24/09/2024 - 13:50
Militares israelenses e milícia xiita apoiada pelo Irã parecem estar à beira de uma guerra total. Líderes mundiais alertam que conflito pode desestabilizar todo o Oriente Médio.Israel e o grupo Hezbollah, do Líbano, voltaram a trocar ataques com bombas e mísseis nesta terça-feira (24/09), depois de um forte bombardeio israelense ter matado mais de 500 pessoas no dia anterior, segundo números do governo libanês.
Israel e Hezbollah, um grupo xiita apoiado pelo Irã que é a força armada mais poderosa do Líbano, parecem estar à beira de uma nova guerra total depois de as tensões entre os dois lados terem aumentado constantemente nos últimos 11 meses, com os últimos dias sendo marcados por uma rápida escalada no conflito.
Muitos temem que essa espiral de violência possa levar a uma guerra total entre Israel e o Hezbollah, o que desestabilizaria ainda mais uma região já abalada pelos combates na Faixa de Gaza.
Desde o início da guerra em Gaza, Israel e o Hezbollah lançaram repetidos ataques um contra o outro, mas ambos sempre recuaram quando a espiral de represálias parecia estar prestes a sair de controle.
Porém, nas últimas semanas, os líderes israelenses alertaram sobre uma possível operação militar maior para interromper os ataques originados no Líbano e permitir que centenas de milhares de israelenses deslocados pelos combates retornem às suas casas perto da fronteira norte.
Quais foram os ataques mais recentes?
Nesta terça-feira, um ataque aéreo israelense teve como alvo um comandante do Hezbollah num subúrbio ao sul de Beirute, disseram duas autoridades de segurança do Líbano à agência de notícias Reuters, sem identificar quem teria sido o alvo ou qual seu paradeiro. Os militares israelenses disseram que realizaram um ataque direcionado em Beirute, mas não deram detalhes. O governo do Líbano disse que seis pessoas foram mortas no ataque, e outras 25 ficaram feridas.
Antes, os militares israelenses disseram que, ao longo da noite passada, atingiram dezenas de alvos do Hezbollah no Líbano, um dia depois de terem executado ataques aéreos contra a milícia xiita.
Segundo o governo libanês, esses ataques mataram 558 pessoas, deixaram mais de 1.800 feridas e fizeram com que dezenas de milhares fugissem do sul do Líbano em busca de segurança.
O Hezbollah comunicou, também nesta terça-feira, ter atacado com mísseis Fadi-1 e Fadi-2 vários alvos militares israelenses durante a noite, incluindo uma fábrica de explosivos em Israel, a 60 km da fronteira com o Líbano, e o campo de aviação militar de Megiddo, próximo à cidade de Afula, no norte de Israel, e a base militar de Ramat David, perto de Haifa.
Israel justificou os ataques mortais desta segunda-feira afirmando que estava mirando depósitos de armas do Hezbollah. O Ministério da Saúde do Líbano afirmou que hospitais, centros médicos e ambulâncias foram atingidos.
Os militares israelenses alertaram os moradores no Líbano para que deixassem imediatamente as áreas perto de onde o Hezbollah estava armazenando armas. A mídia libanesa disse que o aviso de evacuação foi enviado em mensagens de texto.
O Hezbollah afirmou ter disparado dezenas de mísseis contra Israel, inclusive contra bases militares, e as autoridades disseram que uma série de sirenes de alerta de ataque aéreo tocaram no norte de Israel.
Na sexta-feira, um ataque aéreo israelense derrubou um prédio num subúrbio ao sul de Beirute, matando Ibrahim Akil, o comandante da unidade de elite Radwan do Hezbollah, e outros líderes importantes dessa unidade. Israel disse que Akil liderava a campanha de disparos com mísseis e drones contra o norte de Israel. Ao menos 45 pessoas foram mortas nesse ataque e mais de 60 ficaram feridas.
Esse ataque ocorreu após as explosõesde dispositivos eletrônicos, como pagerse walkie-talkies, usados pelo Hezbollah, na terça e na quarta-feira da semana passada. Ao menos 37 pessoas foram mortas, incluindo duas crianças, e cerca de 3 mil ficaram feridas. Israel não confirmou nem negou seu envolvimento nessas explosões.
