Após o assassinato de seu líder, alguns analistas veem grupo xiita paralisado, com seu papel central entre milícias pró-Irã e anti-Israel comprometido. Outros, porém, dizem que ainda é cedo demais para saber.”É o fim de uma era”, diz a agricultora Rita, de 34 anos, moradora de Beirute, sobre a morte de Hassan Nasrallah, o líder do grupo xiita Hezbollah, na semana passada. “Mesmo que digam que Nasrallah possa ser substituído, isso deixou abalados os seguidores [do Hezbollah] por que eles sentem que o Irã os decepcionou. Agora, tudo parece duvidoso.”

Ahmad, um comerciante de 37 anos na capital libanesa, expressa uma sensação diferente. “O Hezbollah sofreu muitos revezes, mas vai continuar. O Irã não os abandonará, eles têm uma ampla base de apoio entre a população. Seus combatentes creem no martírio, o que significa que vão lutar até o último soldado”, afirmou à DW.

“Eles [Hezbollah] são maiores do que uma só pessoa”, acrescentou Nadim, um diretor de cinema de 31 anos que também vive em Beirute. “São uma ideologia, e Israel não conseguirá matar isso.” Mesmo assim, ele avalia que um capítulo na história do Líbano foi encerrado.

Para que pudessem falar livremente, Ahmad, Nadim e Rita não nos deram seus nomes completos, em razão da alta sensibilidade em relação ao tema nesse momento no Líbano.

Na manhã de segunda-feira (30/09), três dias após a morte de Nasrallah, o vice-líder do grupo tentou acalmar seus seguidores. Em discurso transmitido pela televisão, Naim Kassem afirmou que o Hezbollah não foi derrotado, apesar de reconhecer que os ataques recentes de Israel foram um grande revés.

Ele diz que o processo para escolher o sucessor de Nasrallah deve começar logo, e que se os soldados israelenses entrarem no Líbano o Hezbollah os combaterá.

O que será da ala militar do Hezbollah?

“Sem dúvida, Israel vem tendo o que podemos chamar de uma série de vitórias táticas bastante impressionantes sobre o Hezbollah”, afirmou à DW Hugh Lovatt, pesquisador sênior do Programa para o Oriente Médio e a África no Norte do Conselho Europeu de Relações Exteriores. “Não há dúvidas de que desferiu alguns golpes bastante dolorosos no movimento.”

Ele, porém, acrescentou que “mesmo sendo tão impressionante, essas são vitórias táticas, e não estratégicas”. Ele quer dizer com isso que as recentes conquistas militares israelenses contra o Hezbollah podem não ser efetivas no longo prazo por que ainda há incertezas sobre uma estratégia geral para atingir metas declaradas recentemente, como permitir que os cidadãos israelenses que foram forçados a deixar seus locais de moradia possam voltar para suas casas no norte do país, próximo à fronteira com o Líbano.

“Mesmo com base nesses indicativos, Israel está aquém e continuará aquém”, disse Lovatt. “Não importa quantos danos tenha infligido ao Hezbollah, o movimento vai continuar a ter a capacidade de atacar o norte de Israel e, dessa forma, manter afastadas as comunidades israelenses.”

Analistas militares explicam que, apesar de perder alguns de seus principais líderes, o Hezbollah não é uma organização engessada. O grupo foi criando com o conceito de que seus líderes serão mortos e precisarão ser substituídos rapidamente.

Seus membros são “delegados com papéis e tarefas sobrepostas para garantir que qualquer vazio deixado por um líder morto seja rapidamente preenchido”, explicou Amal Saad, professora de política na Universidade de Cardiff, no Reino Unido, e observadora de longa data do Hezbollah, em postagem na rede social X.

Outros analistas dizem que é muito cedo para saber o quanto o grupo foi abalado. “O Hezbollah parece estar sofrendo de paralisia organizacional temporária”, avaliou a entidade conservadora dos EUA Instituto para o Estudo da Guerra, no fim de semana. Nos últimos dias, porém, o Hezbollah continuou a disparar foguetes contra Israel. Na terça-feira, a imprensa israelense noticiou alertas de ataque aéreo em todo o país, incluindo Tel Aviv.

Como ficará o Hezbollah na sociedade libanesa?

Ao discutirem o estado atual do Hezbollah, os observadores também ressaltam que a organização é mais do que um grupo armado.

“É um projeto de identidade que reúne o Islamismo e a resistência, ambos interligados com o pensamento comunitário mais amplo e as narrativas [da comunidade xiita]”, disse nesta semana Mohanad Hage Ali, vice-diretor de pesquisa do Centro Carnegie para o Oriente Médio em Beirute. “Esse tipo de organização [de resistência] não morre quando seus líderes se vão.”

O Hezbollah é uma importante força política e social no Líbano, frequentemente descrita como um “Estado dentro de um Estado”, com uma rede de assistência social e militar que rivaliza com as instituições estatais libanesas.

O sistema político do Líbano é o que se descreve como “confessional”, ou seja, apesar das eleições, o poder político é geralmente distribuído entre os muitos grupos demográficos diferentes que têm no Líbano o seu lar. Isso explica por que o Hezbollah, que atrai principalmente os muçulmanos xiitas locais, é tão popular no sul e leste do Líbano, onde vive a maior parte da população xiita do país. É também por isso que não é necessariamente tão apreciado em outros lugares.

De acordo com pesquisas do Arab Barometer, uma organização sediada nos EUA que realiza regularmente levantamentos junto à população do Oriente Médio, em 2022, cerca de 85% dos muçulmanos xiitas no Líbano disseram confiar no Hezbollah. Já entre outros grupos libaneses, como os muçulmanos sunitas, drusos e cristãos, esse percentual caiu para dígitos únicos. No geral, apenas 30% dos libaneses disseram confiar no Hezbollah.

“O Hezbollah não consultou nenhum de seus parceiros libaneses antes de iniciar uma guerra em defesa de seu aliado Hamas na Faixa de Gaza”, escreveu Michael Young, editor sênior do Centro Carnegie para o Oriente Médio, esta semana.

O grupo assim agiu por ser parte das milícias pró-Irã reunidas no chamado “Eixo da Resistência”de oposição a Israel e aos EUA, que age a partir de suas bases no Iêmen, Iraque, Síria e Líbano. Caso os libaneses comuns chegarem à conclusão de que o Hezbollah é o culpado pela destruição de seu país, o grupo poderá se ver ainda mais limitado internamente, argumentou Young.

O que vem a seguir para o “Eixo da Resistência”?

O Hezbollah é considerado o integrante mais poderoso do “Eixo da Resistência”, por possuir mais armas e combatentes. Agora, porém, sua reputação como membro mais extraordinário do grupo foi abalada. Especialistas dizem que isso pode ter um impacto grave, particularmente porque, pelo menos até a noite desta terça-feira, o Irã parecia ter decidido não ajudar o Hezbollah – apesar de Teerã realizar um ataque de mísseis a alvos em Israel, que foi majoritariamente neutralizado pela defesa aérea israelense.

Dentro desse agrupamento de milícias, Nasrallah desempenhou um papel de enorme grandeza, avaliam Hassan Hassan e Kareem Shaheen, editores da revista Newlines, em um artigo de opinião publicado no fim de semana.

“Seu fim significa não apenas a perda de um estrategista habilidoso, mas a degradação de toda uma narrativa de resistência que empolgou a região por mais de três décadas”, afirmaram. “Sua morte atinge o coração de todo um eixo de poder regional, criando efeitos dominó que não serão facilmente contidos.”