16/10/2024 - 6:39
No país que já foi considerado a “farmácia do mundo”, gargalos no fornecimento de medicamentos têm afetado tratamentos. Analistas não veem uma solução à vista.Custa apenas alguns centavos, mas atualmente está em falta na Alemanha: soro fisiológico. O produto tornou-se escasso em hospitais e farmácias, apesar de extremamente necessário para procedimentos que vão de operações e infusões a lavagem nasal.
De acordo com Thomas Preis, diretor da associação de farmacêuticos da região da Renânia do Norte, a situação abrange vários itens farmacêuticos e piorou drasticamente nos últimos meses: “O que já era um grande problema nos hospitais há meses, agora também tem afetado o atendimento de pacientes ambulatoriais”, disse à imprensa local.
A Secretaria de Saúde do estado da Renânia do Norte-Vestfália confirmou os gargalos no fornecimento. Durante vários meses, “clínicas da Renânia do Norte-Vestfália e da Alemanha receberam apenas 80% de suas necessidades” e recentemente a porcentagem caiu para cerca de 50%. De acordo com o Instituto Federal de Medicamentos e Equipamento Médico da Alemanha (BfArM), a situação se manterá nos próximos meses.
Escassez de antibióticos preocupa
Nos últimos anos, a Alemanha tem sido reiteradamente afetada pela escassez de medicamentos, sobretudo antibióticos e remédios infantis. As consequências são graves: uma pesquisa com membros da Associação Profissional Alemã de Pediatras (BVKJ) no segundo trimestre de 2024 constatou que cerca de um terço acreditava que a qualidade do tratamento estava em risco.
A pesquisa também constatou que os tratamentos estavam se tornando mais demorados porque os médicos tinham que verificar com antecedência quais medicamentos estavam disponíveis. De acordo com a Associação de Farmacêuticos Alemães, cerca de 500 medicamentos de prescrição já tiveram algum problema no fornecimento.
Outros países da União Europeia também estão sendo afetados pela escassez. De acordo com uma pesquisa de 2023 realizada pelo Grupo Farmacêutico da União Europeia (PGEU), a situação piorou em vários Estados-membros, incluindo Suécia, Portugal e Espanha.
Cadeias globais de fornecimento
As causas da escassez são complexas, assim como a fabricação de medicamentos. Enquanto a Alemanha, que conta com grandes empresas farmacêuticas como Bayer, Basf, Boehringer Ingelheim e BioNTech, já foi considerada a “farmácia do mundo”, hoje a produção ocorre globalmente. As cadeias de suprimentos são mais longas e, portanto, propensas a interrupções.
A maioria dos ingredientes ativos agora é produzida na China e na Índia. Não apenas os salários são mais baixos nesses países, mas as regulamentações ambientais são menos rigorosas do que na União Europeia. A produção em massa e a monopolização se tornaram o foco para a fabricação de medicamentos mais baratos. Assim, um número menor de fornecedores está produzindo quantidades cada vez maiores.
“Enquanto antes tínhamos dez fornecedores de xarope de paracetamol para febre, hoje só resta um fornecedor principal”, explica o professor David Francas, especialista em cadeia de suprimentos da Universidade de Ciências Aplicadas de Worms, Alemanha.
“Portanto dependemos de apenas alguns fabricantes. E se um deles parar, toda a cadeia de suprimentos emperra”, complementa a professora Ulrike Holzgrabe, especialista em química farmacêutica e medicinal da Universidade de Würzburg.
“Se houver pequenos desastres na rota de suprimentos, como um porto fechado em Xangai durante a pandemia de covid-19, ou um navio bloqueando o Canal de Suez, as mercadorias não chegarão até nós.”
Produção sob demanda não ajuda
Estoques limitados e produção sob demanda só agravam o problema, pois a escassez temporária na cadeia de produção não pode ser compensada. Mas especialistas acreditam que o reabastecimento é caro. Instalações de armazenamento custam, e nunca se sabe ao certo se os medicamentos estocados serão de fato vendidos.
As flutuações na demanda são enormes: durante a pandemia de covid-19, por exemplo, a Infectopharm entrou em colapso porque o uso generalizado de máscaras gerou declínio acentuado de várias outras doenças infecciosas. A empresa teve que destruir estoques de antibióticos infantis caros, por não conseguir vendê-los. Dois anos depois, a procura voltou a crescer.
O problema de preço é particularmente grave com os genéricos, que representam de 70% a 80% do suprimento básico de produtos farmacêuticos. “As margens para a fabricação desses produtos são extremamente baixas”, explica Holzgrabe. Os fabricantes são forçados a produzir da maneira mais barata possível através de acordos de desconto e outros contratos que foram introduzidos no sistema de saúde alemão anos atrás.
Embora muitos tenham solicitado isso, seria difícil trazer a produção integralmente de volta para a União Europeia. Por um lado, seria complicado produzir as substâncias químicas puras necessárias para os ingredientes ativos. “Criamos uma legislação ambiental que torna isso quase impossível”, reconhece Holzgrabe.
E mesmo que fosse possível, não seria uma solução para o próximo inverno: “São necessários pelo menos cinco anos para restabelecer as instalações de produção”, explica o especialista em cadeias de abastecimento David Francas.