Em caso liderado por países insulares como Vanuatu, Corte Internacional de Justiça ouve representantes de quase cem nações, incluindo Brasil, para se pronunciar sobre as obrigações dos Estados na proteção do clima.Moradores das ilhas do Pacífico sempre viveram em harmonia com o oceano, mas hoje suas casas estão ameaçadas pelo aumento do nível do mar, que é causado, em grande parte, pelo aquecimento global.

Após anos de pressão pelos governos e por ativistas dessas ilhas, a Assembleia Geral das Nações Unidas solicitou, em março de 2023, uma posição de sua mais alta instância jurídica, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), sobre as obrigações dos Estados, sob o direito internacional, para garantir a proteção do clima e do meio ambiente contra as emissões humanas de gases do efeito estufa.

Liderados pela Ilha de Vanuatu, 98 países e 12 organizações da sociedade civil deverão dar declarações na CIJ nas próximas duas semanas. Representantes deles falarão entre esta segunda-feira (02/12) e 13 de dezembro no Palácio da Paz de Haia, sede da CIJ. O Brasil está entre os países que oferecerão seus pontos de vista jurídicos, assim como Austrália, Bolívia, Canadá, Chile, China, Colômbia, Equador, França, Alemanha, Índia, México, Holanda, Rússia, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Reino Unido e Uruguai.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), a União Europeia (UE) e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo também serão ouvidos.

Alemanha rejeita obrigações além do Acordo de Paris

“A sobrevivência do meu povo e de muitos outros está em jogo”, disse o procurador-geral do arquipélago de Vanuatu, Arnold Kiel Loughman, na abertura das audiências, nesta segunda-feira.

“Nós nos encontramos na linha de frente de uma crise que não criamos, uma crise que ameaça nossa própria existência”, disse o enviado especial de Vanuatu para mudanças climáticas, Ralph Regenvanu, ao tribunal.

O representante da Alemanha argumentou que as obrigações dos Estados em relação às mudanças climáticas foram estabelecidas no Acordo de Paris e rejeitou a ideia de que haja obrigações mais amplas. Regenvanu disse que a posição da Alemanha é “decepcionante e equivocada”.

Ao final das audiências, os juízes do tribunal emitirão um parecer consultivo sobre as obrigações dos governos, de acordo com a lei internacional, para combater a mudança climática – e as consequências legais para os governos que não agirem ou tiverem tomado medidas que prejudiquem significativamente o meio ambiente.

“Essa é uma jornada que já dura cinco anos e reconhecemos esse marco não como uma meta, mas como um mecanismo de controle, pois é mais um passo na direção certa na luta pela justiça climática”, disse a ativista Siosiua Veikune, do movimento Estudantes das Ilhas do Pacífico Lutando contra a Mudança Climática (PISFCC, na sigla em inglês), que iniciou o caso agora em julgamento.

Além do Acordo de Paris

Sejam as secas, sejam as inundações ou tempestades – as consequências de um mundo mais quente estão sendo sentidas em todo o planeta. Mas, no caso dos pequenos países insulares, o maior problema é o aumento do nível do mar. No Pacífico, os níveis estão subindo quase duas vezes mais rapidamente do que a média global, com aumentos entre 10 e 15 centímetros no Pacífico Ocidental desde 1993, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial.

Segundo a ONU, as atuais metas de redução de emissões dos países signatários do Acordo de Paris levariam as temperaturas globais a subirem até 2,9ºC. Isso está bem acima do limite de 2ºC declarado pelo Acordo de Paris e dos esforços para manter o aquecimento em 1,5ºC.

Ativistas afirmam haver uma diferença significativa entre o que os governos deveriam estar fazendo e o que eles de fato estão fazendo. Juristas dizem que o parecer consultivo da CIJ, mesmo não sendo vinculativo, esclarecerá as obrigações dos Estados de acordo com legislações já existentes e deverá ir além do alcance do Acordo de Paris.

“Os grandes poluidores estão tentando se esconder atrás do Acordo de Paris, essencialmente dizendo que ele é tudo o que existe”, afirmou a principal advogada de Vanuatu nas audiências climáticas da CIJ, Margaretha Wewerinke-Singh. Segundo ela, a questão central no parecer do tribunal é se há obrigações legais além das do Acordo de Paris.

A CIJ é um dos três tribunais solicitados a emitir um parecer consultivo sobre as obrigações dos Estados com relação às mudanças climáticas.

Em maio, o Tribunal Internacional do Direito do Mar foi o primeiro a emitir seu parecer consultivo reconhecendo os gases de efeito estufa como uma forma de poluição marinha e destacando as obrigações dos Estados sob o direito marinho como adicionais às do Acordo de Paris. Após audiências no início deste ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos deverá ser a próxima a emitir seu parecer.

Especialistas dizem que a CIJ, além de levar em conta os dois pareceres consultivos anteriores, também deverá considerar outros julgamentos recentes, como a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos de que a Suíça violou os direitos humanos de seus cidadãos ao não cumprir metas de redução de emissões.

“Queremos avançar em direção a uma ação climática baseada em direitos para que as pessoas saibam que se trata de um direito humano e que seus Estados devem tomar todas as medidas necessárias, e fazer isso com base na melhor ciência disponível, e que se os Estados não fizerem isso, elas têm o direito de responsabilizar seu governo ou empresas”, afirmou a ativista Jule Schnakenberg, diretora-executiva da World’s Youth for Climate Justice, uma organização que reúne jovens de todo em mundo em favor da justiça climática.

Ancorado no direito internacional

Embora pareceres consultivos da CIJ não sejam juridicamente vinculativos, eles têm peso político e jurídico, como mostra a decisão do governo da Irlanda de suspender a compra de produtos originários da Cisjordânia ocupada após um parecer consultivo da CIJ afirmar que os assentamentos israelenses na região são ilegais.

Especialistas jurídicos afirmam que o parecer consultivo da CIJ sobre mudança climática poderia levar a decisões semelhantes, principalmente quando os países se preparam para apresentar novas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa antes da próxima cúpula climática das Nações Unidas, em novembro de 2025, no Brasil.

“Este seria o resultado ideal: que o tribunal desse a correção de curso necessária para as próprias negociações, de modo que as metas se tornassem mais ambiciosas”, diz Wewerinke-Singh.

Se esse não for o caso, o parecer poderia ao menos fornecer um “modelo jurídico” para o direito internacional, o qual poderia ser usado por tribunais nacionais e internacionais. Há mais de 2 mil processos climáticos contra Estados e empresas em andamento em todo o mundo.

“É claro que sempre será preciso provar a causalidade, e isso varia de caso a caso, mas o que o tribunal pode fazer é determinar que o princípio legal da reparação e do ressarcimento existe no direito internacional”, acrescenta Joie Chowdhury, advogada sênior do Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL).