23/10/2024 - 13:16
Radicais israelenses pregam ocupação de território palestino como suposta solução para acabar com o Hamas. Movimento tem apoio de membros do governo Netanyahu. Premiê diz ser contra ideia.A poucos quilômetros da Faixa de Gaza, no meio do nada, um grupo de colonos israelenses dança, pula e canta em círculo; ao fundo, a artilharia israelense ressoa dentro do devastado território palestino, para onde os judeus ultranacionalistas exigem retornar sob a alegação de que a terra pertence a eles.
“Viemos aqui para dizer ao mundo que precisamos estar em Gaza e permanecer lá para sempre. Ela nos pertence e nós voltaremos para viver lá. É a única maneira de acabar com o Hamas”, disse à agência de notícias EFE Yair Maoz, um colono que vive com a esposa e cinco filhos em um assentamento em Hebron, na Cisjordânia ocupada.
Assim como Maoz, muitas outras famílias de colonos e ultradireitistas israelenses não quiseram perder esse evento organizado na segunda-feira (21/10) pela organização radical Nachala, liderada por Daniella Weiss, que promove a expansão dos assentamentos – ilegais de acordo com a lei internacional –, agora também em Gaza.
A manifestação sob o lema “Retornando a Gaza” teve entre seus participantes membros do Likud, o partido do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, assim como integrantes de partidos e organizações que são a favor da colonização.
Um porta-voz do Likud deixou claro que o evento não era do Likud, mas sim uma “iniciativa local”, como parte do festival religioso de Sukkot, ou Festa dos Tabernáculos.
O festival de peregrinação de uma semana comemora o êxodo bíblico do Egito. Uma das barracas temporárias erguidas para marcar o dia da festa trazia o nome do partido Likud.
“Palestinos perderam direito a Gaza”
“Vou dizer em alto e bom som: os palestinos perderam o direito de permanecer em Gaza depois do que fizeram conosco em 7 de outubro. Nenhum deles permanecerá na Faixa, estamos prontos para voltar o mais rápido possível”, grita Weiss eufórica para uma plateia, formada em sua maioria por judeus ortodoxos, que aplaude cada palavra sua.
Muitos participantes carregam adesivos com o slogan “Gaza é nossa para a eternidade”. A camiseta de um ativista trazia a frase “Gaza faz parte do Estado de Israel”.
Weiss, ex-prefeita do assentamento de Kedumim, defende o retorno dos israelenses a Gaza com o argumento de que isso beneficiará os EUA e a Europa, pois, segundo ela, isso significará o fim do “demônio do Hamas na Faixa de Gaza” e “o fim do Hamas na Faixa de Gaza o mais rápido possível”.
“Espero que todos vocês possam aproveitar as praias de Gaza muito em breve”, acrescenta Weiss, que foi presa várias vezes por agredir a polícia israelense durante protestos.
Criação de seis assentamentos em Gaza
Israel desmantelou 21 assentamentos israelenses dentro da Faixa de Gaza em 2005, a maioria deles em frente à praia, e forçou a saída de cerca de 8 mil residentes após o plano de retirada unilateral do então primeiro-ministro Ariel Sharon, que pôs fim a uma ocupação direta desde a Guerra dos Seis Dias de 1967.
O projeto que está sendo promovido pelo grupo de Weiss prevê a criação de seis assentamentos em diferentes pontos da Faixa de Gaza, que hoje abriga mais de 2 milhões de palestinos, a maioria deles deslocados após mais de um ano de guerra.
No mapa que a judia ultraortodoxa Orit Rosenfelder, de 23 anos, mostra à EFE, estão marcados esses seis assentamentos. “No norte, em Jabalia, meu primo está lutando contra o Hamas, e o que estamos vendo é que, enquanto continuarmos a permitir que os palestinos vivam lá, haverá mais terrorismo porque a maioria não quer a paz”, diz.
“Estamos prontos para voltar a viver em Gaza assim que recebermos o sinal verde do Exército e eles nos disserem que é um lugar seguro. Voltaremos à nossa terra”, afirma.
O próprio Netanyahu rejeita o retorno de civis judeus ao território palestino, mas alguns ministros radicais de seu governo não descartam essa possibilidade.
Já em janeiro, em uma reunião em Jerusalém com a presença de até 12 ministros israelenses, os colonos declararam publicamente seus dois principais objetivos, repetidos nesta segunda-feira pelo ministro israelense de Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, líder do partido ultranacionalista Otzma Yehudit e um dos oradores da manifestação.
“Incentivar a imigração e os assentamentos judaicos em Gaza está em nossas mãos”, disse Gvir no comício de segunda-feira, ele que é antiárabe e já foi condenado no passado por incitar o racismo e o vandalismo. “A verdade é que essa é a solução mais ética e mais correta”, disse ele, enquanto insiste que os palestinos não devem ser forçados a deixar a Faixa de Gaza.
“Sem os assentamentos não há segurança. Vamos nos estabelecer e fazer Gaza prosperar porque é a nossa terra”, reiterou no pódio o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, líder da legenda de ultradireita Sionismo Religioso.
De acordo com o deputado do mesmo partido, Tzvi Sukkot, “retornar” a Gaza significa “fazer com que o Hamas pague um alto preço ideológico pela guerra que desencadeou contra nós”.
“Eles devem entender que, nessa guerra, também perderão a Faixa de Gaza”, disse ele à agência de notícias AFP.
“Discursos atrasam libertação de reféns”
Nem todos concordam. Ayala Metzger, uma das líderes dos protestos antigovernamentais e cujos sogros são reféns em Gaza, acredita que os discursos a favor da colonização do território “reduzem as chances de libertação” dos 97 reféns que ainda estão lá.
Outros, como Rohi Baruch, que ainda não recuperou o corpo de seu irmão Uriel, dizem que é preciso “retomar a Faixa de Gaza e preparar a instalação de civis” para trazer de volta os reféns.
A guerra em Gaza foi provocada pelo ataque sem precedentes do Hamas no sul de Israel em 7 de outubro de 2023, que resultou na morte de 1.206 pessoas, em sua maioria civis, segundo um levantamento baseado em cifras oficiais israelenses e que inclui os reféns mortos em cativeiro em Gaza.
Das 251 pessoas sequestradas durante o ataque, 97 permanecem em Gaza, das quais 34 foram declaradas mortas pelo Exército.
O ataque desencadeou a guerra em Gaza, que matou mais de 42,6 mil pessoas, em sua maioria civis. Os dados, embora tenham sejam fornecidos pelo Ministério da Saúde do território controlado pelo Hamas, são considerados pela ONU como confiáveis.
md/ra (AFP, EFE, DPA)