Guerra iniciada pela Rússia deixou muitas crianças sem pais, algumas foram enviadas para o exterior. O número de adoções vem aumentando. Motivações dos candidatos a pais são diversas.”Ficou claro para mim que não consigo suportar a solidão, e que em algum lugar tem uma criancinha que também está só, que precisa de uma mãe, um lar e tudo o que uma família tem a oferecer. Eu sei dar amor e quero cuidar de alguém”, explica Olha, de Sumy, no nordeste da Ucrânia.

Logo no início da ofensiva em grande escala da Rússia contra a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, ela perdeu seu filho Maksym, de 27 anos, quando ele defendia a cidade portuária de Mariupol, no Mar de Azov. “Eu sei o que significa ser só. Se tivesse uma grande família, eu contaria com apoio.”

Após o enterro do filho, ela decidiu adotar uma menina, pois um garoto talvez a fizesse se recordar dele. Entregou todos os documentos necessários à repartição competente e recebeu permissão para a adoção. Em seguida frequentou um curso de instrução estatal e há um ano está esperando o tão desejado acréscimo familiar.

“Há muitas crianças nos orfanatos, mas que não podem ser todas adotadas. Não é fácil, quando a pessoa já está preparada para receber uma criança, procura livros e bonecas, e tem que esperar. Afinal, a gente ainda não sabe como a garota vai ser.”

No primeiro ano da invasão russa, de início o número das adoções na Ucrânia recuou fortemente, explica o diretor do Serviço Social Nacional, Vasyl Lutsyk: em 2022 os ucranianos adotaram 752 crianças. Porém logo a cifra voltou a crescer, com 925 adoções em 2023 e quase 600 no primeiro semestre de 2024.

Uma dessas crianças é Bohdan, de três anos, que há duas semanas vive com Tatyana e o marido em Lviv, no oeste do país. Eles já têm uma filha e um filho, de 12 e 14 anos, respectivamente. “A gente sempre quis ser uma grande família”, diz a mãe. “Acho que todas as histórias de adoção começam assim.”

O processo de adoção durou nove meses. Assim como Olha, Tatyana não conseguiu esperar até as autoridades encontrarem um filho para ela. Começou a procurar paralelamente num banco de dados nacional de órfãos, e também em redes, onde esbarrou numa mensagem sobre Bohdan, que tivera que ser evacuado de um orfanato da região de Kharkiv para a de Ivano-Frankivsk.

Já desde o primeiro encontro, o menino fez contato com ela, recorda: “Ele é brincalhão, aberto e alegre.” A família o visitou durante vários meses, até que o casal obteve a permissão judicial para adoção.

Dificuldades maiores para crianças no exterior

Quando começou a guerra, Kiev proibiu a adoção de crianças ucranianas por estrangeiros. Mesmo para os cidadãos do país, o processo ficou difícil, devido à interrupção do trabalho dos tribunais e repartições, mas em meados de 2022 esses problemas haviam se resolvido, relata Daria Kasianova, da ONG Aldeias Infantis SOS Ucrânia, que se encarrega de órfãos.

Por causa da guerra, não só orfanatos inteiros foram transferidos para regiões mais seguras, mas algumas crianças também foram levadas para o exterior, onde não podiam ser adotadas por ucranianos. Porém em junho de 2024 isso mudou.

“Os pais adotivos desejaram que o processo fosse facilitado”, explica Kasianova, cuja organização apoia financeiramente as famílias dispostas a adotar uma criança levada para o exterior, de um orfanato evacuado. Para tal, precisam conhecê-la online e depois visitá-la no respectivo país. “Quase 60 famílias já nos procuraram, pagamos suas viagens à Polônia, Alemanha, Turquia, Áustria e Suíça, entre outros.”

Porém nem todos os países saúdam um retorno das crianças à terra natal, e por vezes até freiam o processo. “Mesmo quando os Estados estão dispostos a devolver os menores, organizações internacionais de direitos humanos interferem e inquirem se eles vão poder viver em segurança.”

Viktoria está entre os que aguardam a permissão para receber uma criança ucraniana atualmente no exterior. Com o marido e a filha de quatro anos, ela se mudou de Zaporíjia para o Oeste da Ucrânia. O casal já queria adotar uma criança antes mesmo da invasão russa, e apresentou a documentação para tal em 2023. Desde o início de 2024, constam como possíveis pais adotivos.

No banco de dados de órfãos, Viktoria encontrou uma menina de cinco anos, levada de Odessa para a Lituânia, cujos genitores perderam o direito de guarda. Mas constatou-se que ela tem uma irmã de dez anos, colocada num lar para crianças ainda antes dela, mais tarde evacuada para a Polônia, e irmãos adotados não podem ser separados.

Após um primeiro encontro online, Viktoria visitou as meninas na Polônia e na Lituânia. “A mais velha quer muito uma família, pois sabe o que isso significa. Ela foi colocada num lar quando já era mais velha, enquanto a menor ainda era muito pequena. Ela nem sabia que tinha uma irmã maior.”

Para poder trazê-las para a Ucrânia e adotá-las, Viktoria foi primeiramente designada como tutora. Agora as autoridades ucranianas competentes devem organizar a repatriação, com ajuda dos consulados: “Quanto mais durar esta guerra, maiores as meninas vão estar, e fica mais improvável que sejam acolhidas por uma família.”

Adotar para fugir do serviço militar

“As crianças deveriam ficar com famílias ucranianas”, frisa Natalya Ibrahimova, do Centro Regional de Serviços Sociais de Kiev, que oferece cursos para pais adotivos. “Os próprios pais vão decidir como proteger seu filho na guerra, mas a criança vai saber que tem pais dedicados, e não mais educadores.”

Ibrahimova ressalta que a adoção de órfãos muitas vezes portadores de deficiências, traumas psíquicos e distúrbios de desenvolvimento é um passo que exige enorme responsabilidade. Ela já foi confrontada com casos em que os pais devolveram a criança adotada por se sentirem sobrecarregados, e acredita que, após o fim da guerra, o número desses casos poderá aumentar, também por outros motivos.

Segundo suas observações, alguns homens se aproveitam das adoções a fim aumentar a própria prole para três, passando a contar como pai de grande família, escapando assim da mobilização ou mesmo do serviço militar: “De 100 candidatos à adoção, só 40% querem realmente ter filhos.” Tatyana e seu marido foram confrontados com essa suspeita, ao adotarem o pequeno Bohdan, pois já tinham duas crianças.

“Eu disse que o meu marido já havia prestado seu serviço militar em 2015 e se apresentado voluntariamente em fevereiro de 2022. Como mulher saudável, eu poderia ter colocado no mundo um terceiro filho, para livrá-lo do Exército.” Apesar de achar tal suspeita incômoda, ela consegue imaginar que por vezes seja justificada.

Para conhecer Bohdan no orfanato, o marido de Tatyana pediu licença das Forças Armadas. Já na ocasião, o menino se sentiu ligado a ele e o chamou de “papai”. Agora ele tenta obter a dispensa do serviço militar. Afinal, o menino está se acostumando ao seu novo lar, e quer estar com sua família. E esse é o seu direito, afirma Tatyana.