Após a passagem do furacão Milton na Flórida, nos Estados Unidos, durante a quarta-feira, 9, e a sexta-feira, 11, circularam nas redes sociais vídeos dizendo que a Cordilheira dos Andes impediria fenômenos similares no Brasil, funcionando como uma “barreira natural”. Entretanto, tal afirmação é falsa e os eventos climáticos não ocorrem na região por outros motivos.

Um dos vídeos que faz tal alegação, publicado na quarta-feira no X (antigo Twitter), chegou a ter 1,8 milhão de visualizações. Em outras plataformas o mesmo conteúdo falso foi republicado por páginas que possuem milhares de acessos. As imagens mostram um mapa meteorológico com a cordilheira em destaque.

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De acordo com o professor de meteorologia Ricardo de Camargo, do IAG da USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo) a Cordilheira dos Andes não possui impacto na formação de furacões no Brasil, já que os ciclones tropicais que poderiam atingir o País viriam do Atlântico e não do Pacífico.

Conforme o meteorologista, a formação de furacões não é frequente na América do Sul por conta da temperatura do mar. “Nós temos regiões de águas aquecidas, mas elas não são muito extensas, diferente da parte do Atlântico tropical ao norte da Linha do Equador”, afirma o professor do IAG da USP.

Ainda segundo o especialista, uma característica da atmosfera ao sul do Equador que não favorece o surgimento de furacões é o cisalhamento. “Se você comparar o vento daqui de baixo com o das camadas superiores lá de cima, se houver uma diferença muito grande de intensidade ou até direção contrária, isso se chama de cisalhamento”, explica.

Ricardo de Camargo aponta que o cisalhamento se assemelha a um atrito que não é direto entre as duas camadas de vento e as correntes divergentes não deixam ingredientes propícios para a formação de um ciclone tropical. “Os furacões ‘não gostam’ disso. As condições não são favoráveis. Não tem nada com a Cordilheira dos Andes”, elucida o professor de meteorologia do IAG da USP.

Segundo o Metsul, ciclones tropicais não se formam na costa do Oceano Pacífico da América do Sul por conta das águas da área serem geladas, portanto, a Cordilheira não protegeria o Brasil de furacões por não existirem naquela região.

Assista a um vídeo sobre a impossibilidade de furacões atravessarem a Linha do Equador:

Furacão Catarina

Em março de 2004, a região Sul do Brasil foi afetada pelo furacão Catarina, o único já registrado no Atlântico Sul e cuja formação foi extremamente rara. Na ocasião, 11 pessoas morreram e 14 municípios decretaram Estado de Calamidade Pública, de acordo com o Governo de Santa Catarina. Conforme a Secretaria da Proteção e Defesa Civil do estado, foram registrados ventos de até 180 km/h na passagem do ciclone tropical.

“Ele [furacão Catarina] teve uma trajetória totalmente diferente do que a gente está acostumado para esses ciclones na nossa região”, comenta Ricardo de Camargo, acrescentando que o fenômeno não surgiu na região tropical, como o furacão Milton, por exemplo.

De acordo com o especialista, o furacão se formou na “retaguarda” de um ciclone extratropical, fenômeno frequente na região Sul do Brasil. “É uma situação completamente diferente dos furacões que vemos se formando nessa época do ano”, aponta o meteorologista comentando sobre o período de 2024 em que os eventos foram registrados nos EUA.

Tempestade em São Paulo

Durante a sexta-feira, 11, a capital paulista registrou ventos que ultrapassaram os 100 km/h. A tempestade deixou vários moradores da Grande São Paulo sem energia elétrica. 1,45 milhão de clientes estavam sem luz na tarde do sábado, 12, conforme a Enel. O número é maior do que a quantidade de pessoas que sofreram do mesmo problema naquele dia na Flórida em decorrência da passagem do furacão Milton.

Apesar dos ventos da capital paulista atingirem velocidade suficiente para ter a “força de um furacão”, não é apenas tal análise que determina a existência de um ciclone tropical. “Não pode confundir uma coisa com outra. Foi uma rajada por conta de uma tempestade”, informa Ricardo de Camargo.

Segundo o meteorologista, uma das métricas para fazer a classificação dos furacões usa a média de velocidade por minuto ou até dez minutos. “Não é uma mera questão da velocidade do vento, tem que ver quanto tempo ele dura”, conclui o professor do IAG da USP.

**Estagiário sob supervisão