam sido intimidados.

A imprensa estatal russa é acusada de disseminar massivamente alegações falsas de fraude eleitoral em várias eleições democráticas ao redor do globo, em 2020 e 2021. Em ao menos um país da América do Sul, Moscou teria semeado dúvidas sobre a lisura das eleições.

“Diversos métodos foram utilizados, por exemplo, ataques de hackers, através dos quais, documentos internos de políticos foram vazados, fossem eles verdadeiros ou parcialmente misturados com documentos falsos, como nas eleições francesas de 2017”, afirma Smirnova. “A Rússia também utiliza manipulação da opinião pública via redes sociais com a ajuda de perfis não autênticos e via canais abertos, como a RT.”

A chamada “campanha sósia” é exatamente o que o nome diz: o elemento central, explica Smirnova, são “portais de internet dos principais veículos da imprensa ocidental clonados”, como a revista Spiegel e o jornal FAZ, na Alemanha; o Washigton Post e a emissora Fox News nos EUA, e muitos outros.

Esses portais são recriados para serem enganosamente similares aos originais, com a diferença de que esses sites somente publicam conteúdo pró-Rússia. “Alguns desses conteúdos eram histórias fabricadas, enquanto outros eram artigos que espalhavam certas opiniões políticas”, explica Smirnova.

Os links para esses artigos eram postados nas redes sociais, às vezes até nos comentários de matérias verdadeiras em portais de imprensa reais. A analista da CeMAS diz que se tratava de “narrativas pró-Moscou sobre a guerra na Ucrânia, com as quais Moscou tenta sabotar o apoio a Kiev no Ocidente.”

Objetivo de longo prazo: minar a democracia

O objetivo da interferência russa deixou de ser apenas disseminar e reforçar posições pró-Rússia, por exemplo, em conexão com a guerra na Ucrânia. “A meta sobrejacente é promover os interesses geopolíticos da Rússia e desestabilizar os países que o Kremlin vê como seus oponentes.”

Com essa finalidade, o debate polarizador nas democracias é incensado e, se possível, as divisões já existentes nessas sociedades são ainda mais aprofundadas.

Dentro dessa perspectiva, os partidos políticos mais periféricos também estão sendo fortalecidos com argumentos e recursos financeiros. Em 2022, o Washington Post reportou que ao menos 300 milhões de dólares teriam sido destinados a partidos pró-Rússia ao redor do mundo, incluindo em Estados menores como a Albânia, Montenegro, Madagascar e Equador.

Segundo as agências americanas de inteligência, forças ligadas ao Kremlin utilizam empresas de fachada, think tanks e outros meios para influenciar eventos políticos, com frequência, em favor de agremiações de extrema direita.

Em março de 2024, o serviço secreto da República Tcheca BIS revelou uma rede de influência financiada pela Rússia. A denúncia revelou, entre outras coisas, que Peter Bystron, um membro do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), teria recebido pagamentos em dinheiroque teriam sido, supostamente, processados através do portal de internet pró-Moscou Voice of Europe, sediado em Praga.

Esses financiamentos também teriam sido enviados para partidos de extrema direita na França, Polônia, Bélgica, Holanda e Hungria.

Resistência

A Rússia, por fim, segundo um relatório americano de inteligência de outubro de 2023, persegue dois objetivos: retratar as eleições democráticas como não confiáveis, de modo geral, e deslegitimar os governos que delas surgem. Isso, por sua vez, desestabiliza as democracias, enfraquecendo os adversários da Rússia mundo afora.

Esses países, no entanto, não estão completamente indefesos. “Os EUA, por exemplo, demonstraram isso ao apreender 32 domínios de internet na semana passada que foram usados nas ‘campanhas sósias'”, explica Smirnova.

No longo prazo, contudo, também se trata de “fortalecer a resiliência das sociedades democráticas”. Isso inclui programas educacionais para aumentar a conscientização de mídia para os mais jovens e os adultos, de modo que eles estejam cientes de que também podem rapidamente virar alvos da influência online russa.

“Todos os anos, a Rússia investe recursos consideráveis em suas campanhas ao redor do mundo”, diz Julia Smirnova. “Devemos levar muito a sério essas tentativas. Mas, devemos também estar cientes de que as tentativas russas de influenciar pessoas que nem sempre atingem seus objetivos.”