16/09/2024 - 8:37
Para justificar decisão, governo alemão diz que sistema de acolhimento de refugiados está sobrecarregado. Polônia e Grécia criticam controles dentro do Espaço Schengen.A Alemanha ampliou nesta segunda-feira (16/09) os controles nas suas fronteiras terrestres, uma decisão que foi prontamente criticada por outros países europeus, como a Polônia e a Grécia.
A partir desta segunda-feira, a Polícia Federal alemã verificará os documentos de viajantes não apenas nas fronteiras do leste e do sul, mas também nas do norte e do oeste. A medida, que atinge os limites com a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, Luxemburgo e a França, se soma ao que já estava em vigor nas fronteiras com a Polônia, a República Tcheca, a Áustria e a Suíça.
Os novos controles são inicialmente limitados a seis meses, ou seja, até 15 de março de 2025, e podem ser estendidos por até dois anos em casos justificados. Como a Alemanha fica no centro do Espaço Schengen, os controles adicionais podem levar a interrupções no movimento de pessoas e mercadorias.
O primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, afirmou que a Alemanha está colocando em risco todo o Espaço Schengen com seus controles ampliados.
O primeiro-ministro da Gerécia, Kyriakos Mitsotakis, afirmou que a resposta à migração irregular não pode ser a abolição unilateral do Tratado de Schengen e que transferir o problema para os outros países signatários “não pode ser tolerado”.
Medida de “último caso”
Viajar dentro da área do Tratado de Schengen, que abrange 29 países (25 da União Europeia e ainda Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça) é possível sem controle de passaportes e filas. Somente nas fronteiras externas e nos aeroportos é necessário apresentar o passaporte.
Controles de fronteiras internas são previstos somente sob certas condições. No entanto, são os Estados membros que decidem se essas condições foram atendidas e, em seguida, apenas notificam a adoção dos controles à Comissão Europeia, em Bruxelas.
O executivo da UE pode apenas fazer uma advertência aos países-membros por causa dos controles de fronteira, mas nunca o fez. No atual caso, a Comissão apenas reafirmou que os controles de fronteira devem ser uma exceção e uma medida de “último caso”. Além disso, os controles devem ser estabelecidos temporariamente, no mais tardar por três anos.
A ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, do Partido Social Democrata (SPD), justificou a decisão com o alto número de imigrantes não autorizados que entram no país e um sistema de acolhimento de refugiados sobrecarregado.
Além disso, o governo em Berlim considera as novas medidas necessárias para “a proteção da segurança interna contra as atuais ameaças do terrorismo islâmico e da criminalidade transfronteiriça”, depois de um ataque mortal a faca em Solingen, reivindicado pelo grupo extremista Estado Islâmico.
Centenas de exceções
A Alemanha não é a única a ampliar seus controles de fronteira. Oito outros membros de Schengen já instalaram postos em suas fronteiras internas. Desde 2006, 441 medidas de controle nos Estados do Espaço Schengen foram notificadas, a maioria delas na França.
Depois dos ataques terroristas de 2015 e 2016, o governo em Paris reservou-se o direito de controlar permanentemente todas as suas fronteiras terrestres. Os controles são repetidamente estendidos, variando a justificativa, entre elas ameaça de terrorismo, pressão migratória, espionagem russa ou grandes eventos esportivos.
A Alemanha também controla sua fronteira com a Áustria desde 2015, com a explicação de que deseja reduzir o número de solicitantes de refúgio que entram no país e o risco de terrorismo. A Áustria, por sua vez, controla suas fronteiras com a Eslováquia, a República Tcheca, a Hungria e a Eslovênia com as mesmas justificativas.
Os controles atingiram seu auge durante a pandemia de covid-19, há quatro anos, quando quase todos os países da Europa Central tentaram combater a disseminação do vírus por meio de controles de passaporte e fechamento parcial das fronteiras, o que gerou congestionamentos e muitas reclamações de viajantes e caminhoneiros.
Como é na prática
Resta a questão de como executar, na prática, uma medida tão ampla. O encarregado de polícia do Parlamento alemão, Uli Grötsch (SPD), descreveu os controles adicionais de fronteira como um grande desafio, lembrando que 1.200 quilômetros seriam acrescentados aos 2.400 quilômetros já controlados. Ele enfatizou que mais policiais são urgentemente necessários para isso.
