25/09/2024 - 12:36
Locais do país africano antes considerados berço da civilização são alvo de disputa militar. Museus e sítios arqueológicos recém-restaurados estão sendo saqueados. Agentes culturais desaconselham viagens ao Sudão.De kalashnikovs em punho e fazendo um V da vitória com os dedos, soldados das milícias sudanesas posam diante das ruínas da antiga cidade de Naga, num vídeo das redes sociais.
Situada 200 quilômetros a nordeste da capital do Sudão, Cartum, a pouca distância das margens do rio Nilo, numa área outrora considerada berço da civilização, Naga foi fundada por volta de 250 a.C., como residência do rei de Meroé, e ostentava diversos templos e palácios.
Três templos foram escavados e restaurados desde a década de 1990 por arqueólogos, inclusive uma equipe do Museu de Arte Egípcia de Munique. Ocultos sob as ruínas, ainda estão outros 50 templos, palácios e edifícios administrativos, assim como necrópoles contendo centenas de sepulturas.
Agora, porém, o local declarado patrimônio mundial pela Unesco está envolvido em mais uma guerra civil sudanesa: desde abril de 2023, generais rivais voltaram a lutar pelo poder no país rico em recursos, porém desesperadamente pobre. O líder de facto, Abdel Fattah al-Burhan, e o exército sob seu controle se confrontam com a milícia Forças de Apoio Rápido, de seu antigo vice, Mohamed Hamdan Daglo.
Figuras como o presidente americano, Joe Biden, têm apelado repetidamente – e até agora, sem sucesso – para que as partes do conflito negociem um fim da guerra. “A situação é realmente ruim”, avalia o diretor do Museu de Arte Egípcia de Munique, Arnulf Schlüter.
Ele não sabe dizer se o projeto arqueológico de Naga jamais será retomado: “A maior parte dos empregados da escavação fugiu, as instalações foram invadidas e os pneus dos veículos, roubados. O sítio de antiguidades está indefeso.”
Museus sob ameaça
Em vários locais do Sudão, museus e objetos históricos estão sendo destruídos, em meio a uma severa crise humanitária, com mais de 10 milhões de habitantes deslocados, e a metade da população de 50 milhões passando fome.
Em 12 de setembro, a organização cultural das Nações Unidas, Unesco, declarou: “Esta ameaça à cultura parece ter alcançado um nível sem precedentes, com relatos de saque de museus, sítios de patrimônio e arqueológicos, e coleções particulares.”
Perante essa guerra, Schlüter está extremamente preocupado com o futuro de Naga – apesar do significado dos três templos escavados e dos planos esboçados pelo astro inglês da arquitetura David Chipperfield para construção de um museu no local: “Não sabemos o que eles estão fazendo”, comenta o diretor do museu muniquense sobre os administradores de Naga, “falta informação confiável”.
Devido ao conflito, o serviço de antiguidades sudanês, responsável pela curatela dos sítios de patrimônio mundial, perdeu diversos documentos: “Os escritórios deles em Cartum foram saqueados”, relata Schlüter, frisando que um cadastro central de antiguidades acabara de ser criado. Ele teme que a história da nação esteja sendo aniquilada: “Mesmo se a paz retornasse imediatamente, teríamos que começar do zero.”
Em meio à imensa destruição da infraestrutura civil, soldados também assaltaram e destruíram museus, muitas vezes tentando vender antiguidades no mercado de arte internacional. Entre outros, foi saqueado o Museu Nacional do Sudão, situado em Cartum, cujas importantes coleções de antiguidades, estátuas e arqueológicas haviam sido restauradas recentemente pela Unesco e o governo italiano.
A Unesco está advertindo investidores do mercado de arte para não adquirirem artefatos culturais do Sudão, já que “toda venda ou realocação desses itens resultaria no desaparecimento de parte da identidade cultural sudanesa, ameaçando a recuperação do país”.
Agentes culturais tomam distância do Sudão
A professora da Universidade de Münster Angelika Lohwasser, egiptóloga especializada em arqueologia sudanesa, confirma que “a situação nas zonas de guerra é dramática” e que os bens culturais “estão sob ameaça”.
Em setembro, como uma das organizadoras da Conferência de Estudos Meroíticos, ela estudou fotos e relatórios dos danos aos sítios culturais do país africano. O icônico souq (mercado ao ar livre) de Omdurman, na margem do Nilo oposta a Cartum, também foi completamente incendiado.
Em Cartum, o Instituto Goethe está abandonado há vários meses: devido à sua proximidade em relação ao palácio presidencial, ele se encontra em plena zona de combate. Grande parte do pessoal deixou o país no início da crise militar, em 2023. Segundo a diretoria do Instituto Goethe em Berlim, a importante instituição cultural alemã criou no Cairo, capital do Egito, programas relevantes para o Sudão.
O conflito também afeta o setor de viagens culturais do país. Frank Grafenstein dirige a agência que mantém por encomenda do governo o website Visit Sudan, e organiza viagens para jornalistas e agentes turísticos. Embora o site ainda exista, o diretor todos os contatos com o país devastado pela guerra. “Eu desaconselho de viajar para o Sudão”, alerta Grafenstein.