Qual a situação na fronteira?
A região na fronteira entre Israel e o Líbano tem sido palco de ataques quase diários entre os militares israelenses e o Hezbollah desde o início da guerra entre Israel e o grupo palestino Hamas, motivada pelo ataque terrorista de 7 de Outubro.
Até esta segunda-feira, os disparos haviam matado cerca de 600 pessoas no Líbano – a maioria combatentes, mas também cerca de cem civis – e cerca de 50 militares e civis em Israel. Também forçaram centenas de milhares de pessoas que moram perto da fronteira a deixarem suas casas, tanto em Israel quanto no Líbano.
O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, prometeu retaliação às explosões dos aparelhos eletrônicos. Porém, o Hezbollah tem se mostrado cauteloso na hora de acirrar ainda mais o confronto. O grupo enfrenta o difícil equilíbrio de responder à altura aos ataques de Israel e ao mesmo tempo evitar um conflito em larga escala de consequências imprevisíveis.
O Hezbollah também tem afirmado que seus ataques contra Israel são em apoio ao Hamas, que assim como o Hezbollah também é apoiado pelo Irã. Na semana passada, Nasrallah disse que os bombardeios no norte de Israel vão continuar até a campanha de Israel em Gaza terminar.
O que Israel planeja contra o Hezbollah?
Os militares de Israel falaram nesta terça-feira em intensificar ainda mais sua campanha de bombardeio no Líbano. “Não podemos deixar o Hezbollah descansar. Devemos continuar com toda a nossa força”, disse o chefe do Estado-Maior, general Herzi Halevi, de acordo com militares, acrescentando que os ataques devem ser intensificados e que mais forças militares serão mobilizadas.
Halevi disse também que Israel estava preparando suas “próximas fases” de operações contra o Hezbollah e que seus ataques aéreos eram “proativos”, tendo como alvo a infraestrutura do Hezbollah construída nos últimos 20 anos.
Na semana passada, o chefe do Comando Norte de Israel foi citado na mídia local defendendo uma invasão terrestre do Líbano, o que não foi anunciado oficialmente por Israel.
Porém, com os combates em Gaza menos intensos, Israel elevou suas forças ao longo da fronteira libanesa, incluindo uma poderosa divisão do Exército que, acredita-se, inclua milhares de soldados.
O ministro da Defesa, Yoav Gallant, declarou na semana passada o início de uma “nova fase” da guerra, à medida que Israel volta seu foco para o Hezbollah. “O centro de gravidade está se deslocando para o norte”, disse.
Uma trégua intermediada pela ONU para a guerra de 2006 previa que o Hezbollah recuasse 29 quilômetros a partir da fronteira, mas isso não ocorreu, e a milícia acusou Israel de também não cumprir algumas cláusulas do acordo. Israel agora está exigindo que o Hezbollah se retire de oito a dez quilômetros da fronteira – o alcance dos mísseis guiados antitanque do Hezbollah.
Qual seria o impacto de uma nova guerra entre Israel e Hezbollah?
Uma nova guerra entre Israel e o Hezbollah poderia criar instabilidade em todo o Oriente Médio.
Entre as possíveis opções de Israel estão a invasão do sul do Líbano e a ampliação dos ataques aéreos para atingir mais subúrbios do sul de Beirute controlados pelo Hezbollah ou a infraestrutura libanesa, incluindo pontes e rodovias que foram explodidos na guerra de 2006.
O Hezbollah seria um inimigo mais difícil para Israel do que o Hamas. Criado em 1982 pela Guarda Revolucionária do Irã para combater a então invasão israelense no Líbano, o Hezbollah tem vasta experiência, é altamente disciplinado e possui armamento melhor do que seu aliado palestino.
O governo de Israel enfrenta a pressão pública para proteger sua fronteira norte e permitir aos moradores da região que retornem às suas casas.