O Sindicato da Polícia (GdP) também expressou dúvidas sobre a viabilidade dos controles adicionais devido à falta de pessoal. As forças já estão sobrecarregadas e são necessários mais 5 mil policiais para cumprir as novas tarefas de controle, disse um dos diretores do sindicato. O comando da Polícia Federal rejeita as críticas e afirma haver forças suficientes disponíveis para implementar os novos controles.
De acordo com o governo da Baviera, os controles na fronteira com a Áustria, que já existem, são pontuais e se baseiam em verificações visuais. Isso significa que nem todos têm seus documentos verificados. Somente veículos que parecem suspeitos são interceptados. Controles em rodovias também são possíveis, mas não de forma geral e ininterrupta.
O ministro do Interior de Luxemburgo, Leon Gloden, disse à DW que Faeser lhe garantiu que os controles afetarão o menos possível o tráfego de veículos e a vida cotidiana e que eles não serão realizados nas pontes que levam a Luxemburgo.
As regras de Dublin
Com os controles, o governo federal quer identificar pessoas que tentam entrar na Alemanha “sem autorização”. Somente aquelas que não apresentarem uma solicitação de refúgio ao chegarem à fronteira podem ter seu ingresso prontamente rejeitado.
Se um pedido de refúgio for apresentado na fronteira, as autoridades alemãs devem verificar se são as responsáveis pela análise ou se o solicitante já apresentou ou poderia ter apresentado pedido semelhante em outro país da UE.
O solicitante poderá, então, ser enviado de volta ao país onde fez seu primeiro pedido de refúgio ou pelo qual ingressou no espaço Schengen – se esse país concordar.
Esse procedimento, previsto nas chamadas regras de Dublin do Acordo de Schengen, pode levar meses. Por isso, a ministra alemã Faeser está exigindo que as consultas aos bancos de dados de refúgio da UE e as negociações com os demais países da área de Schengen sejam aceleradas.
Enquanto a responsabilidade pela análise dos pedidos não for esclarecida, os solicitantes de refúgio deverão ser acomodados perto da fronteira alemã e até mesmo detidos, se houver risco de fuga. Esses campos de detenção ainda precisariam ser construídos pelos estados alemães.
O governo da Áustria destacou sua posição sobre o assunto em declarações à imprensa alemã. “A Áustria não aceitará nenhuma pessoa que seja enviada de volta da Alemanha. Não há espaço para manobras”, disse o ministro do Interior, Gerhard Karner, aos jornais Bild e Frankfurter Allgemeine Zeitung. Ele reconheceu que a Alemanha tem o direito de mandar de volta as pessoas se um outro país da UE for o responsável pelo pedido de refúgio delas. Entretanto, argumentou que isso requer um procedimento formal e o consentimento do país em questão.
Ironia do governo da Hungria
De acordo com a Polícia Federal da Alemanha, 34 mil pessoas tentaram entrar no país sem autorização entre janeiro e julho de 2024. 17 mil tiveram sua entrada negada diretamente na fronteira. A outra metade teve permissão para entrar, e seus casos estão sendo tratados conforme as regras de Dublin.
No ano passado, a Polícia Federal deteve 127 mil pessoas na fronteira que estavam tentando entrar na Alemanha sem autorização. Um quarto teve sua entrada recusada diretamente na fronteira. Não há dados sobre o número real de tentativas de entrada no país nem sobre quantas pessoas a mais poderiam ter sido detidas se já houvesse mais controles nas fronteiras.
A Hungria, que ocupa a presidência rotativa do Conselho da UE, comentou as medidas anunciadas pelo governo alemão com certa malícia. Há anos o governo da Hungria é criticado por sua postura rígida contra a migração ilegal. “Agora parece que aqueles que sempre rejeitaram nossa abordagem estão eles mesmos a adotando. É engraçado como alguns anos e uma crise migratória podem mudar opiniões”, afirma um comunicado à imprensa do governo populista de direita em Budapeste.