15/01/2025 - 7:17
Muitos esperam que Trump retire os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde após retornar à Casa Branca. Especialistas avaliam que isso seria uma perda para a saúde global e o próprio país.O presidente eleito Donald Trump estaria pronto para retirar os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) no primeiro dia de seu novo mandato na Presidência dos EUA. Especialistas, porém, alertam que essa mudança seria prejudicial tanto para a entidade quanto para o país.
Trump, que será empossado para um segundo e último mandato como presidente dos EUA em 20 de janeiro, já tentou retirar o país da OMS em julho de 2020, no final da sua primeira administração.
No entanto, cortar totalmente os laços com a OMS não é algo que possa ocorrer da noite para o dia devido a uma resolução de longa data do Congresso americano que exige que o presidente envie um aviso prévio de um ano e pague quaisquer obrigações pendentes.
Esse cronograma permitiu que a decisão de Trump pudesse ser revertida com a vitória de Joe Biden nas eleições de 2020, poucos meses após o decreto de Trump.
Dessa vez, no entanto, Trump não enfrentaria as mesmas barreiras. Em seu primeiro dia no cargo, ele poderia notificar a saída dos EUA da OMS já a partir de janeiro de 2026.
EUA são maior contribuinte
Uma provável saída dos EUA da OMS seria um golpe duro para o orçamento da organização e sua capacidade de coordenar programas e políticas internacionais de saúde.
A OMS é uma agência da ONU composta por 196 Estados-membros que a financiam por meio de contribuições fixas baseadas nos tamanhos do Produto Interno Bruto (PIB) e da população num ciclo de financiamento de dois anos.
Os EUA respondem por quase um quarto desses fundos, à frente da China, do Japão e da Alemanha.
Os países também podem fazer contribuições voluntárias, o que os EUA também fazem. No ciclo atual, os americanos já contribuíram com quase 1 bilhão de dólares (R$ 6,1 bilhões) para o orçamento da OMS.
Porém, em torno de metade do financiamento da OMS vem de organizações não governamentais. Por exemplo, centenas de milhões de dólares foram doados pela Fundação Bill & Melinda Gates, o que, em termos gerais, a torna a segunda maior doadora.
Contribuições direcionadas por doadores ou “específicas” – nas quais o doador determina como e onde o dinheiro deve ser utilizado – respondem por mais de 70% do orçamento total.
Isso representa um grave problema estrutural para as operações da OMS, de acordo com Gian Luca Burci, um ex-advogado da entidade que trabalha atualmente como especialista em direito da saúde global no Graduate Institute de Genebra.
“Os doadores impõem muitas condições, o que faz com que a OMS se torne demasiadamente orientada por eles”, diz Burci. “Os EUA recebem muito em termos de retorno por relativamente pouco dinheiro.”
“Há muitas questões às quais os EUA dão muita importância, independentemente de quem esteja na Casa Branca”, acrescenta o especialista. “Em particular no que diz respeito a emergências de saúde, pandemias, surtos de doenças, mas também em termos de obter dados sobre o que ocorre dentro dos países.”
A perda de seu principal contribuinte financeiro deixaria a OMS com poucas opções para compensar o déficit: os demais Estados-membros teriam de aumentar suas contribuições, ou seu orçamento para atuar precisaria ser reduzido.
Prejuízo também para os EUA
A relação entre a OMS e Trump começou a se deteriorar em 2020, quando ele acusou a entidade de ser uma “marionete da China” devido a suas ações durante a pandemia de covid-19.
“Ele continua a criticar a China e a afirmar que a OMS está no bolso dos chineses, e que a China a influencia”, disse Lawrence Gostin, professor de direito da saúde global na Universidade de Georgetown e diretor do Centro Colaborador da OMS para Direito da Saúde Pública e Direitos Humanos.
Gostin avalia que sair da OMS seria um “gol contra” dos EUA e custaria a “enorme influência” que o país exerce sobre a instituição.
“Acho que seria profundamente adverso aos interesses de segurança nacional dos EUA. Abriria a porta para a Federação Russa, China e outros. Ou ainda África do Sul, Índia e México”, diz Gostin.
Maior risco de surtos de doenças
A saída americana também tornaria o mundo um lugar menos saudável e seguro. Ao se isolar da comunidade global de saúde, os EUA iriam se colocar em desvantagem no que diz respeito à proteção durante surtos de doenças.
“Há muitas coisas que os Estados Unidos podem fazer sozinhos, mas impedir que novos patógenos cruzem suas fronteiras não é uma delas”, diz Gostin.
Como exemplo, ele destaca as preocupações atuais com a gripe aviária H5N1 nos EUA. “Não teremos acesso às informações científicas de que precisamos para poder combater a doença, uma vez que a gripe aviária é um patógeno que circula globalmente.”
“A OMS tem um centro para gripes que monitora todas as cepas ao redor do mundo. [Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA] são um parceiro muito próximo, e usamos esses dados para desenvolver vacinas e tratamentos. Estaríamos voando às cegas”, diz Gostin.
Ameaça poderia levar a reformas
A saída dos EUA da OMS certamente mudaria o relacionamento entre o país e a entidade, mas não necessariamente iria encerrá-lo. Burci mantém um certo otimismo em relação ao futuro dessas relação. Ele sugere que os EUA poderiam agir como as organizações não governamentais e instituições de caridade, fazendo contribuições voluntárias para programas que apoiam.
“[Eles] podem continuar a financiar alguns projetos e atividades, então é possível que a OMS não perca a totalidade da contribuição americana”, afirmou.
Trump também se apresenta como um líder negociador, o que significa que ele poderia usar a saída americana como um instrumento para forçar reformas endossadas pelos EUA em Genebra.
O desempenho da OMS vem sendo criticado há muito tempo, e não apenas pelos EUA. Gostin observa que algumas reformas começaram na esteira da forma como a entidade lidou com a pandemia de covid-19.
A “agenda de transformação” da OMS está em vigor há quase oito anos, e Trump poderia ser capaz de forçar outras mudanças.
Gostin preferiria ver Trump assumindo um papel de negociador em vez de adotar atitudes isolacionistas em suas negociações com a OMS. “Ele poderia fazer um acordo com a OMS para torná-la uma organização melhor, mais resiliente, mais transparente, o que seria uma vitória para os Estados Unidos, para a OMS e para o mundo”, afirma o especialista.