A atual situação aumentou ainda mais os temores de que os Estados Unidos, aliado próximo de Israel, e o Irã, que apoia milícias em todo o Oriente Médio (o Hezbollah, os rebeldes houthis no Iêmen e grupos armados no Iraque) sejam arrastados para uma guerra mais ampla.
O Hezbollah já declarou não querer uma guerra mais ampla. Uma nova guerra pode vir a ser ainda pior do que a de 2006, que foi traumática o suficiente para que ambos os lados se contivessem desde então.
Naquela ocasião, os combates deixaram centenas de membros do Hezbollah e cerca de 1.100 civis libaneses mortos e grandes áreas do sul e até mesmo partes de Beirute em ruínas. Mais de 120 soldados israelenses foram mortos e centenas ficaram feridos. Os disparos de mísseis do Hezbollah contra cidades israelenses mataram dezenas de civis.
Israel estima que o Hezbollah tenha atualmente cerca de 150 mil foguetes e mísseis, alguns dos quais são guiados com precisão, o que coloca todo o território israelense ao alcance dessas armas. Israel reforçou as defesas aéreas, mas não está claro se vai conseguir se defender de bombardeios intensos numa nova guerra.
Israel ameaçou transformar todo o sul do Líbano num campo de batalha, argumentando que o Hezbollah colocou foguetes, armas e forças ao longo da fronteira. E na retórica exacerbada dos últimos meses, líderes israelenses já falaram em infligir no Líbano os mesmos danos causados em Gaza.
A superioridade tecnológica e de informações obtidas pelos serviços secretos dão a Israel uma grande vantagem sobre seus adversários tanto no Líbano quanto em Gaza. Israel localizou e matou alguns dos principais comandantes do Hezbollah e do Hamas ao longo dos últimos meses.
Quais são as reações internacionais?
Nesta terça-feira, líderes mundiais reunidos para a Assembleia Geral da ONU em Nova York alertaram contra uma guerra mais ampla no Oriente Médio.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse ter ficado “gravemente alarmado com a escalada da situação e com o grande número de vítimas civis, incluindo crianças e mulheres”.
Uma autoridade de alto escalão dos Estados Unidos, o aliado mais próximo de Israel, disse à agência de notícias AFP, sob anonimato, que o governo americano é contra uma invasão terrestre do Líbano. “Obviamente não acreditamos que uma invasão terrestre do Líbano contribua para reduzir as tensões na região e para evitar uma escalada de violência”, disse.
“Estamos quase numa guerra total”, comentou o alto representante de relações exteriores da UE, Josep Borrell. “Todos têm que colocar todo seu empenho para parar isso”, acrescentou.
As nações do G7, grupo que reúne os países industrializados, afirmaram que “nenhum país tem a ganhar com uma nova escalada no Oriente Médio” e que as ações e retaliações podem “ampliar essa perigosa espiral de violência e arrastar todo o Oriente Médio para um conflito regional mais amplo com consequências inimagináveis”.
O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, prometeu não abandonar seu aliado libanês. Ele declarou à emissora CNN que o Hezbollah não pode ficar sozinho “contra um país que está sendo defendido, apoiado e abastecido pelos países ocidentais, pelos países europeus e pelos Estados Unidos”.
“Não podemos permitir que o Líbano se torne outra Gaza nas mãos de Israel”, afirmou, em resposta a uma pergunta se Teerã usaria sua influência junto ao Hezbollah para pedir moderação.
A Rússia afirmou que os ataques israelenses ao Líbano têm o potencial de desestabilizar completamente o Oriente Médio. O Ministério do Exterior condenou o que chamou de “ataques indiscriminados que têm como alvo civis” no Líbano.
A China garantiu seu apoio ao governo do Líbano e criticou duramente Israel pela mais mortal série de ataques aéreos em décadas contra a milícia libanesa Hezbollah. O ministro do Exterior, Wang Yi, disse que a China está apoiando firmemente o Líbano “na salvaguarda de sua soberania, segurança e dignidade nacional” e condenou os “ataques indiscriminados de Israel contra civis”.
Catar e Turquia se ofereceram para mediar entre Israel e o Hezbollah.