28/10/2024 - 13:56
As formigas estão em todos os continentes, exceto a Antártida. A ciência estima que atualmente haja 20 quatrilhões delas rastejando pela Terra, ou cerca de 2,5 milhões para cada humano. Colocadas numa balança, elas pesariam mais do que todos os mamíferos e pássaros juntos. Devido a seu número, apesar do tamanho minúsculo, têm grande influência sobre os meios em que vivem.
“As formigas têm fascinado a humanidade há muito tempo”, diz Jack Longino, professor de biologia da Universidade de Utah. “Elas são tão diversas e bizarras quanto os mamíferos do Serengeti, essas coisas selvagens e de aparência louca”, observa, referindo-se ao parque natural na Tanzânia, África.
Entre suas características fascinantes, elas travam guerras, cuidam de suas próprias hortas e “criam gado”, isto é, mantêm rebanhos próprios de outros tipos insetos. Em seus respectivos habitats – no solo, em árvores, sob a terra, em folhagem caída, em desertos e nas cidades –, as mais de 15 mil espécies conhecidas desenvolveram habilidades diferentes.
Existentes desde a era dos dinossauros, as formigas são também cruciais para ecossistemas saudáveis. Ao revirar o solo, tornam-o mais fértil, espalham sementes que ajudam a sustentar o sistema vegetal e são tanto predadoras como alimento para outros animais.
Superpoderes, vida em colônia e atividade “agrária”
“As formigas são as engenheiras da natureza, são jardineiras”, confirma a entomologista Tanya Latty, da Universidade de Sydney, Austrália. “Elas têm tantas atividades diferentes no ecossistema, que sem elas seria terrível.”
Algumas das aptidões que desenvolveram são tão fantásticas que parecem superpoderes. Por exemplo, a veloz formiga-prateada-do-Saara (Cataglyphis bombycina) é capaz de se deslocar a 100 vezes seu próprio comprimento por segundo – o equivalente a uma pessoa correr 200 metros por segundo – atingindo até 3,1 quilômetros por hora. Outras espécies são super fortes, carregando 50 vezes seu próprio peso – comparável a um humano de 70 quilos carregar 3,5 toneladas.
Formigas são insetos sociais, vivendo em colônias que vão de algumas centenas até milhões de indivíduos. Para que todos se mantenham nutridos e funcionais, é preciso que essas comunidades operem como uma máquina bem lubrificada.
Cada formiga desempenha papéis específicos para o bem da totalidade. Em geral há uma rainha, ou várias, cuja função é reproduzir. Todas as demais são fêmeas operárias, encarregadas de cuidar dos ovos e larvas, procurar comida, escavar o formigueiro e defendê-lo de ameaças. Os machos, cuja a única finalidade é acasalar com a rainha, têm vida breve.
A comunicação se dá através de toques com as antenas dianteiras e de sinais químicos, por exemplo para guiar as companheiras até uma fonte de alimento ou avisá-las sobre perigos.
Algumas recorrem a atividades “agrárias”. Formigas-cortadeiras como as saúvas são conhecidas por andar em fila indiana, carregando pedacinhos de folhas sobre a cabeça, como mini-guarda-chuvas. Mas, em vez de comê-las, as levam para o formigueiro, maceram e transformam em substrato para cultivo de um fungo de que se alimentam. As gigantescas colônias das espécies tropicais sul-americanas contêm centenas de hortas de fungos subterrâneas.
Outras desenvolveram relações especializadas com outros insetos. Certos pulgões sugam seiva das plantas, transformando-a num líquido doce. As formigas então os “ordenham” para se alimentar desse néctar, que “pode ser a principal fonte de carboidratos para algumas colônias”, explica Latty. Em contrapartida, “cuidam de proteger dos predadores os seus rebanhos de ‘vaquinhas de açúcar'”.
Espécies invasoras e suas supercolônias
Certas espécies formam supercolônias, interconectando diversos formigueiros para cobrir uma vasta área. A supercolônia mais conhecida é a de formigas-argentinas (Linepithema humile) estendendo-se por mais de 6 mil quilômetros, do norte da Itália a Portugal, atravessando a França e o sul da Espanha.
Originária da América do Sul, a formiga-argentina agora é encontrada por todo o mundo. Latty explica que muitas espécies invasivas formam supercolônias difíceis de exterminar, pois dispõem de milhares de rainhas e se reproduzem rapidamente. Esse poder as torna perigosas, já que danificam infraestrutura, atacam gado e colheitas, além de picarem seres humanos e invadirem suas casas.
Quando uma espécie invasiva se instala, pode expulsar as nativas e outros insetos, alterando a dinâmica dos ecossistemas. A Anoplolepis gracilipes, denominada formiga-louca-amarela, tomou conta da Ilha do Natal, na Austrália, e matou milhões dos icônicos caranguejos-vermelhos migradores, borrifando-os com ácido fórmico. Em consequência, a paisagem insular mudou, com vegetação brotando em áreas antes desbastadas pelos crustáceos.
O número de formigas classificadas como invasoras tem crescido devido à globalização e à intensificação do comércio. Mais de 500 espécies são encontradas fora de seu habitat nativo, sendo cerca de 20 consideradas especialmente invasivas, por terem impacto negativo no meio ambiente e na economia. Estima-se em 51 bilhões de dólares (R$ 291 bilhões) as perdas econômicas que causaram entre 1930 e 2021.
Formigas sob ameaça
A ação humana, causa de perda de biodiversidade por todo o planeta, também afeta as formigas, apesar de seus números astronômicos. Entre as ameaças potenciais estão a propagação de espécies invasivas, mudanças climáticas por ação humana e destruição de habitats.
“Algumas formigas vivem em colônias bastante pequenas, outras têm relações muito estreitas com determinadas plantas. Se essas relações se rompem, perdemos aquela espécie”, alerta Latty.
As mudanças climáticas também favorecem a proliferação das espécies invasoras, aumentando a probabilidade de expulsarem ou mesmo levarem à extinção as formigas nativas, complementa a ecologista especialista em mirmecologia Cleo Bertelsmeier, da Universidade de Lausanne.
“Diversas espécies vêm dos trópicos, dos subtrópicos, de zonas do Mediterrâneo, e para elas será muito mais fácil invadir regiões temperadas da Europa, como a Suíça, Alemanha, norte da França.”
Longino, da Universidade de Utah, também se preocupa com a conversão dos habitats e as temperaturas em alta. À medida que o planeta continua esquentando devido à queima de combustíveis fósseis, as perspectivas não são boas para as formigas adaptadas a altitudes maiores, onde é mais frio: “Elas vão se jogar do alto da montanha, não vão ter nenhum lugar para onde ir.”