26/09/2024 - 6:12
Segundo STF, recurso fica à disposição da Corte e caberá ao ministro Alexandre de Moraes decidir destino dos R$18,3 milhões cobrados.A queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a rede social X, de Elon Musk, já acumula um saldo milionário em multas aplicadas pela Justiça Federal por descumprimento de decisões judiciais. Estes recursos se tornam um excedente de arrecadação e o poder Judiciário passa a ter autonomia para definir seu destino, desde que respeitadas as diretrizes orçamentárias do governo federal.
Nesse caso, segundo a Corte, caberá ao ministro do STF Alexandre de Moraes definir como os valores serão investidos. Segundo especialistas ouvidos pela DW, a verba pode ser aplicada em um rol de possibilidades, como a modernização do Judiciário.
Em 13 de setembro, por exemplo, Moraes obrigou bancos a transferirem à União R$18,35 milhões em valores bloqueados do X (antigo Twitter)e da empresa de tecnologia Starlink, condenada em solidariedade por também pertencer a Musk. A multa acumulada foi aplicada no âmbito da Petição 12.404, após a rede social ignorar determinações judiciais para bloquear contas e indicar representantes no Brasil.
Na última quinta-feira (19/09), o Supremo determinou nova multa diária de R$5 milhões após a plataforma burlar o bloqueio e liberar o acesso aos usuários brasileiros.
Estas sanções por descumprimento de decisão judicial foram aplicadas por Moraes com base na Lei 12.965/2014, o chamado Marco Civil da Internet, mas devem ser distribuídas conforme modelo do Código de Processo Civil (CPC). Segundo a assessoria de imprensa do STF, os valores agora “ficam à disposição do juízo para definição da destinação”.
“No caso mencionado, o valor de R$ 18 milhões foi transferido a uma conta à disposição do Supremo Tribunal Federal, que direcionará posteriormente a destinação final, assim como ocorrerá com eventuais novos valores referentes a multas”, escreveu o STF, em nota. Questionada sobre as regras que delimitam a destinação destes recursos, a Corte respondeu que “o ministro Alexandre de Moraes ainda vai decidir como os recursos serão usados”.
Como funciona a gestão de multas judiciais
A gestão e destinação de multas atribuídas pela Justiça é diferente em processos criminais ou civis. Isso faz com que o caso julgado por Moraes seja representativo de um desafio jurídico que aparece com mais frequência no Brasil com ouso das plataformas digitais.
Isto porque, muitas vezes, as multas recebidas pelas redes sociais em processos como este são aplicadas após a empresa descumprir um procedimento civil, como a ordem de bloqueio de uma conta, mas o processo tem origem em uma apuração criminal, como um ato perpetrado por um usuário da plataforma.
“Este debate começa a aparecer em 2014, quando a polícia começa a fazer investigações de crimes ocorridos no ambiente virtual e se depara com plataformas digitais em que não consegue ter acesso”, disse o professor da FGV Direito SP Luciano Godoy, que também já atuou como juiz federal.
As multas estabelecidas dentro do Código Penal e usadas como forma de pena em uma condenação criminal, possuem uma resolução específica do Conselho Nacional de Justiça que estabelece sua destinação.
Os valores pagos por condenados por um crime devem ser destinados, por exemplo, aos Fundos Penitenciários estaduais ou nacional e usados para fins de modernização do sistema penal. As verbas também já foram liberadas para situações específicas como as enchentes no Rio Grande no Sul e o combate às queimadas na Amazônia.
Já as multas aplicadas como sanções por descumprimento judicial podem ser estabelecidas por um juiz como medida liminar ou como sentença desde 1994 e ficam à disposição da Justiça.
A gestão destes recursos é definida pelo novo Código de Processo Civil, que permite a União e os estados criarem fundos de modernização do Poder Judiciário. Mas enquanto a maioria das unidades da federação já instituíram um arcabouço para gestão dos valores, a justiça federal os incorpora como arrecadação extra no orçamento do Poder Judiciário.
A partir da coleta dos valores, a Justiça tem autonomia administrativa e financeira para definir como aplicar as verbas dentro do seu planejamento orçamentário, conforme estabelecido na Constituição.
Marco Civil da Internet não estabelece destino
Ao justificar a aplicação de sanções ao X, porém, o ministro Alexandre de Moraes se baseou em outra regulação, a do Marco Civil da Internet.
“Aí que vem um debate da multa combinatória, que foi aplicada agora pelo ministro Alexandre para o processo crime. Eles usam por analogia o esquema todo do processo civil, coloca um elemento novo que é a multa do Marco Civil da Internet para gerar essa condenação”, disse Godoy, retomando casos similares em que empresas como a Meta também foram multadas. “Ela [está] um processo penal, mas ela não é a multa do processo penal.”
Enquanto leis como o CPC preveem um fundo de destino das multas processuais, o Marco Civil da Internet não versa sobre ações jurídicas em si, e não define onde o recurso de multas para quem viola as regras de uso da internet deve ser aplicado. Também não estabelece a qual autoridade administrativa caberia a aplicação das multas, como a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), por exemplo.
Além disso, o Marco Civil também autoriza aplicação de multas de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil, um valor muito acima do previsto no Código Processual e que abriu margem para a multa milionária cobrada do X.
Supremo tem autonomia para escolher aplicação
O doutor em direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP, Rafael Garofano, entende QUE há um desafio jurídico, uma vez que o Marco Civil não estabelece o destino dos recursos, mas entende que a destinação deve seguir o caminho natural de multas aplicadas no âmbito de um processo civil.
“Se você fosse adotar uma analogia razoável, por exemplo, se a Senacon tivesse agido para proteger o Marco Civil da Internet e apurada essa infração; na regulamentação da Senacon, ela define a destinação dos valores das infrações para o Fundo defesa de direitos difusos”, afirmou.
“Agora, o ministro está agindo com base nessa competência mais ampla, então ele está fazendo o papel da Senacom [por exemplo]. Como a lei não determina para onde vai ser aplicado esse recurso eu entendo que esse recurso vai ser destinado à conta do Poder Judiciário”, completou.
Para Luciano Godoy, o Código de Processo Civil e o Marco Civil da Internet são aplicados de forma conjunta neste caso.
“Eu não acharia estranho, nem ilegal, que na falta de lei o ministro fizesse uma construção que esse dinheiro tem que ser aplicado numa finalidade que gerasse um bem social, como uma universidade, uma escola técnica”, afirmou Godoy.
É comum que destinações como estas sejam feitas em decisões na justiça estadual e federal, por exemplo, tomadas pelo juiz responsável pelo caso. Por outro lado, por se tratar de uma arrecadação extra, o recurso não pode ser usado para custeio, como o pagamento de salários, e o Supremo terá que contabilizá-lo dentro das regras orçamentárias federais e justificar o uso do recurso.
Em último caso, se os valores não forem utilizados, eles são devolvidos à União ao final do exercício orçamentário.