22/10/2024 - 11:11
Dia desses “alcancei” um recorde humilhante: gripada e de cama, passei 6 horas e 20 minutos “olhando” o Instagram. Meu tempo de tela chegou a 12 horas. Como uma coisa dessas é possível?, perguntei-me, envergonhada.Quanto tempo você passa por dia nas redes sociais? Qual foi o seu recorde? Se você está com vergonha de confessar para si mesmo o quanto é viciado, eu te ajudo. Meus números são uma vergonha. E, na semana passada, “alcancei” um recorde humilhante: um dia, gripada e de cama, passei 6 horas e 24 minutos “olhando” o Instagram. Meu tempo de tela chegou a 12 horas. Como uma coisa dessas é possível?
Digo isso envergonhada de verdade.”Gente!”, exclamou, chocada, a estagiária da DW (que tem idade para ser minha filha) quando fiz a confissão em uma reunião.
Pois é. A gente vive criticando o uso de rede social pela geração Z e nos preocupando com as crianças. Mas como estamos usando as redes, colegas millennials e Geração X?
Eu sou uma tragédia ambulante. Meu uso de celular diário está na média das 7 horas, enquanto a média global fica em torno das 4 horas e 40 minutos. O vício é praticamente grande no Brasil. Cada brasileiro passa em média 5 horas e 28 minutos no celular. Só nas Filipinas a média é maior. E também na minha casa.
Meu principal problema é o Instagram, onde passo cerca de 2 horas e meia, em média, por dia. E olha que eu nem gosto do Instagram. Na verdade, eu detesto, justamente porque sei dos seus efeitos nocivos para a saúde mental e do quanto essa é uma ferramenta feita, basicamente, para que a gente fique viciado e consuma. Também não sou influenciadora e nem adolescente. Sou uma mulher de meia idade que vive lendo e escrevendo sobre as redes sociais e seus efeitos nocivos, por interesse e obrigação profissional.
Só que meu conhecimento não me impede de ser viciada. E celular vicia como qualquer droga. Quem está falando isso não sou só eu, mas cientistas como a psiquiatra americana Anna Lembke, autora do livro “Nação Dopamina”. Em entrevista à revista Veja, ela afirmou: “Os celulares, a internet e as mídias digitais são drogas potentes. Eles ativam os mesmos circuitos no cérebro que as drogas mais tradicionais, como o álcool. Isso significa que libera dopamina, nosso neurotransmissor do prazer no cérebro. Quanto mais dopamina liberada, mais prazerosa a experiência.”
O prazer causado pelo uso do celular existe, claro. Mas é um prazer idiota, do meu ponto de vista. Na verdade, sinto que estou navegando por horas no vazio, entorpecida e com uma ansiedade constante. E o conteúdo que consumo é tão desimportante que nem lembro do que vi no dia seguinte. Por exemplo, o que vi naquela quinta-feira em que passei seis horas no Instagram? Não faço ideia. Apenas fiquei amortecida e sem conseguir sair daquilo como uma… viciada.
Ontem, por exemplo, passei um bom tempo acompanhando a rotina de uma jovem residente de medicina que trabalha em um grande hospital de Berlim. Não sei por que o algoritmo (que atua como uma espécie de expert que sabe exatamente que droga pode nos viciar) me enviou esse conteúdo. Mas funcionou, tanto que passei horas vendo a menina correr por um hospital. Nada aconteceu ali. Mas eu não conseguia sair.
Automonitoramento
Comecei a monitorar o meu uso de celular no meio do ano. Para isso, uso um aplicativo chamado “Stay Free” e também posso checar no meu celular Xiaomi o meu tempo de uso. No meu aparelho, essa área está no painel do controle e chama “bem-estar social”. Quase todos os aparelhos dispõem dessa função, mas recomendo baixar um aplicativo de controle. No “Stay Free”, posso, por exemplo, comparar a minha média de uso com a média mundial (e me sentir envergonhada e ridícula) e acompanhar o meu progresso.
Por um bom tempo, no verão, funcionou e vi que meu uso estava caindo. Mas claro, era verão em Berlim. Eu estava indo nadar no lago, andando de bicicleta. Ou seja, basicamente, eu estava vivendo. Foi só o outono chegar, junto com problemas familiares, para que eu caísse de novo na droga “como numa vala”, como fala Fernando Pessoa em ” Opiário”. A droga dele era ópio, álcool, morfina. A minha, o Instagram, Youtube, podcast de fofoca.
Mas se você, como eu, quer diminuir o uso, Anna Lembke recomenda em seu livro “Nação Dopamina” controlar, como faço, o uso por meio de aplicativos. “Monitorar o tempo que passamos consumindo alguma coisa, usando celular, por exemplo, é uma maneira de ficar atento e diminuir o uso. Como temos conhecimentos de fatos objetivos, ficamos menos capazes de negar o problema e podemos agir”, diz. Ela recomenda também que a gente crie metas, do estilo: só usar o celular de noite, e por aí vai.
Ou seja, precisamos de limites, assim como os jovens e as crianças. Pedi que minha afilhada, Janaína de Paula, de 15 anos, me mostrasse seu tempo de tela. Senti vergonha, porque ela vai bem melhor que eu. Seu uso médio do aparelho por dia é de 3 horas. Abaixo da média global e bem abaixo da minha média de adicta. “Minha escola é em tempo integral e não pode usar celular. Depois eu chego em casa e tenho que fazer dever, não me sobra muito tempo”, ela me disse, fazendo eu me sentir como uma pessoa que não tem nada para fazer (socorro!).
O MEC prepara um projeto que deve proibir os celulares em todas as escolas do Brasil já no ano que vem. Essa é uma excelente notícia. Mas eu, que trabalho em casa, preciso urgentemente que o uso do celular seja proibido no meu prédio.
Claro, eu tenho a desculpa de que “trabalho com isso”, o que é verdade. Mas também não justifica todo esse abuso de jeito algum.
Somos viciados porque esses aparelhos e as redes sociais são moldadas cuidadosamente para isso. E porque, de alguma maneira, temos algum prazer mórbido em navegar nos mares do vazio.
“O iPhone é uma ferramenta de distração incrível, ele nos impede de estar com nós mesmos e, nesse sentido, é realmente problemático: é muito tentador não pensar”, disse o filósofo Alain de Botton. E não há como discordar dele. É quase impossível vencer a tentação de não pensar. Mas prometo, envergonhada, tentar melhorar.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.