Dados do Inep mostram que mais cotistas concluem o curso na universidade do que não cotistas. Vários fatores podem ajudar a explicar diferença nesta taxa, entre eles a experiência de vida.”Cotistas têm melhor taxa de conclusão do ensino superior do que os não cotistas”. Nos últimos dias, li essa notícia em alguns jornais. Os dados são do último Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Segundo o censo, entre 2014 e 2023, estudantes cotistas tiveram uma taxa de conclusão 10% maior do que os não cotistas. No último ano, 51% dos cotistas da rede federal concluíram o curso, contra 41% dos não cotistas.

Confesso que fiquei muito feliz com os dados, mas ao compartilhar a coluna com um amigo ele me trouxe um lado que eu não havia considerado. Talvez haja uma menor mobilidade entre os não cotistas, devido à pressão familiar, social e da própria instituição por serem cotistas. Isso aumentaria a sua taxa de conclusão. Para mim, sua provocação fez sentido e focarei a próxima coluna para esse recorte.

No entanto, ainda assim, os dados são importantes e desmistificam algumas desconcepções, tanto sobre cotas em si quanto, quanto sobre a dedicação e qualidade dos beneficiários.

Por que tamanha aversão às cotas?

Quase sempre leio os comentários sobre as minhas colunas e fico chocado com o tamanhão da repulsa às cotas. Esses indivíduos pautam seus discursos na preocupação com a qualidade das instituições ou das formações. Da forma como colocam parece que se trata de pegar alguém na rua, sem qualquer tipo de qualificação, para colocar dentro de algum curso de excelência.

Me lembro quando a Bruna Sena foi aprovada em primeiro lugar no curso de medicina da USP de Ribeirão Preto. Na época, foi através de um instrumento de bonificação do vestibular da Fuvest. Preta e pobre, ela foi aprovada em primeiro lugar no curso mais elitista do Brasil, e o caso foi bastante midiático. Houve muitos elogios, claro, mas uma quantidade tão grande quanto, talvez maior, de discursos de ódio. “Ah, isso é injusto”, “Só passou por conta das cotas”. O que as pessoas não entendiam é que ela seria aprovada de qualquer forma, com ou sem a política.

O grupo que questiona ou não gosta das cotas é heterogêneo. Há aqueles que defendem o fim se pautando no tolo discurso meritocrático, mas também há aqueles que defendem que seja apenas por renda e não por raça, gênero ou escola pública. Segundo eles, todas as pessoas são iguais e não há razão alguma para um preto ter “vantagem” por ser preto, por exemplo. Alinhado a isso, trazem casos de pretos ricos ou de estudantes de escolas públicas com mais renda do que alguns de colégios privados, ou seja, pontos fora da curva para corroborar um argumento generalista. Clássico e nada novo.

Na literatura atual de políticas públicas, está em alta o conceito de interseccionalidade, que tem sido guia para o desenho de muitas políticas, incluindo a de cotas. O que é isso? Bom, de modo simplista, são marcadores sociais que acometem grupos. Exemplos: mulher, preta e pobre; jovem, baixa renda e escola pública. Essas variações, que são dadas e não estão nas mãos das pessoas para que as mudem, têm implicância direta nas oportunidades. Para atenuar, surgem políticas que focalizam em cada subgrupo e, assim, tentam minimizar os impactos das desigualdades que os acometem. É o caso das cotas, por exemplo.

Mas no fundo, sendo honesto, não acho que essa racionalidade toda perpassa nas ideias de muitos que criticam as cotas. Acho que a explicação aqui é a mais simples: trata-se de uma aversão à ascensão de alguns grupos que anteriormente não ocupavam os espaços que estão agora ocupando.

O desempenho dos cotistas

Hoje a Aline é jornalista, mas não foi sempre assim. Neta de pedreiro e de dona de casa, ela só conseguiu cursar a graduação graças ao Prouni. Ela e seus colegas bolsistas tiveram os melhores desempenhos na época. “Graças a essa oportunidade é visível a mudança de vida, tanto dos colegas quanto a minha. Foi graças à formação que pude formar família, comprar casa, cursar mestrado. Assim ter perspectiva e poder oferecer o mesmo para meu filho. É sobre eu e colegas termos tido a oportunidade de exercer nosso potencial”, diz Aline.

A frase final me chamou muito a atenção. É sobre isso. Na maioria das vezes não é sobre falta de potencial, de vontade ou de dedicação, mas sim de oportunidades. Aline é apenas uma entre os milhões de indivíduos que já foram beneficiados. Os dados do último censo pintam o quadro de forma muito clara e provam, por A mais B, que os cotistas têm potencial e podem ter um desempenho tanto quanto, ou ainda melhor, do que os não cotistas.

O que pode explicar esse gap de desempenho? Bom, aqui posso apenas conjecturar sobre, pois o censo não associa razões a esse dado. Quem são os cotistas? No geral, indivíduos com muitos sonhos e com sede de oportunidades. Indivíduos que sabem o que é passar dificuldade, o que é não ter segurança financeira, o que passar privação do básico e, sobretudo, sabem se esforçar para conseguir o que querem.

Para eles, a aprovação é apenas o primeiro desafio. Depois vem a permanência, os déficits do ensino básico e um ponto bem subestimado: os desafios de viver em uma instituição com colegas oriundos de outras realidades. Eu passei por isso. Dói ver que os colegas já tiveram a oportunidade de viver muitas das experiências que para nós estão apenas no mundo dos sonhos. Dói ver os colegas podendo comer o que você simplesmente não pode comprar. Dói, sobretudo, saber que o que nos diferencia é simplesmente onde nascemos.

Os cotistas, no geral, passaram por desafios para conseguir o ingresso, passaram para se manter, precisam ser firmes e resilientes para lidar com as privações e com o choque de realidades, e tudo o que têm são os sonhos e a gana por ascensão, tanto para eles próprios quanto para as famílias. Essa gana é o que os movem e não é exagero: o ingresso de um indivíduo de baixa renda no ensino superior pode culminar na mudança de trajetória de toda uma família. Isso não é trivial.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius de Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.