Ser enterrado ou cremado após a morte são as duas opções mais populares no Brasil. No entanto, também existe a possibilidade de que um cadáver seja doado para instituições de ensino. A decisão é voluntária e tomada por uma pessoa antes da morte. Os restos mortais são utilizados por estudantes de universidades em disciplinas da área da saúde.

A legislação brasileira permite desde 2002 que uma pessoa doe o próprio corpo à ciência para fins de ensino e pesquisa depois da morte. O artigo 14 da Lei 10.406, de 10 de janeiro daquele ano, estabelece que é válida a disponibilização do cadáver para utilização depois da morte.

Antes disso, o uso de corpos por instituições de ensino já era regulamentado por meio da Lei 8.501, de 30 de janeiro de 1992. Conforme a legislação, um cadáver sem identificação não reclamado em um período de 30 dias pode ser destinado a universidades para fins de estudo e pesquisa.

De acordo com artigo publicado na Rbem (Revista Brasileira de Educação Médica), existem ao menos 39 programas de doação de corpos de instituições de ensino no País, sendo 17 no Sudeste, 11 no Sul, seis no Nordeste, quatro no Centro-Oeste e apenas um na região Norte.

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Segundo a Sociedade Brasileira de Anatomia, o entendimento da estrutura e funcionamento do corpo humano só é possível com o uso de cadáveres reais. Com o aumento da quantidade de faculdades e diminuição de restos mortais não reclamados, as universidades brasileiras têm enfrentado falta de peças anatômicas, conforme a entidade.

Doação de corpos

De acordo com a organização, a possibilidade de doação surge em decorrência da necessidade das instituições de ensino superior. Um interessado em ter seu cadáver estudado após a morte deve escolher uma universidade, entrar em contato declarando o interesse e assinar um termo com duas testemunhas que deve ser reconhecido em cartório.

Alguns estados, como o Distrito Federal e o Paraná, possuem programas e legislações específicas sobre a doação de corpos. Costumeiramente, há algumas restrições de acordo com cada instituição de ensino.

Na USP (Universidade de São Paulo), por exemplo, o professor Alfredo Jacomo, do Departamento de Cirurgia da Fmusp (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), explica que um corpo é aceito apenas em caso de morte natural. “A família precisa fazer um boletim de ocorrência e, logo em seguida, entrar em contato com o SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) da capital, que fica dentro da própria faculdade.”

Posteriormente, segundo o professor, a “Declaração de Vontade” é informada ao SVO e o serviço notifica a disciplina de Topografia Estrutural Humana da universidade da chegada do corpo. “A partir daí, é feito o preparo do cadáver e encaminhamento para armazenamento e preservação na câmara fria em baixíssima temperatura”, esclarece Jacomo.

“O cadáver é o grande livro do aluno”

De acordo com o professor da Fmusp, os cadáveres são utilizados por estudantes da universidade em aulas práticas após explicações teóricas sobre determinada região do corpo. “Para o aluno, passar pela anatomia acaba sendo um alicerce da formação, porque todas as outras disciplinas que virão no curso da medicina tem como pré-requisito esse conhecimento”, comenta Jacomo.

“O cadáver é o grande livro do aluno, proporciona um aprendizado fundamental”, aponta o especialista, acrescentando que os corpos não possuem um “prazo de validade” e podem servir em aulas por mais de dez anos. “Vai depender de quanto ele vai ser utilizado e, a partir de um certo momento, de tanto manipular, a gente acaba tendo dificuldades para visualizar determinadas estruturas anatômicas.”

É depois disso, de acordo com o professor da Fmusp, que o cadáver é sepultado.

Jacomo pontua que “por sorte” há uma grande quantidade de doadores na USP. Mesmo assim, o especialista ressalta um projeto que visa utilizar uma mesa anatômica de realidade virtual para que os alunos tenham acesso a novos recursos a partir do começo do ano que vem. O sistema poderia ser utilizado pela universidade no caso de falta de cadáveres.

**Estagiário sob supervisão